Detalhe de uma página de RASTREADORES DE ALGURES, novo projeto com roteiro de Elton Borges Mesquita. |
Houve uma época em que eu conseguia ler um livro por semana. Devo lembrar que nestes períodos eu saía mais de casa, então ler no metrô ou em consultórios médicos aguardando consulta facilitavam bastante. Um exemplo de um que li em diversas viagens de metrô em São Paulo? On The Road e acho que algum do Umberto Eco.
Mas em casa eu sempre separava um tempo para ler um capítulo diariamente. Lógico, tem gente que lê muito mais que um a cada sete dias, o saudoso professor Pierluigi Piazzi me falou que lia uns cinco semanalmente (as vezes até mais), mas ele era editor, entre outras coisas, e ele precisava revisar textos, eu só leio pelo prazer mesmo. Os livros sempre foram um grande consolo nos momentos de tribulação, por exemplo, quando amarguei alguns anos no Rio de janeiro eu devorava livros, foi nesse período, quando eu contava com meus vinte e poucos anos, que li A Divina Comédia, Edgar Allan Poe, obras de Shakespeare, os contos do Voltaire, os poemas de Camões, clássicos da literatura brasileira, um pouco depois eu me interessei por Kafka, Tchekov e Dostoievski, além de obras contemporâneas. Li Agatha Christie, Conan Doyle (não só o Sherlock completo), Bukowski e Fante. Nem todos foram um prazer, Dante, Victor Hugo e Homero não eram palatáveis, desceram pelo esôfago da minha mente muito secos e talvez eu devesse reler para ver se, na época, eu era muito verde para absorver o que eles tinham a transmitir. Teve alguns que eu comecei e abandonei logo no segundo capítulo, como o Germinal do Zola ou As Ilusões Perdidas do Balzac. Ah, um que enrolei muito e desisti foi O Bosque Das Ilusões Perdidas, não é que fosse hermético, é que achei chato mesmo. Em compensação eu li numa tarde As Ligações Perigosas num clube em Brasília enquanto minha mãe participava de um concurso gastronômico onde ela saiu vencedora. Enfim, nunca deixei de ler, mas o problema é que hoje ao invés de um por semana eu creio que leio um ou dois por ano. Não consigo mais tempo para esse prazer por mais que insista. Se os tomos são um bálsamo para as minhas dores então estou em maus lençóis pois as circunstâncias da vida tem batido muito forte e eu não consigo mais o escape da leitura. Todo o meu tempo é gasto na prancheta tentando ganhar a vida ou na rua resolvendo problemas ou fazendo compras com a esposa. No fim da noite as vezes eu me forço a ler um pouco, as vezes consigo, foi assim que finalmente conclui A Estrada da Cura do finado Neil Peart, o lendário baterista do Rush. Quem me acompanha a mais tempo aqui sabe do que falo. Eu comecei a ler este livro primeiro porque sou fã da banda e em especial do Neil, que acho o maior baterista de todos os tempos (quase empatando com Buddy Rich). Depois a motivação aumentou quando me vi na mesma situação do músico: o luto.
É um bom livro? Com certeza. Bem escrito, mostra que o Neil não era fera só nas baquetas, mas também com as palavras, erudito, discorre sobre muitas coisas. A Estrada é quase um diário de viagem, narra os lugares e situações por que passa com tanta clareza que é como se estivéssemos com ele em cima da moto atravessando todo o Canadá, EUA, parte do Alasca e México. Fala de sua dor por perder filha e esposa no espaço de um ano e sua tentativa de entender - e mesmo superar - a situação. Eu, que compartilho da mesma dor, me envolvi na leitura no afã de colocar um lenitivo sobre minha ferida. Não consegui. Existem abismos homéricos de diferenças entre eu e o baterista. Em primeiro lugar eu sou um cristão, um crente, embora eu não entenda os desígnios de Deus, permaneço crente, ele não era. Ele pôde se dar ao luxo de subir numa moto e percorrer todos aqueles quilômetros se hospedando em hotéis, bebendo bons vinhos e saboreando boas comidas (o livro tem momentos que parece um tour gastronômico), eu não tenho onde cair morto e conhecer outras plagas para fugir da dor não é um luxo ao qual eu possa me dar (deixando claro que não julgo o Neil Peart, se ele conseguiu sair pelo mundo, fez muito bem).
Claro que fala sobre o luto e suas diversas etapas (ele pesquisou sobre) mas não consegui identificação. É como se eu estivesse escutando uma conversa onde um cara fala sobre sua desdita e embora algo similar tivesse acontecido comigo, as diferenças de pensamentos sobre a questão são tão diversas que é como se ele estivesse falando um outro idioma.
Chego à conclusão de que cada dor é uma dor, sua experiência pode ter sido exatamente igual à minha mas a maneira como você recebe, suporta ou não, essa dor, pode ser outra diversa. Mas é um bom livro, sim, gostei. O bom é que eu pensei que fosse terminar de forma melancólica, tipo, a estrada não me trouxe respostas porque não existem respostas e só o futuro dirá e tal. Mas não, ele não demorou a encontrar outra pessoa, se casou de novo e constituiu nova família e parecia feliz. O último capítulo me pareceu apressado, tipo, tudo acabou bem, ninguém vai substituir a esposa e filha perdidas mas a vida tem que seguir e tchau.
Passei tanto tempo com A Estrada da Cura, lendo à conta gotas, que vejo que nesse ritmo nunca conseguirei ler os diversos tomos que estão na fila. Qual será o próximo? Não sei. Tenho várias opções, mas tenho medo de começar outro e não conseguir terminar. Mas vou fazer um esforço. Acho que agora vou de novo me imiscuir no mundo de Robert E. Howard através de Solomon Kane ou talvez eu releia uma seleção de contos de horror selecionados pelo Ítalo Calvino. Vamos ver.
O que sei com certeza é que uma nova folha em branco me espera na prancheta com a esperança de virar uma página de HQ. A roda da vida não para, se eu cochilar ela me atropela impiedosamente.