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sábado, 26 de novembro de 2022

CORPO E ALMA (um conto por Eduardo Schloesser)

  Ele acordou. Finalmente tirado de um sono onde o despertar parecia impossível, uma impressão de que estava inconsciente há décadas. Em sua mente não havia lembrança de absolutamente nada. Um vazio total.

Não abriu os olhos; nos segundos posteriores - sem que planejasse - valeu-se dos outros sentidos para entender sua situação. Estava ao ar livre e devia ser de tarde pois sentia a luz do sol lhe aquecer o lado esquerdo rosto, a língua seca revolveu o interior da boca experimentando um gosto azedo, ao mesmo tempo amargo. Sentiu-se nauseado; farejou um cheiro de algo familiar mas indecifrável. O silêncio à sua volta quebrado por um barulho peculiar e irritante que ele identificou no preciso momento em que algo pousou em seu rosto: moscas! Centenas delas; provavelmente foi o som que o desadormeceu.

A ponta de seus dedos tocaram uma superfície áspera, rugosa. Entendeu que estava deitado de barriga para cima sobre uma extensão dura e de consistência desigual. Subitamente tomou consciência de que cada centímetro de seu corpo doía como se tivesse levado uma surra. Não conseguia abrir os olhos, as pálpebras não lhe obedeciam. Pensou, com certo desespero, que podia ainda estar desacordado e era vítima de um sufocante pesadelo.  

Imagens confusas passavam por sua cabeça, suplícios, lágrimas, escárnio e muito ódio. Foi quando encontrou forças para desselar as vistas e divisar um céu reluzente que o obrigou a apertar as pálpebras uma vez mais e tornar a abri-las devagar em tempos iguais até poder fixar o firmamento de maneira franca. Um azul límpido que ocupava todo o seu campo de visão e pela posição do sol devia ser por volta de quatro horas da tarde. Olhou parcialmente em volta de si, estava  estendido numa estrada asfaltada. Afinal o que acontecera? Outra mosca pousou em seu nariz e ele moveu os braços por puro reflexo e gemeu de dor, não exatamente de agonia mas um incômodo por ter ficado, sabe-se lá quanto tempo, em um local tão inadequado.

Tentou se levantar mas a algia cansada nos membros o afligiu, parecia colado ao asfalto negro. Sentou-se com dificuldade e sorveu o ar que vinha da relva maculado por aquele odor desagradável. À direita e à esquerda da estrada onde ele se encontrava havia uma vegetação baixa e se estendia até o horizonte como um mar verde. Contudo mais a leste árvores frondosas quebravam o equilíbrio daquele magnífico panorama.

Ficar em pé foi um esforço hercúleo onde os músculos das pernas estavam fracos e trêmulos. Ereto, com os pensamentos em desordem, tentou compreender o que havia se passado. Que lugar era aquele? Como ele foi parar ali? E acima de tudo, quem era ele? Como se chamava? Nada! Não conseguia se lembrar de absolutamente nada!

Olhou para si mesmo, trajava jeans, camisa branca e um paletó surrado. Nos pés um sapato preto de ponta quadrada. Os bolsos vazios, nenhuma carteira, documentos, papéis, algo que pudesse dar uma pista sobre sua pessoa.

Neste momento, por puro instinto, olhou atrás de si, para o lugar onde vinha a concentração das moscas e notou horrorizado que não estava sozinho. Ali, a poucos passos dele, um corpo, tão horripilantemente mutilado que ele não identificou de imediato como uma figura humana. Havia algo pavorosamente familiar naquela figura esquálida mas no meio de tanto sangue não conseguiu perceber o que era. O morto tinha o rosto parcialmente esmagado, a cabeça rachada deixava entrever miolos e ossos partidos. O esquisito era que o finado estava em decúbito dorsal mas as nádegas também estavam voltadas para cima como se tivesse sido violentamente torcido, as vísceras esparramadas na lateral por onde se via uma abertura de carne lacerada. A perna direita estraçalhada onde o pé se misturava ao tecido da calça e ao couro do sapato. O cheiro, agora ele sabia, que o incomodava, era do sangue; o zunido das moscas, tudo somado, revoltou-lhe o estômago de tal forma que o vômito veio repentino, indômito e com tal intensidade que saiu-lhe pela boca e narinas em grandes golfadas. O ato quase fê-lo desmaiar, uma vertigem dobrou seus joelhos, grossas gotas de suor brotavam de sua testa. "Deus, de quem é este cadáver? Quem sou eu? Procurou pensar de forma racional, ponderada, puxar de dentro de si uma lembrança que pudesse arranca-lo desta situação grotesca.

"Calma - disse para si mesmo - você está em choque, acabou de acordar, não se desespere, as lembranças vão voltar, apenas não se desespere."

Olhou para o vômito diante de si, pensou confusamente que tudo poderia mesmo ser fruto de um pesadelo sobrenatural do qual não conseguia acordar; qual a alternativa? Ele deitado numa estrada deserta ao lado de um morto sem uma recordação sequer de sua vida! Loucura!

O sol brilhava morno no horizonte, breve ele se poria, o pensamento de que logo a noite chegaria e o encontraria ao lado daquele defunto sórdido o encheu de terror. Precisava evadir-se dali, encontrar quem pudesse ajudá-lo, a polícia, talvez. 

Trêmulo, ficou de novo em pé. Decidiu pela direção das árvores, mas ao dar o primeiro passo, uma dor aguda na junção do osso da perna que se liga ao tronco o fez berrar. "Que diabo, mais esta!?" Nesse instante, um grito estridente, como que saído das profundezas do inferno, invadiu seus ouvidos e machucou seu cérebro.  

Aterrorizado, ele se voltou para a direção do falecido para quase tombar ante o absurdo que se apresentava diante dos seus olhos: aquele vulto banhado em sangue urrava e lutava para se hastear! Mas...então ele não estava morto! Impossível, uma pessoa naquelas condições não poderia se mover, mas....era isso que tentava a todo custo fazer! O ser bizarro fitava-o com o único olho que lhe restava. Da boca - se era possível chamar aquilo de boca - soltava gorgolejos agudos mesclados a grunhidos que ele não discernia se era de dor ou de raiva.

A sensação de que havia algo familiar naquela criatura persistia. Seria um parente? Um amigo? Petrificado ele observou a agonia e o vigor daquele ente para ficar em pé, o braço direito todo lacerado estendido como se pretendesse agarra-lo. Vencendo a dor que o acometia na perna conseguiu dar alguns passos para longe daquele zumbi.

O inacreditável acontecia, a repulsiva entidade, conseguiu se erguer, as vísceras pendentes se esparramaram pelo chão com um som que lembrava sacos de água estourando. Com dificuldade, retorceu o corpo, ouviu-se o barulho incômodo de ossos estalando; com esse movimento o morto ficou quase de costas para ele, ao tentar virar-se a perna estraçalhada não pode se apoiar e caiu com grande estrondo, a cabeça se chocou com violência espalhando pelo asfalto o restante do cérebro e sangue coagulado. No entanto não desistiu, junto a berros de palavras ininteligíveis fez novo esforço para se erigir.

O desmemoriado não pode mais suportar, vencendo o indizível horror de que era possuído ao visualizar algo tão improvável, juntou todas as suas forças e deu meia volta para fugir do local. Era quase impossível aguentar o sofrimento decorrente da lesão mas o desespero deu-lhe ânimo. Com os dentes trincados, mancando, afastou-se dali bem a tempo, pois ao olhar para trás divisou o odioso falecido com os braços estendidos em sua direção e pulava em apenas uma perna lutando por alcança-lo. Era uma cena patética.

A dor agora parecia mais suportável e ele procurou tomar distância.  Olhava às suas costas e notava o ser repugnante cada vez mais longe. Seus uivos de frustração eram de enregelar a alma.

Com pouco tempo ele alcançou as árvores. A folhagem seca, como um detestável tapete cinza, fazia um barulho ensurdecedor ao ser pisada. Temeu que este som o denunciasse pois a bizarra silhueta havia sumido atrás da densa vegetação.

Suando em bicas, ele procurou desordenadamente correr, agarrava-se à vantagem tão sofridamente conquistada. Tropeçava nas raízes das árvores cobertas pela folhagem opaca, levantando-se para tornar a cair mas nunca desistindo, o medo que sentia era superior a tudo mais.

Depois de um quarto de hora neste suplício, ele avistou uma casa escondida atrás de uns bambuzais. Uma típica habitação do interior, feita de madeira e barro batido, telhado de sapé, com um poço e um filete de fumaça saindo de uma chaminé. Alívio, não estava abandonada, seu coração se encheu de alegria e ele parou para tomar fôlego. Escurecia e o único ruído audível era dos grilos na mata. Certamente o tal morto perdera seu rastro.

"Ó de casa!" Gritou. Aproximou-se da morada. Silêncio. Tornou a gritar. A voz saiu fraca, estava sedento. 

Um cão ladrou debilmente e apareceu saindo porta afora. Era um animal velho, doente, de cor escura, o corpo esquelético, poucos pelos, a pele tomada por uma sarna asquerosa.

"Ei, totó, tem alguém nesta casa?" Como que entendendo a pergunta o cachorro entrou e depois de um segundo surgiu um ancião alto, sinistro, de magreza assustadora, o cabelo crespo de um branco encardido caindo em desalinho pelo cachaço, o peito desnudo exibindo uma execrável psoríase que se estendia pelos ombros e ganhava parte das costas, a derme estava cascuda e ferida. Trajava apenas uma bermuda velha que parecia que ia cair a qualquer momento. Contudo, o rosto ossudo sorriu mostrando uma boca de poucos dentes amarelos e imensas covas ao redor dos olhos fundos.

"O sinhô tá perdido, moço?"    

A voz profunda do velho trouxe uma certa tranquilidade à alma conturbada do homem.

"Eu...eu...sim, estou. Eu me perdi....na mata."

"Ah, acontece muito nessas banda. Mas se achegue pra perto do fogo. O amigo não repara não, que é casa de pobre." O semblante do idoso fez cara de dó: "O amigo tá mancano? Se machucô?"   

"Eu creio que sim, devo ter caído, pra falar a verdade nem mesmo sei direito." Disse isso tentando entrar na casa que rescindia a fumo de corda. Evitou discretamente a ajuda do velho.

"Poderia me arrumar um copo d´água? Tenho muita sede."

"Craro! O moço me parece muito cansado!"

"Estou, de fato, andei a esmo por horas nesta mata!" Sentou-se ao lado do fogão de lenha. Uma casa modesta como era de se esperar de um domicílio daquele tipo.  No canto do aposento uma mesa rústica com utensílios de barro em cima.

"Tá aqui, moço, fresquinha do poço." O anfitrião lhe oferecia uma concha feita de cabaça. O líquido desceu-lhe pelas entranhas  devolvendo parte das forças.

"Como se chama o amigo?" Neste ponto o rapaz ponderou: Poderia este senhor depauperado entender seu drama? Como contar que não tinha memória? Como dizer que fugia de um corpo que de tão destruído não poderia estar vivo, mas o perseguia implacavelmente? Como fazê-lo crer em algo que ele mesmo julgava inexequível? Melhor seria omitir os fatos.

"José, meu nome é José da Silva - respondeu resoluto - e o senhor?".

"Celestino, às suas ordem. O que te aconteceu, José?"

"Comigo? Eu, bem....meu carro quebrou na estrada, como não apareceu ninguém resolvi procurar ajuda na floresta, foi quando caí de um barranco e machuquei a perna, então, encontrei sua casa." Surpreendeu-se com a facilidade com que mentia. Era como se tivesse feito isso a vida inteira.

"Ocê deu sorti, não tem ninguém nessa região."

"Não tem ninguém como? Quer dizer, o senhor é o único habitante dessas redondezas?"

"Isso mesmo."

"É...poxa, isso é mau! Eu contava com a ajuda de alguém...quero dizer, alguém que tivesse um telefone. Não há um posto telefônico aqui perto?"

O ancião riu.

"O amigo me adiscurpe, mas não tem nada disso por aqui, não. Vivo sozinho nessas mata há muito tempo."

"Caramba, por essa eu não esperava! Tem certeza que...."

"José - interrompe Celestino  - num se preocupe cum isso agora. Amanhã nóis pensa mió, agora só pense em recuperá suas força. Aí no fogo tem um feijão com toicinho que daqui a pouco vai tá pronto. Ocê janta, discansa, e vai vê como tudo vai si ajeitá!"

Nisso o homem se abaixou para pegar um banco e foi possível divisar em sua omoplata esquerda um buraco horrendo, daria pra por um dedo inteiro dentro; berne, provavelmente. 

Os dois homens jantaram feijão, farinha e linguiça de porco. "Péssimo acompanhamento pra alguém que tem uma micose tão feia pelo corpo como este velho"- pensou. Depois tomaram um copinho de aguardente.

"Bem, já tá tarde. Ocê pode discansá naquela cama ali. Eu vô confiri umas armadilha pra paca. Mais tarde tô di vorta."

"O senhor vai dormir onde?" 

"Ah, eu durmo numa rede aqui fora,  se preocupe comigo não. Agora discanse."

A velha cortesia interiorana trouxe alento ao jovem amnésico, entretanto hesitou deitar no colchão indicado pelo idoso, aquela dermatite era desagradável até de se ver. "Ah, dane-se - pensou - para quem fugiu de um ´presunto´ naquelas condições...." Sentiu um frio no estômago ao lembrar disso. Novamente a apreensão, não devia ter deixado Celestino sair, poderia ter inventado um pretexto qualquer para não ficar só. Mas pensando bem, depois de tudo, não teria ele imaginado aquilo, como uma alucinação louca?  

Ele se deita no ruidoso colchão de palha. O travesseiro tem um suave cheiro de marcela (ou macela, como chamam alguns). Havia um silêncio agônico na casa. Põe-se a pensar: estaria ele caminhando na estrada com alguém e ambos foram atropelados? Sim, só pode ter sido isso! No choque o companheiro ficou destroçado e ele provavelmente bateu a cabeça e perdeu a memória, isso também explicaria a lesão na perna.

Neste momento sente algo úmido lhe lamber a mão. Senta-se aterrado. O cão sarnento entrou tão sorrateiro que ele nem notou. Certamente dormia sob a cama. O animal repugnante aproxima-se mas é repelido com um chute, "sai, bicho imundo! Passa!" Neste ato, sente a perna magoada - "aaaah, droga!" - o pobre cão sai do aposento com o rabo entre as pernas. Para evitar que ele volte, o rapaz fecha a porta e coloca a trava transversal. Aquele quarto não tinha janelas, "melhor assim - pondera - ficarei mais seguro."

Novamente deitado, tornou a refletir sobre sua situação. Se ele tivesse batido a cabeça como supunha, deveria ter algum ferimento, um galo, um corte, qualquer coisa, mas não sentia nada, apenas aquela dor incômoda na junção da perna com o tronco e um cansaço mortal.  Tudo era muito esquisito. Aquela estrada sem viva alma, ele ali, desmaiado e  acima de tudo, aquele zumbi que lhe parecia tão familiar. Não, não podia estar morto, do contrário, como poderia se levantar e persegui-lo? No entanto viu-o estatelar-se no chão e o cérebro esparramar-se no asfalto, ainda assim continuava sua luta por se mover na sua direção como se precisasse desesperadamente tocá-lo. Sentiu arrepios só de pensar! 

Procurando afastar aqueles pensamentos, ficou no escuro olhando o teto feito de mato seco, as ripas de madeira de proporções desiguais, então as pálpebras começaram a pesar, não lutou contra o sono que chegava qual um lenitivo para sua mente conturbada.

Porém o descanso tão almejado não se fez presente; foi bombardeado por imagens confusas e fragmentadas de si, manietado, encarcerado. O sonho inquietante mostrava um tribunal inclemente e diversos rostos com expressões odientas e escarnecedoras. Dedos em riste e uma mão descarnada, com uma pena de abutre, a escrever com sangue em sua testa uma palavra que sabia, aplicava-se a ele: PEDÓFILO!

Gemendo de agonia ele acordou. Ainda sob os eflúvios do pesadelo, tentou concatenar as imagens terríveis, monta-las como um quebra-cabeças para daí extrair alguma lembrança de si. Seria um criminoso?

Não pode continuar suas conjecturas , notou mais alguém na escuridão do ambiente. Um forte cheiro de sangue invadia o local, o mesmo odor da estrada, o gorgolejar sinistro do cadáver a anunciar sua presença nefanda! O homem sequer teve tempo de se perguntar como aquele ser entrou no recinto, tampouco pode se levantar da cama quando o morto pulou em sua direção. Um grito inumano escapou-lhe da garganta. Foi a única coisa que pôde fazer quando o defunto o abraçou e ele sentiu aquele corpo como um ferro em brasa a queimar-lhe as carnes. Pavor, desespero somada a uma dor titânica foram as únicas percepções presentes quando sentiu seu espírito abandonar-lhe o corpo. O resto foi escuridão.  

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E ele acordou de repente. Tirado de um sono onde o despertar parecia impossível. Uma impressão de que estava inconsciente há décadas. Em sua mente a lembrança de haver cumprido sua pena e por fim ganhado a liberdade quando dois guardas da sua ala na prisão o intimaram, sob a mira de pistolas, a entrar num carro. Duas horas de viagem em completo silêncio até aquela rodovia recém asfaltada. Uma bela manhã de primavera, um dia límpido e a ordem de caminhar pela via sem olhar para trás. O ronco do motor e as confusas sensações que misturaram choque, surpresa e dor ao sentir, numa fração de segundos, as pesadas rodas do veículo  a estraçalhar seu corpo. Depois, trevas.

Abriu o único olho que lhe restava. O azul  do céu continuava magnífico, seu corpo estava esmagado e retorcido. Não havia dor, estava morto. Ao seu lado, sua alma jazia deitada, enleada. Observou-a levantar-se e olhá-lo incrédula e horrorizada sem nada entender. Provavelmente pelo choque da separação entre matéria e espírito. Com muito custo conseguiu se por em pé e procurou uma vez mais agarrar seu ente espiritual. As vísceras e miolos se espalharam pelo chão. Torceu o corpo e pulou na direção daquela que debilmente procurava escapar, ela mancava e gemia. Saltando sobre o único pé que o sustinha, conseguiu por fim abraçá-la para juntos, de novo, cumprirem a última etapa do destino. Ela gritava para se libertar, mas um uivo medonho a fez calar. Ali, diante dos dois, um cão velho, sarnento, de magreza assustadora, com um profundo buraco sobre o dorso, aguardava o momento em que serviria de guia.

A alma se conformou, acomodou o corpo destruído às suas costas e seguiu o cachorro naquela estrada que conduzia ao inferno.









           

       

     











  


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domingo, 20 de novembro de 2022

A PRIMEIRA VEZ QUE APARECI NA TELEVISÃO.

Personagem pouco amigável de ZÉ GATÃO - SIROCO (ainda inédito).
 

Eu vivo prometendo a mim mesmo ser mais frequente neste blog, principalmente agora que as visualizações diárias aumentaram substancialmente, como já disse aqui reiteradas vezes, no início eu tinha de 200 a 500 verificações, depois fiquei entre 100 e 200, até que foi diminuindo, diminuindo até chegar ao ponto de verificar só seis entradas. Raramente passava de 50. Nas últimas semanas isso mudou, recebo, 150, 200, 300, 450 até 1.300 diariamente, o curioso é que no gráfico as páginas verificadas são postagens antigas, geralmente as que tratam de ilustrações para livros clássicos, Iracema, principalmente. Mas ok, o bom é que pessoas vem aqui e arte e texto chegam a um número maior de leitores (se não forem sempre os mesmos, mas espero que não). Mas o caso é nesses últimos tempos nunca consigo paz na alma para sentar e refletir com vocês sobre as coisas da vida, meus pesadelos (externos, os internos eu tento exorcizar com oração e arte) impedem, são maiores do que tenho sido capaz de suportar, e acreditem, se não acabo com tudo é por puro amor ao próximo. Só por isto.   

Mas vamos ao que interessa, quem me conhece bem sabe o quanto eu odeio exibir fotos minhas, não as tenho em redes sociais, as que circulam pela internet são as que os editores exigiram para figurar nos livros, as vezes sou obrigado aparecer em alguma live, mas é para falar sobre trabalho, se isso puder ajudar na divulgação.

Eu nunca quis aparecer na televisão e já dei as caras lá algumas vezes, geralmente sendo entrevistado em redes locais para falar sobre algum projeto, agora com canais no YouTube não dá pra fugir se estou presente em algum evento. Há uns anos, poucos anos atrás, se não me engano, a HBO fez um documentário em vários capítulos sobre quadrinistas brasileiros, deram depoimentos os mesmos de sempre, os que sempre estiveram aí, com mais cara de pau e muita vaidade, vaidade pouco equivalente ao seu talento (quando falo talento, não é só no traço, mas naquilo que faz um artista completo ser o que é). Um amigo meu perguntou se eu estaria no tal programa, eu falei: nunca! Os produtores só conhecem esses caras de sempre, esses mesmos caras que estão aí há mais de 30 anos e nunca conseguiram, ou tiveram intenção, de criar um mercado. Eles nunca ouviram falar de mim e ainda bem, eu não tenho nada relevante, nada para acrescentar e principalmente, odeio aparecer em televisão.   

Mas a primeira vez que eu apareci, eu quis sim, estar lá. Explico: no fim dos anos 70 eu fui morar no Rio à revelia dos meus pais (já narrei aqui no blog como foi essa triste história) e lá eu vivi uma vida de merda, com tiranetes colocando mais peso na cruz que naturalmente eu tinha que carregar - isso se repete na minha vida em Pernambuco - mas voltemos ao papo sobre tv. Os dias amarulentos na cidade maravilhosa foram mais suportáveis com a presença dos livros clássicos, dos gibis de faroeste (Tex e Ken Parker) e músicas nas raras vezes que pude assistir aos programas de clipes que passavam na tv dos despotazinhos. Notem: uma era muito antes da MTV. Um desses programas, se me recordo bem, da Tupi, era feito na praia, um apresentador abordava um passante e perguntava se ele queria ouvir uma música no programa e o cara pedia tal música e a tal música rodava. Havia muita coisa que eu curtia e, claro, muita bosta também, mas em geral davam as caras as bandas que eu gostava: nem tanto Beatles, mas ex Beatles, como Lennon, Harrison, MacCartney (Ringo era muito raro), muito Queen, ABBA, Blondie e etc. Pois bem, o apresentador falou certa vez que o próximo episódio seria na praia do Arpoador em frente a tal lugar, tal dia, entre tal e tal hora. Putz, a tentação foi grande, eu queria muito ver o vídeo de Hey Jude ou Strawberry Fields Forever, ou poderia ser I´m The Walrus (todos dos Beatles, caso alguém ainda não saiba) ainda não tinha me decidido, mas eu pretendia estar no local, só não podia deixar os opressorezinhos ficar sabendo, senão iriam dizer que aquilo ia me lavar para o inferno. 

No tal dia, acho que era um domingo (de muito sol, pra variar) eu disse que iria à praia com um certo fulano (esse fulano era um canalha que eu pensei que fosse um amigo, mas é outra história) e lá fomos de busão ao Arpoador. A praia não estava cheia, andamos um bocado até chegar ao local indicado e não vimos nada, pensei que o tal apresentador tinha nos feito de bobos até que de longe (bem longe mesmo) vimos um cara com uma câmera na mão, hei, pode ser os caras. Corremos até eles e reconheci o rapaz da TV (acho que o nome dele era Aires), eu, nervoso e trêmulo como um chihuahua perguntei se não eram da televisão e tal. Ele disse sim e conversamos um pouco. Afirmou que já iam embora pois o dia não estava bom para gravar, poucas pessoas na praia e a maioria, quando via a câmera, caiam fora. Demos sorte então. Eu queria pedir uma música dos Beatles. Ih, irmão, não tem Beatles na lista hoje. Lista? Sim, sempre temos uma lista da músicas do dia que vocês podem escolher. Putz, é sério? Sim, veja a lista.  Vi a lista e imediatamente falei: ok, quero esta aqui, Start Me Up, dos Rolling Stones. Ih, broder, essa já pediram, veja outra aí. Na tal lista só tinha cantor que eu desconhecia ou não gostava, as boas já tinham sido escolhidas, sobrou Oh, Suzie do Secret Service. Ok, fico com o Secret Service. 

Acertado isso o cara me pediu para assinar um papel autorizando o uso da minha imagem no vídeo e fingir que eu passava por ali para ele me abordar e me cumprimentar e perguntar se eu queria ouvir uma música no programa, eu diria que é um enorme prazer e que queria ouvir Oh, Suzie do Secret Service. Ponto. O simpático Aires me agradeceu e disse que o programa iria ao ar dia tal.

Chegado o dia a tv estava sendo usada para assistir um programa qualquer de auditório, fui obrigado a dizer que na praia passavam uma produção de tv e me perguntaram se eu queria ver um clipe de uma banda. O programa estava para começar. Ouvi um sermão sobre vaidade e o perigo de tal coisa. Mas vimos o tal programa. Assisti sem prazer algum, eu queria curtir sozinho, não ao lado de pessoas que odiavam aquilo. Rolavam bandas boas e bandas merdas, sempre com comentários de reprovação. De repente aparece o Dudu com uma voz que não parecia a dele dizendo simplesmente: gostaria de ouvir Oh, Suzie com Secret Service. E a música rolou. Eu tinha sido entrevistado (de onde era, se curtia música, se conhecia o programa e tal) durante uns cinco minutos, e na edição eu mal abri a boca. Muito melhor assim. 

E foi isso. Ah, não pensem que eu desdenhei, eu gosto do Secret Service, mas queria ouvir Hey Jude.

Foi bom estar com vocês, agora volto para meu calvário.

Fiquem todos bem.

Outra personagem pouca amistosa de ZÉ GATÃO - SIROCO











 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

O GOSTO DO FEL

 Tenho vivido dias amargos. São uma série de coisas mas um fato em específico tem sido uma carga que minhas forças não são mais suficientes para segurar, isso atrapalha minha concentração para o trabalho, na verdade impede que eu o exerça. Não fosse o forte senso de responsabilidade que me esmaga, eu chutaria tudo para o alto e sairia sem rumo, sempre se pode recomeçar em algum lugar.

Nosso próprio país se vê numa situação que no momento não é possível mensurar. Por conta disso fiz uma breve colocação a título de desabafo na minha página do Facebook. Como seria natural nos tempos que vivemos, os comentários logo chegaram. Uns poucos, claro, concordaram e mandaram uma força, mas a maioria - "amigos" que nem sei quem são - usaram palavras odiosas, comentários irônicos, debochados. Pensei em deixar pra lá mas não consegui, removi a publicação e decidi dar um tempo dessa rede social (na verdade a única que uso), só volto lá para anunciar alguma possível publicação, afinal, ainda existem admiradores dos meus traços.

Não me resta nada a fazer, peço orações aos que creem, por favor. 

Minha saudosa avó dizia que não há bem que sempre dure e mal que nunca se acabe, mas há algo desiquilibrado na minha balança, os dias de bonança tem sido muito, muito breves, e os dias biliosos longos, longuíssimos.

A SAUDADE É MAIS PRESENTE QUE NUNCA

   No momento que escrevo essas palavras são por volta das 21h do dia 21 de abril. Hoje fazem três anos que o Gil partiu, adensando as sombr...