Análise: Zé Gatão Siroco. 11/08/23. 6a feira a 15/09/23. 6a feira.
Por Luiz Fiuza.
Nesta chamada derradeira aventura do felino cinzento criada, escrita e desenhada pelo Quadrinista Eduardo Schloesser encontramos Zé Gatão envolvido em situações de enorme perigo em um ambiente de extremos, vivendo o impossível em nome de um dos mais primais dos instintos: SOBREVIVÊNCIA!
Os comentários a seguir vão se basear principalmente em minha interpretação pessoal da obra, onde farei observações e análises como leitor costumeiro das aventuras/desventuras do Grande Gato produzidas pelo Eduardo ao longo dos anos.
Ao ler Siroco, percebe-se que ao longo do enredo, apesar de a história ser situada em um microcosmo desértico e ter um período de tempo específico – que pode ser bem elástico – o mundo como um todo está caótico, fragmentado e eventos terríveis ocorreram, potencializando as mazelas que sempre reinaram no universo antropomorfo de Zé Gatão! Não é mais possível recuar, recompor o que se perdeu! Em verdade, a situação se resume em continuar de maneira obstinada vivendo dentro da realidade adversa que se apresenta caminhando na direção de um futuro dos mais incertos! Na amplidão fervente do deserto só há dor, violência, brutalidade! Ainda assim, no meio do nada, a distopia geral acaba se chocando violentamente com a utopia quimérica dos que teimam em sonhar! Uma fresca aragem (do passado), impiedosamente calcinada pelo bafejo ardente do Siroco (na verdade, a dura realidade do presente)!
Primeiras cenas: (p.7 a 21) Tudo começa com a visão característica dos pés de dois personagens acompanhada de um diálogo: o tom irônico de um, seguido pela resposta áspera do outro. Em um movimento de câmera cinematográfica, os indivíduos vão sendo revelados aos poucos até divisarmos as feições brutais de um grande leão e de um colossal e raivoso rinoceronte! O diálogo prossegue. O leão incisivo em sua determinação em uma fala mordaz, enquanto o rino se desmancha em uma risada debochada ante ao louco e notadamente, imprudente desejo do outro animal de encarar o tamanho e a enorme força do titânico paquiderme! A linguagem de ambos é grosseira, chula! Reforçando a rudeza inerente aquelas ferozes criaturas! Outra interessante angulação cinematográfica se faz presente, evidenciando o clima de confronto em meio a um cenário desolado! Evidentemente, não há piedade nos corações de tais seres! Apenas o desejo inflexível do leão de tomar algo que na verdade não seria dele e o rinoceronte ensandecido, propenso a deixar o felino ainda vivo, mas arrebentado para a sanha dos carniceiros emplumados! É a lei do mais forte a imperar em terra de ninguém! A luta é seca! Brutalizada! O leão com a mente obliterada pela confiança excessiva se deixa levar pela soberba e o paquiderme mostra que é mais perigoso e mortal do que aparentava! Para sorte do velho leão ele não estava só! Há outros felinos, aliados seus, na área! Em tempo, eis que surge nosso felino cinzento! Lutador ágil, pródigo em distribuir socos e chutes certeiros, sem dar chance para o oponente reagir a contento! Pragmático, Zé Gatão age de modo a fazer o necessário para que um dos membros do grupo felídeo usando determinado artefato incapacite o gigante chifrudo para dele ser tirado o que queriam sem matá-lo! Dito e feito!
A idade não perdoa: (p.22 e 23) Khan o leão tem uma postura muito comum de não aceitação em relação à passagem do tempo. Intimamente, não engole o fato de que está mais velho! Apesar de ainda vigoroso, não tem mais a mesma resistência e destreza de antes! Sua atitude é até compreensível, pois admitir a imposição da velhice que vem chegando, bem como as limitações decorrentes desta fase de sua existência não é nada fácil. O complicador é o estilo de vida que ele leva e o ambiente selvagem onde se encontra! Não dá para simplesmente mudar o estilo de viver! No entanto, se fosse mais consciente de sua realidade faria adequações mais apropriadas para continuar razoavelmente efetivo, sendo portanto, capaz de ser útil ao grupo! Por exemplo, passando a se servir mais da inteligência e do bom senso do que unicamente da força bruta! Infelizmente, é justamente a teimosia que o torna prepotente e descuidado! Com base em uma ilusão autoinduzida, a todo momento o leão precisa se afirmar como o eterno fodão tanto para si mesmo quanto para os demais, se assemelhando muito a um adolescente marrento! As fêmeas tentam arrazoar com o leão, mas este irredutível, não ouve a voz da razão! Achei interessante a presença do filhote surgindo como um contraponto, aparecendo de repente em sua alegria pueril! Brincando despreocupado sobre o corpanzil inerme do rinoceronte, a cena em si promove uma quebra brusca do clima pesado e violento anterior, mostrando que mesmo ali, há um pequeno espaço para o desabrochar momentâneo da inocência dos infantes! Sintomática a conversa tensa entre os membros do grupo felino. Zé Gatão e Khan se afastando dos demais a tudo escutam graças à audição apurada de ambos, bem cientes sobre o que se fala deles. Khan está pouco se lixando e Zé Gatão confirma o que sempre soube! Os felinos puros não apreciam os mestiços! Olham-nos com desconfiança e preconceito! Em sequência, pode-se notar um ponto de alívio cômico em relação ao brutalizado início: vemos leão e mestiço jogando conversa fora. Simples amenidades enquanto curtem um resquício da Civilização. Uma observação do felino cinzento faz Khan quase rebentar de rir! O circunspecto Zé Gatão não compartilha da explosão de hilaridade do outro! Ao mesmo tempo, Khan começa a dar sinais de algum tipo de dor interna. No entanto, um estranho fedor no ar tira a atenção do felino cinzento e ele não nota o desconforto do fortuito companheiro de lutas!
Personagens deste início de aventura: Me divertiu ver a figura do rino! Ele tem um estilo bem punk! Cerdas capilares eriçadas à la anos 80 e indumentária imediatamente relacionada aquelas notórias figuras pós apocalípticas! Enormes brincos como argolas a pender das orelhas, ombreiras metálicas, braçadeiras nos pulsos, faixas nos braços maciços, tal qual um arremedo de gladiador! Nos pezões, grosseiras sandálias de couro! Bermudão justo! O paquidérmico ser, tão confiante em sua força descomunal a ponto de não carregar armas consigo. O velho leão, tem a aparência de um feroz bárbaro, em razão do penteado – uma mistura de rabo de cavalo e tranças, assemelhado a um antigo viking redivivo! As roupas de mangas cortadas, características típicas dos anos 70 e 80. Sandálias trançadas nas canelas combinando com o sabor antigo, de sua figura imponente! O cavanhaque apontado e meio revolto se destacando agressivamente na queixada leonina! Zé Gatão está igualmente diferenciado: enverga uma vestimenta de pele, a indefectível calça jeans e nos pés, calçados confortáveis de solado duro e forte. O fato da basta cabeleira estar solta me sugere ser o reflexo do caos e da disrupção a reinarem soberanas! As fêmeas e os machos felinos são os tão conhecidos soldados da fortuna, buscando tirar os seus ganhos sem muito ligar de onde realmente vêm, desde que sejam pagos por suas missões! Um detalhe a considerar é que por natureza, onças, tigres e panteras são animais de comportamento solitário, enquanto os leões tendem a ser mais gregários. A ironia desta relação aqui é a de que Khan, o leão prefere ser solitário, enquanto os demais felinos do grupo defendem a associação. Claramente por questão de necessidade e formação militar! Zé Gatão é como Khan neste sentido de preferir a solidão. Contudo, em razão das circunstâncias entende a importância da união ainda que temporária. Um entendimento que falta ao velho leão.
Carniceiros emplumados: ( p.24 a 29) O odor de carniça é como o hálito da morte que vem das alturas! Dantesca é a cena da chegada dos urubus a planar por cima do Comando felino! Imagino a revolta estomacal que o fedor deles exalado provoca, pois vem do corpo, das penas, do hálito! Verdadeiras merdas aladas! É o que são! O líder das abjetas aves…horrendo, careca com uma expressão de pura malignidade no olhar! Sorriso feio e deformado! Malditamente jocoso e sobretudo, ele e sua trupe nojenta, sequiosos por devorar a carne do rinoceronte abatido para empanturrar-se da carne alheia sem qualquer esforço! Achei surpreendente, um certo escrúpulo revelado pela onça! Ela poderia estar pouco se cagando para o rino, mas sabendo-o ainda vivo não teve estômago para deixar que os urubus simplesmente o estraçalhassem! Apesar de tudo ainda há alguns valores, mesmo em tão caótico ambiente. Advertidos a partir imediatamente por Nero, os carniceiros na pessoa de seu líder, veementemente discordaram! A cruel e egoística ave, pensando tão somente em suas necessidades estomacais, atreveu-se então, a proferir ameaças, sendo então brindado com um balaço em suas penas sebentas! Tiro este, efetuado por um Nero de saco cheio daquela criatura nauseabunda! A expressão de susto somada ao grito esganiçado de pura perplexidade foram brutalmente interrompidos pelo inesperado salto da onça, a qual surgiu diante do feioso, dando um potente murro naquele bico sujo, de onde projetou-se língua, dentes e uma saliva pútrida! O filhote amou, encantado com a violência crua e arrasadora! Sinal de um futuro muito mais sombrio e desapiedado que talvez estivesse se delineando a partir daquele instante! A grande exposição dos muitos novos à violência pode os levar a achar que tudo se resolve por esta via. Eles podem vir a idolatrar apaixonadamente seres violentos e se tornar também eles, criaturas cruéis e desapiedadas, reforçando esta mentalidade na idade adulta!
A Utopia e a realidade: Em meio a aspereza do deserto, castigados pelo sol inclemente, rodeados pelo ‘nada” absoluto encontramos duas figuras emblemáticas! Ambas representam uma alegoria com base em tresloucadas quimeras, idealismos e esperanças vãs! Palavras de teor forte que no entanto, se perdem ao vento! Frases há muito carentes de significado em um mundo descrente e abrutalhado! À frente vai altaneiro o Cavaleiro Andante de brilhante armadura e elmo, cuja montaria é uma singela bicicleta! À sombra de seu Mestre vem o Escudeiro com seu ar simplório e infantil, tendo como meio de transporte um indefectível patinete, incompatível com o terreno agreste e símbolo de uma mente ingênua, fortemente permeada pela inconsequência! Apenas disposto a seguir sem de fato entender claramente um líder de cegos direto a uma queda tão verdadeira quanto simbólica! Mesmo ao cair, ambos não se dão conta da impossibilidade e da futilidade dos sonhos delirantes do cavaleiro iludido que prossegue em sua interminável arenga filosófica! O flamejar intenso em seu olhar, a expressão resoluta e meio doentia, uma real caricatura de um paladino insensato, defensor de valores de outrora…tendo como ouvinte a triste figura de seu nada galante Escudeiro, a chafurdar no pantanal de sua ignorância pueril e ao mesmo tempo crer candidamente no discurso inflamado de um pretenso redentor dos perdidos (p.30, 31e 35)! Contudo, há um lado positivo a considerar! O fermento das ideias, primeiro se constitui de sonhos às vezes, impossíveis de alcançar dependendo do momento histórico em que surgem! Daquele solo crestado pelo sol ardente denota-se uma voz que grita se elevando cristalina na solidão do deserto! Propondo a quem puder e quiser ouvir uma mudança de rumo, uma revisão de paradigmas com o intuito de buscar a paz e a Justiça para todos! Seria, quem sabe, uma refrescante gota de chuva na sequidão que parece destinada a passar despercebida de todas as criaturas viventes! Uma molécula cristalina a trazer em seu cerne o que em um passado longínquo já foi Verdade e hoje lamentavelmente, não mais!
Então me pergunto com alguma perplexidade: “O que é a Verdade?” - A resposta se acha nas cenas a seguir na página 32. Sob um grande guarda sol vemos um volumoso e suarento hipopótamo, tendo também ele, seu sonho impossível: um refrescante cubo de gelo a derreter, visto aqui em uma excelente representação gráfica típica dos Quadrinhos! Surge então um subalterno casal de ratos de ar humilde trazem uma bebida não tão refrescante na tentativa servil de mitigar a sede do ser paquidérmico. Como já ficou evidente, o hipo tem o poder de mando e o casal de roedores o serve. O fazem intimamente com o objetivo específico de serem um dia, retirados daquele inferno escaldante! Concomitantemente, há uma relação abusiva entre o casal. O macho é ameaçador, impositivo! No entanto, a fêmea não se intimida, apesar de sucumbir sempre à agressividade dele! Discutem! O rato a acusa de erro e incompetência em bem servir o hipopótamo! A rata rebate dizendo que em primeiro lugar, devia ele ter feito a prévia manutenção do refrigerador para que de fato pudessem servir a bebida na temperatura adequada! A ira mútua prestes a explodir é quase palpável! No entanto, refreando seus instintos belicosos por enquanto, o rato apressa-se em cumprir as ordens do hipo de dar imediatamente um recado importante ao militar conhecido como coronel Brutal! Me chamou atenção as figuras dos personagens em questão. O casal de ratos me remete a elementos interioranos do Sertão. As vestimentas e sobretudo o tipo físico. O hipopótamo faz-me lembrar daqueles antigos coronéis endinheirados que mandam e desmandam nos sertanejos. Os mais pobres! Reféns eternos da miséria, muito distantes dos requisitos básicos de uma existência no mínimo decente! Ponto pacífico! Potamus faz parte de um grupo influente! Poderoso e dominante!
Desconfiança/Circunstâncias/ decisões: (p. 36, 37, 38, 39, 40 e 49). O grupo de comando felino está em um impasse! O transporte do qual dependem está quebrado! Precisam apanhar um componente básico para o funcionamento do veículo com seu empregador, Lipídio Potamus, o hipopótamo! É notório que o paquiderme jamais perde dinheiro! Irá descontar a peça do valor que paga aos mercenários felídeos! Estes não confiam no paquiderme e com razão! Portanto, Nero e seu irmão pegarão a peça em uma motovelox meio bichada! Khan sente repentinas dores! Uma possível hemorragia interna pode estar em progresso. O Gatão sugere levar o leão a uma cidade próxima para ser tratado por um cirurgião canino de seu conhecimento. A tigresa e alguns dos demais fazem objeção por não confiarem no mestiço cinzento e por aquele senso obstinado de grupo que os une ante a nada descartável possibilidade de um ataque. O único a concordar com a proposta do Gatão é o irmão de Nero. Khan, objeto da discussão também aceita acompanhar o felino tristonho, afirmando que confia nele sem reservas! Mais alguma discussão ocorre, vencendo o bom senso, ante o aumento das dores do leão. A contragosto, a tigresa permite que os dois partam. Temos todo um desenrolar de cena a analisar! - A ideia insistente de manter o grupo unido é arraigada na cabeça da líder, a tigresa! Fato que põe em risco a vida de Khan! O contraponto são justamente o Gatão e o irmão de Nero! Ainda assim, a gata listrada não cede! Nem o próprio leão admite fraqueza diante dos outros. Contudo, a realidade dos fatos fala por si mesma e a melhor decisão é tomada! Cada personagem entre os felinos e um determinado acontecimento representam um papel significativo no desenrolar da trama até este ponto – Khan e a tigresa, a obstinação! A onça a desconfiança (nisto apoiada pela líder), o Gatão a sensatez e o cuidado com seu semelhante, Nero a premência de resolver uma situação e o irmão de Nero a percepção de que o Gatão não está errado! O acontecimento decisório é a dor excruciante nas entranhas do leão! É preciso responder quem ali ainda traz em si, os valores antigos contidos na arenga do Cavaleiro Andante que grita no deserto? Aí está o paradoxo! Não esqueçamos da disposição do filhote em ajudar o tio Nero a montar a motovelox! Nem tudo está perdido, afinal! E ainda há amor, por incrível que pareça! Sendo repetitivo eu percebo que: em meio a cardos e espinhos é possível que as flores também subsistam!
Esferas de Poder: (p. 41 a 45): Há os que mandam e os que obedecem! E nisto a relação entre Potamus e o coronel Brutal é mais do que evidente! O hipopótamo manda e o militar canino obedece, ainda que contrariado! No universo antropomorfo, os militares não representam a Pátria e seu povo! São isto sim, parte de um Status Quo desigual, onde os milicos são a mais sombria face da repressão ostensiva! A qual existe em prol das classes dominantes e em detrimento da maioria da população! Esta conjuntura desenvolveu entre os chefes militares uma mentalidade egocêntrica, aberta à corrupção e de maneira pródiga se servindo da violência e do golpismo para alcançar seus objetivos espúrios! O cataclismo que dinamitou os alicerces da Sociedade animal não destruiu completamente as antigas esferas de Poder! Embora fragmentadas, elas continuam atuando, mesmo na amplidão do deserto. Que dizer de um subordinado de Brutal? Boçal, fala quase incompreensível! Coloca o superior nas alturas! O idolatra como um deus encarnado, massageando descaradamente o já inflado ego de uma criatura entupida de soberba! Que ganhou medalhas e méritos fazendo um trabalho sujo e desonroso à farda de um militar sério (os há, se bem que poucos)! Contudo, seu falso poder é confrontado por outro maior e mais consistente e apesar de suas armas, de sua tropa e do adulador de plantão, nada resta ao coronel Brutal senão esbravejar inutilmente contra alguém que é muito maior que ele, pequeno ditador, inexpressivo em sua pequenez! O provam suas próximas ações!
Imposição e brutalidade / consequências: Neste momento é mister analisar uma outra esfera de poder, bem menor e restrita ao ambiente doméstico, mas não menos destrutiva do que aquela em maior escala, já mencionada. O desenrolar de uma tragédia então ocorre (p.46, 47. 50 e 51). Como meros e impotentes espectadores, vamos observar o resultado de atitudes pouco racionais que vão cobrar um alto preço a todos os envolvidos! O rato se impõe, exigindo que a rata obedeça suas ordens, e a fêmea bem mais objetiva demonstra a inutilidade de ficar em volta do hipopótamo, tal qual incômoda mosca em um irritante puxa saquismo! Que o gordo os chame se desejar algo! Pura lógica! Contudo, o roedor sentindo-se desrespeitado, descarrega toda sua fúria represada sobre a fêmea, a espancando covardemente até tirar sua vida! É triste ver aquele frágil corpo tombado inerme e sangrento, após o festival de porradas brutais, onde um sorriso mau retorce a face horrorosa de um pulha! Não há remorso da parte do assassino! De forma alguma! Só pensa em si e não quer de jeito nenhum responder por seu ato insano! Covarde! Mil vezes covarde! O cadáver daquela pobre infeliz tem que desaparecer! É a voz do tolo, do inconsequente, do egoísta!
Clamor ao vento: (p.48) Ao mesmo tempo em que presenciamos a real e palpável brutalidade da vida que a tudo engolfa, voltamos também a mergulhar na alma torturada do quixotesco Cavaleiro Andante, continuamente a clamar! Sem cessar! Submerso em mirabolantes quimeras de outros tempos! Tristemente, entre lágrimas candentes, ele mesmo, lá no fundo sabe da incompatibilidade de seus delírios com o momento atual! As palavras por ele proferidas são como a areia que desce inexorável de uma ampulheta gigantesca, onde o tempo corre impreciso em direção a um abismo timpânico e sem fim! Porém, o clamor desesperado prossegue! E nem o Destino mais aziago pode calá-lo!
Hora da vingança: (p.52 a 59) Mercenários e militares pode-se dizer que são a face de uma mesma moeda! O que os move é acima de tudo interesses pessoais. Os primeiros trabalham por dinheiro e os segundos também não descartam um ganho financeiro, mas o que os milicos mais almejam é o aumento de seu poder, de sua influência e de seu domínio!
O acordo entre eles é tenso! O bando mercenário não é bobo e pelos riscos que vai correr quer receber um pagamento mais justo do que aquele que o coronel Brutal quer oferecer, além de sentir cheiro de queimado pelo fato dos milicos, fortemente armados, não irem eles mesmos dar conta do “serviço!” A objeção direta da hiena fêmea revela como é de praxe, a natureza dominante desta, tão comum a esta espécie! Machista e irônico, Brutal nem leva em consideração a fala da hiena! Ignora-a, dirigindo-se sempre ao babuíno, chefe do bando! A negociação acaba ficando desvantajosa para os mercenários, os quais têm um fraquíssimo poder de barganha, ainda mais com armas pesadas apontadas para o meio das fuças! Têm que engolir um monte de desaforos e sair com o rabo entre as pernas! Melhor teria sido não ter reclamado! Bien, c’est la vie!
O hipopótamo e os felinos / desmedida adulação / sobrevivência: (p.60 a 63) Chegam Nero e seu irmão diante de Potamus para entregar o tutano de rinoceronte e pegar a peça para reparar o veículo militar. A conversa entre o suarento paquiderme e os felinos é sem rodeios! Perspicaz, o untuoso hipo avisa Nero que um “certo” militar que tão bem conhecemos pretende emboscar a pequena tropa de felinos! - Quando os felinos chegam na motovelox, a forma como esta se aproxima denota a total ausência de peso e a fluidez de seu movimento no ar! O hipopótamo encara os recém-chegados, lavado de suor e, no entanto, continua envergando seu paletó como um símbolo de seu poder que não pode ceder ante “seus inferiores” e muito menos ao calor abrasador do deserto cruel! Todo o seu gestual é de quem sempre está a dar ordens! Já os felinos agem descontraídos! Não são subservientes a Lipídio. Estão apenas realizando seu trabalho!
Não se pode dizer o mesmo da relação entre o Cabo e seu comandante! A fala e a expressividade do subalterno é de adoração incondicional! Os olhos do cabo estão arregalados e brilhantes de veneração! O sorriso e a língua pendente, o olhar fixo e brilhante evidenciam os fortes sentimentos que embriagam o espírito estúpido e a mente curta de um mero servo, o qual tudo fará para atender a todos os desejos de seu objeto de idolatria! Pragmático, Brutal responde a seu subordinado de maneira simples e direta. Com certeza, o Coronel aprecia aquela bajulação toda e se sente mais poderoso do que nunca! Dominado por uma megalômana sensação de quem tudo pode ele se deixa guiar por seus instintos mais baixos de ódio e retaliação, sem pensar nas consequências de seus atos! Os mercenários a quem contratou e os urubus a voejar no deserto, nada mais são do que meros instrumentos a usar, no único sentido de cumprir seus desejos mais torpes!
Pensando tanto na posição dos mercenários contratados por Brutal como na de suas pretensas vítimas, os mercenários felídeos, dentro da cadeia de comando, os chamados Soldados da Fortuna estão sempre em desvantagem! Não são tão bem pagos assim, se compararmos com os ganhos astronômicos de seus contratantes! Fazem o serviço sujo! Encaram os maiores riscos! Poder de barganha limitado na presente conjuntura! São em geral ex-militares, desertores, bandidos e apátridas, se encontrando no mais inferior dos níveis na escala da Sociedade! Mais à margem dela do que parte integrante desta! Escolhas equivocadas? Circunstanciais? Quem sabe? A questão fundamental é sobreviver a mais um dia!
Hierarquia: (p.64 e 65): Como antes mencionado, entre as hienas a dominância é exercida por uma fêmea mais agressiva e experiente e os machos da espécie se submetem a isto! As cenas que se seguem nas referidas páginas são claras em demonstrar a fúria e o descontentamento da hiena fêmea caolha no tocante à negociação desastrosa realizada há pouco com os milicos! Os machos, pai e filho, intimidados são brutalmente humilhados! Queixoso, o filho reclama ao pai, mas este afirma que é assim mesmo e que ele em outra oportunidade, ao tentar se contrapor a sua esposa tomou uma surra inesquecível que o colocou em seu devido lugar, não restando ao filho ter o mesmo procedimento se não quisesse ele também ser violentamente espancado pela própria esposa! É engolir em seco e seguir em frente! Gostei muito das reações da fêmea! Olhar cheio de raiva lançando perdigotos de sua bocarra escancarada enquanto vocifera e depois se afastando soltando fumaça! O marido tenta inicialmente objetar timidamente, mas logo é calado por um rompante de sua companheira! O sogro ultrajado começa a falar grosso, mas logo pia fino diante de uma fêmea brutalizada e iracunda! A expressão de desalento do velho é quase comovente. A raiva do filho se mostra inócua e despropositada! O velho sabiamente, orienta o mais novo a aceitar silente, a crua realidade, goste ele, ou não!
Avanço / revelação / ataque /amor / infidelidade / combate: (p. 66 a 76): Lentamente, os mercenários de Brutal começam a avançar, se preparando para atacar de surpresa seus inimigos!
Enquanto isto, no acampamento dos milicos, Potamus sabendo estar tudo pronto para partir é convocado pelo Cabo para tomar ciência de um acontecimento inusitado! Neste ínterim, Nero e seu irmão estão retornando a seu grupo. Durante o trajeto, analisam a situação e acontecimentos passados, causadores de problemas presentes! Na paisagem desolada por onde passam, sem que o notem, uma desafortunada criatura do deserto está servindo de alimento a uma enorme cascavel, parte do terrível balé de vida e morte a que todos os seres estão sujeitos só pelo fato de existirem! Então, inesperadamente, os irmãos são atacados por aqueles que a meu ver eles deveriam antes ter matado! Aqui vemos como algumas decisões podem ser acertadas, ou não! A primeira pedrada vinda do alto destroça o crânio do irmão de Nero! A próxima atinge o ombro de Nero e a motovelox cai ao solo como um pássaro ferido! O pobre irmão vai de cara no chão, partindo o pescoço! Dentre os dois, o mais abençoado, pois morreu sem maiores sofrimentos! Já Nero, todo arrebentado amarga as dores da queda, osso da perna quebrado, ao mesmo tempo que sobre ele se projetam as sombras nefastas de seus algozes! Melhor seria para o felino negro se ele tivesse perecido na queda! Assim, à mercê de seus impiedosos inimigos, Nero é escarnecido pelo horrendo líder dos urubus, sedento de vingança e disposto a devorar sem qualquer sentimento de comiseração, a carne de sua incapacitada vítima! Ao longe, Lena pressente o pior ao ver a fumaça a se erguer à distância! Dominada pelo impulso de salvar seu amado Nero ela se lança à frente, insensível aos apelos de Thay para que não se afaste! O filhote de Thay segue atrás de Lena, ignorando igualmente o chamado da tigresa em desespero! A esta, só resta pedir a Lena que cuide do pequeno tigre! O filhote também não obedece quando Lena o manda voltar à mãe e ela é forçada a levá-lo consigo. É bastante significativo pensar que nesta Sociedade fragmentada ainda restem alguns valores antigos que não foram completamente destruídos. Refiro-me aos sentimentos de união, preocupação com a prole, com outrem e o mais forte dos sentimentos – o amor! E onde os encontramos concentrados? Justamente na tropa felina de Thay e seus comandados. São todos mercenários, é claro, mas é nesse grupo que incrivelmente, se corporificam de certa maneira, os sonhos quiméricos do Cavaleiro Andante! E Jihan? Como a criança, herdeira deste mundo devastado, se equilibra sem ainda entender, sobre a violência extrema e aqueles sentimentos a que me referi há pouco! Prefere seguir a “tia” a ficar com a mãe! Também algo a se pensar! É acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.
Novamente, temos o contraponto entre a utopia e a dura realidade! Nero ainda vivo, jaz abatido encarando o sorriso frio da Morte na figura abjeta do chefe dos urubus, o qual faz questão de explicar em detalhes, o fim terrível que aguarda o felino abatido e incapaz de defender-se! Embora xingue fracamente seu oponente, Nero está naturalmente aterrorizado pela inexorabilidade de seu Destino!
Em um corte abrupto, vemos a seguir a hórrida carantonha de Potamus. Cenho cerrado e olhar fixo no cadáver da rata, grotescamente acomodado dentro de uma caixa! Da boca de Lipídio escapa uma imprecação e praticamente a identidade do assassino, só o cérebro lento do cabo e de difícil compreensão, o faz indagar quem é o culpado daquele acontecimento ultrajante! No diálogo entre o cabo e Potamus, o primeiro, ingenuamente pensa que o rato realmente gostava da esposa – ledo engano! - Lipídio então revela sua própria história de seu casamento fracassado e a solução dantesca por ele encontrada para lavar sua honra de macho traído! O mais irônico de tudo é que Lipídio sente pena da rata, apesar de ele mesmo ter sido no passado, impiedoso com sua esposa! Além disto, o fato do gordo tentar corrigir a fala do cabo torna a situação toda bastante tragicômica, no fim das contas! As ordens são diretas a Brutal! Encontrar eliminar o roedor maldito!
Confronto: (p. 77 a 96): Esta palavra tem mais de um significado! Como vimos Jihan preferiu seguir a tia Lena! Tendo sua atitude contestada pela onça, o filhote até com lógica, rebate que o perigo será o mesmo, não importando com quem esteja! O mais sintomático, no entanto, é a bombástica revelação de que Jihan não gosta da mãe por ser chata, gorda e sem um dos braços! Estes fatos, representam a visão simplista de uma criança, mas também a reação de contraposição a genitores, tão comum na fase da vida pela qual o filhote atravessa! Sem conhecer a vida pregressa de Jihan e sua mãe, não dá para saber se estes sentimentos demonstrados pelo filhote de tigre sempre existiram, ou se surgiram a posteriori à medida que este crescia! Lena não concorda com o ponto de vista de Jihan e tenta defender Thay das acusações. Porém, não há tempo hábil para conversa! Um confronto bem mais visceral vai acontecer já, com a chegada do babuíno e seus sequazes, integralmente tomados pela sede de sangue e morte! Contudo, a gata sarapintada não se abala e ordena para que o filhote se agarre às costas dela! Motivados por uma sanha assassina que a ninguém poupará, os mercenários atacam, crentes de que liquidarão sem dificuldade uma única fêmea de onça e um indefeso filhote de tigre! Não sabem com quem estão lidando! Velozmente, Lena saca sua pistola automática e cospe fogo! Uma bala esfacela a cabeça de um dos símios como uma fruta podre! Isto, não refreia o ímpeto sanguinário dos ferozes atacantes, munidos somente de primitivas machadinhas de pedra contra uma moderna arma de fogo! É um embate rico em detalhes! Você pode ver a ação destruidora das balas mortais da arma de Lena sem rebuços! Uma delas voando para interior da bocarra aberta de um dos macacos enlouquecidos, causando inenarrável dano e jogando o crápula na escuridão do esquecimento, ao ceifar para sempre, sua vida pecaminosa e desapiedada! Tal qual uma máquina inflexível de matar Lena sem nenhuma pena mata seus inimigos, destroçando a tiros cabeças e corpos! Ainda assim, a súcia avança como enxame enfurecido de vespas, apenas para serem parados pelos consecutivos disparos da automática da onça! A pintada se movendo como um ciclone arrasador! Uma força imparável da Natureza, a qual nada e nem ninguém consegue enfrentar sem sentir as funestas consequências do atrevimento! Tudo tem limite, porém! A pistola fica sem balas! Logo, a fêmea e o filhote ficam à mercê da horda descontrolada! Mas em lugar de temer o fim quase certo, a onça enfurecida se lança contra seus carrascos, disposta a trucidá-los! Consegue se apossar de uma machadinha e de vítima indefesa se torna a nêmeses daquele bando simiesco, que experimenta o que é morrer da pior e mais sanguinolenta forma possível! Quase chego a ter pena deles! Uau! Que carnificina! Doeu em mim quando Lena enfiou uma lança nas partes baixas de um dos macacos! Não queria estar no lugar dele de jeito nenhum! E não parou por aí! Os golpes mortais e contundentes continuaram até restar somente dois aterrorizados símios! Em desespero de causa, o apavorado líder ordena que o outro sobrevivente, mesmo mutilado, ataque e mate a adversária felina! Idiota e insensato! Nada pode fazer, a não ser encontrar seu fim através de uma marretada brutal que esmigalha a já arrebentada face! O velho líder suplica pela vida! Por conveniência e necessidade, a felídea poupa o símio para dele extrair informações necessárias! Ao filhote, ileso, ao estar agarrado às costas dela, ordena que liquide quem ainda estiver vivo! Paradoxalmente, manda o macaco embora, na verdade um subterfúgio para o assassinar pelas costas! O ser simiesco morreu sem conseguir gritar! A lança atravessou a nuca e projetou-se pela boca, impedindo-o de proferir um som! Como Lena pontuou - “não fazemos prisioneiros!” - Há que notar que Jihan se assustou ao ser incumbido de liquidar os sobreviventes daquele bando desfeito, mas significativamente voltou com um sorriso depois de cumprir sua” missão!” Será que o ato de matar estava ficando natural para ele? Tremo só de pensar! Abandonando o local do embate, Lena e Jihan correm na tentativa de salvar Thay do ataque do segundo bando, formado por cães do deserto e hienas! Chegarão em tempo?!
Acerto de contas / Combate selvagem (p.96 a 115): As próximas cenas são intercaladas em subtramas que envolvem vários personagens estando tudo ligado a um fio condutor! A violência! O rato é descoberto para a satisfação de Potamus. Ele possui um senso de Justiça, ainda que deformado! A segunda horda ataca a tigresa! Impropérios são trocados e a peleja começa bruta, a crueza impera! As angulações do ponto de vista da própria Morte, a qual reina soberana! Só quem for mais forte, de fato sobreviverá! Voltamos a Potamus! O roedor aterrorizado está em suas mãos e não há desculpas suficientes que o livrem do castigo! Enquanto isto, a luta desesperada da tigresa pela vida se intensifica! Seus algozes se avolumam, ameaçando tragá-la! Neste ínterim, uma pesada manopla pousa no alto da cabeça do rato com a gentileza aparente de um “pai” benevolente! O roedor copiosamente chora como uma criança pega com a boca na botija! Uma grossa baba desce pelas comissuras labiais da pobre criatura! Então aquela mesma mão o ergue do chão como a uma pluma! Lentamente, a mão pressiona a cabeça do rato com pressão crescente e o infeliz grita de dor, enquanto a fúria no semblante de Lipídio aumenta, transformando aquele rosto em uma máscara de ódio puro! No deserto, o próprio ar ferve! Prossegue a luta da tigresa por sua vida! Gritos, xingamentos, bufos desconexos são os únicos sons audíveis nas cercanias! Na sequência, a Maestrina é a Morte e sua batuta é o alfanje afiado! A cabeça do rato é esmagada como um ovo pútrido! E enche os ares, um mau odor elevado ao cubo devido aos esfíncteres anais que afrouxam, derramando matéria fecal nas calças do roedor que faz o cabo gritar uma observação agoniada, ao ter seu órgão olfativo agredido pelo cheiro acre! Logo tapa o nariz, nauseado! Um soldado espantado lembra ter visto esta reação do rato na guerra…o estertor inevitável do fim! E a sinfonia macabra continua tocando, à medida que a tigresa arrasa seus inimigos, derrubando-os a seus pés como se nada representassem! Potamus e os milicos se vão, abandonando os despojos do roedor às criaturas do deserto! Na mente do paquiderme ofegante, só há lugar para um copo de chá bem gelado! Chega a ser ironicamente bucólico!
Ao mesmo tempo, na amplidão desértica o combate chega a um grau impressionante de bruteza e carnificina! Sem rodeios, sem meios-termos ou subterfúgios. Mesmo em desvantagem numérica Thay, a tigresa faz um inominável estrago, demolindo os cães e hienas como uma força Elemental de inimagináveis proporções! Infelizmente para ela, tudo tem limite e a hiena caolha põe um paradeiro na até então trajetória vitoriosa da guerreira listrada! Com a força de um bate-estacas, a hienídea ataca pesado e acaba por lesionar gravemente e derrotar a valente tigresa! Cada detalhe do combate insano é desenhado de maneira minuciosa em uma visão de câmera cinematográfica. A violência, extremada e realista, o sangue aos borbotões, a dor evidenciada nas contorcidas expressões faciais, o movimento desconexo dos corpos, as mortes bizarras! É uma verdadeira explosão de sensações contraditórias! Não há meio termo, portanto! Esta grande batalha é também uma ode à determinação da tigresa, a qual não cede nunca, não se rende jamais e vai até ao limite do impossível, onde um desfecho verdadeiramente bombástico acontece! Para Lena e Jihan só resta a dor da perda sem ter podido chegar a tempo para salvar ou morrer! No acampamento dos milicos, p aparelho sinalizador detecta e o cabo consternado com a inesperada situação revela o trágico resultado da empreitada dos mercenários do coronel Brutal! O cruel oficial pouco se importa com aqueles que enviou naquela missão letal e só pensa de modo frio e calculista na missão do outro grupo mercenário que ainda resta, a caçar Khan e o Gatão. Muito legal o enquadramento do último quadrinho da página 115 em que aparecem o coronel Brutal e o cabo: um dos lados do rosto do coronel em destaque, olhando para seu subordinado que também o olha desconsolado. Belo jogo de luz e sombra entre o interior da construção onde os dois estão e a forte luminosidade da parte externa em ambiente meio desfocado.
Ainda na página 115, podemos ver o Gatão e Khan seguindo em direção às ruínas de uma cidade, na qual podem vir a encontrar assistência médica para o leão ferido. Cada qual mergulhado em seu íntimo, seus pensamentos expressos em figuras singulares e representantes do que rola em suas cabeças anseio (uma chuva refrescante) e sensação (intensa dor nas entranhas) mais prementes. Recurso narrativo que quebra um pouco a brutalidade realística das cenas de violência antes mostradas. A paisagem em torno é agressiva e desolada!
Horrores do deserto/ elucubrações / predar é preciso / viver e morrer na vastidão:
(p.116 a 142) - Em penosa caminhada, o Gatão e Khan prosseguem. Khan se sente esmagado pela dor atroz que fervilha em seu interior, em razão de uma hemorragia interna. O felino cinzento por sua vez, incentiva o companheiro de lutas e infortúnio a perseverar e seguir em frente! Como se não bastassem as dificuldades que enfrentam, o deserto é um lugar cheio de perigos mortais! Khan e o Gatão divisam em seu caminho um dos insetos mais terríveis daqueles ermos, uma formiga gigantesca! Felizmente, a criatura parada em posição meditativa, pode estar em concentração mental ou estar morta e o que ali se vê pode apenas ser uma casca vazia, segundo diz, o felino tristonho! Pelo sim e pelo não, o Gatão sugere que se afastem sem incomodar o feioso artrópode! E é claro que eles logo se retiram dali! O leão se arrepende de não ter ido atrás do médico desde o início e as dores internas confirmam esta constatação da pior maneira! O Gatão volta a incentivar que sigam adiante. Por iniciativa de Khan, a conversa então descamba para uma reflexão do que aconteceu com o mundo! O felino macambúzio começa a discorrer sobre as causas que levaram ao caos quase total! Uma explanação que envolve Sociologia, Economia, Política, jogo de Poder e interesses dos que regem os Destinos do planeta! Mas qual! Khan não tem paciência e cabedal para discutir tais assuntos e o prosaico som de sua flatulência joga um balde de água fria em qualquer papo embasado que pudesse ter surgido entre os dois caminhantes! Um é filosófico e o outro é mundano! De novo a sombra do Cavaleiro Andante e suas palavras se manifestam! Vívidas, mas inúteis, dispersas simplesmente por um peido! Falando nele, eis que o cavaleiro ressurge em um canto qualquer da grande vastidão! Sua voz a clamar em uma cantilena sem fim! O pobre escudeiro a escutar, olhando mesmerizado, mas sem nada compreender! Em torno, macabras e silenciosas figuras! Alegorias funestas das mazelas deste mundo! Seres inexpressivos, sem irradiar o calor da Vida, como a esperar pacientemente a extinção de toda e qualquer esperança de dias melhores! O cavaleiro não parece notar, preso que está a suas quixotescas quimeras! Inquebrantáveis grilhões! Simulacros de uma falsa Liberdade! Caindo abruptamente das nuvens, damos de cara com os mabecos e um estranho bovino mascarado! À chula e abrutalhada linguagem dos canídeos, acrescenta-se o comportamento alucinado! Uma sede sanguinária engolfa seus espíritos apodrecidos! No intuito de redobrar a coragem ficam a matraquear impropriedades e bravatas! De repente, o poderoso olfato de um dos cães percebe a proximidade de suas presas! Que comece a caçada!
Sensacional, li a resenha em duas partes e fiquei a imaginar o trabalho que deve ter dado para realizar praticamente uma transcrição dos quadrinhos. Em dados momentos me lembrei das anotações e resumos que fazia de obras literárias que seriam questionadas no vestibular das universidades que eu pretendia cursar. Pensando melhor, talvez não tenha dado tanto trabalho assim, afinal, escrever parece algo muito natural para o Fiuza. Ler essa resenha foi como se estivesse relendo Siroco só que através de um conto, uma agradável experiência.
ResponderExcluirObrigado por seu comentário, meu amigo e desde já peço desculpas pela demora na resposta, mas sei lá o que está acontecendo comigo, tenho tido dificuldades para cumprir essas obrigações (sim, temos obrigações para com aqueles que nos cativam, parafraseando um certo lourinho com fardinha de príncipe. Mas são obrigações prazeirozas).
ExcluirQue bom que gostou, eu também gostei e li a longa resenha com prazer embora eu seja suspeito. O seu feedback, por ora é o único, confirmando o que eu já suspeitava.
Eu demorei um pouco a postar essa análise do Luca por ela conter spoilers, mas como não existe mais esse livro à venda, os trinta e poucos exemplares na praça já devem ter sido lidos pelos felizardos, então achei que já era hora.
Abaixo, segue a resposta do Luca ao seu gentil retorno:
" Meu velho. Por favor, transmita ao Danlucio os meus sinceros agradecimento pelo comentário dele a respeito da resenha. Como você bem pontuou: ela poderia de fato agradar aos verdadeiros fãs do felino casmurro. Obrigado, mano velho."
Eduardo, você não tem que se desculpar de nada meu caro, cada um sabe a cruz que carrega, quanto a mim, não tenho vergonha de me sentir mediocre perto dos talentos que populam seu blog, aqui estou sempre aprendendo algo com pessoas infinitamente mais talentosas, a começar pelas suas postagens e finalmente através dos comentários. Eu é que tenho que agradecer cada vez que entro aqui.
ExcluirRapaz, nada dessa conversa de se sentir medíocre perto dos tais "talentos" (falando por mim, pelo menos). Você tem muitos talentos, apenas, talvez, em detrimento da luta pela sobrevivência, não pode explorar suas capacidades, o que nunca é tarde para faze-lo. Eu, se galguei algum degrau nesta pirâmide inglória, foi por falta de opção e pura teimosia.
ExcluirGrande abraço!