Boa noite, amados e amadas!
Ontem eu li um ótimo texto no Barataverso, escrito, claro, pelo poeta Barata Cichetto sobre o Hélio Do Soveral, um gênio que quase ninguém conhece. A história que vou contar hoje tem, lógico, a ver com ele, mas não é exatamente sobre ele, para conhecê-lo um pouco melhor acesse aqui: https://barataverso.com.br/a-maquina-de-misterios-de-helio-do-soveral/
Como diz parte do título desta postagem, 1975, ano que eu e família aportamos na Capital Federal (tem montes de textos sobre isso aqui no blog) foi um tempo onde aconteceram tantas coisas que pareceu perene. Neste ano, logo depois que deixamos o Brasília Palace Hotel, fomos morar na SQN 104. Não foi uma adaptação fácil, na verdade foi supliciante, no colégio sofri muito bullying (alguns realmente violentos), não raro eu chegava com lábios cortados e olhos roxos em casa, eu dizia para meus pais que eram acidentes ocorridos durante o recreio ou quedas de bicicleta, desde cedo, algo dentro de mim dizia que eu só poderia contar comigo mesmo para resolver meus problemas, ser surrado na escola não era muito diferente de ser surrado pelo meu pai, então, como eu poderia esperar proteção dele? Essa situação possivelmente me fez interessar por artes marciais, eu era fanático por Bruce Lee e pela série Kung Fu com David Carradine. Eu acompanhava as HQs do Mestre do Kung Fu escritas e desenhadas pelo Jim Starling (mais tarde pela dupla Doug Moench e Paul Gulacy), Shang Shi era o máximo! Eu lia aquelas histórias como se estivesse vendo um filme, murmurava sons de música e criava sonoplastia com a boca nas cenas de ação. Provavelmente, no lar, deveriam achar que eu tinha algum retardo mental (minha mãe dizia que eu vivia no mundo da lua). No isolamento do quarto eu repetia os movimentos que via na série de tv e nas histórias em quadrinhos, fazia flexões e abdominais à exaustão, vivia suado, tudo para ver se eu ganhava autoconfiança. Um tempo depois eu entrei numa academia de karate por breve período, mas isso já foi relatado aqui e não vem ao caso agora.
Certo dia, não lembro como, infelizmente minha memória não me ajuda, fazem uns 50 anos, já, caiu uma revista chamada Kung Fu no meu colo, eu tinha 12 para 13 anos. A revista era da Ebal e no início continham quadrinhos gringos do Shang Shi e de outros personagens mesclados com matérias sobre filmes de artes marciais. Claro que eu não sabia disso na época mas a Ebal perdeu o direito de publicações do Mestre do Kung Fu e para preencher a lacuna surgiram histórias de um certo personagem chamado Kung Fu, ele tinha as características do Kwai Chang Kane e eram escritas pelo Hélio do Soveral. Fiquei fascinado por aqueles quadrinhos, não lembro mais os nomes dos desenhistas que se revezavam naqueles conteúdos, mas o Soveral era constante (na verdade ele assinava com um pseudônimo) o nome dele mesmo eu só vim saber um tempo depois.
Na revista Kung Fu havia o anúncio de números atrasados, valor e endereço para onde os interessados deveriam enviar o dinheiro, era só recortar aquele cupom e enviar e tal e tal. Não lembro se havia uma conta para depósito, sei lá, tampouco recordo de como consegui grana, acho que fui juntando o dinheirinho para o lanche na escola e por fim, com pena de cortar o cupon e aleijar a revista, eu copiei o tal, coloquei junto com o dinheiro num envelope e mandei para a redação da Ebal. Logo em seguida me bateu o arrependimento, e se algum funcionário dos correios abrisse o envelope e ficasse com o dindim? Ou alguém mesmo da editora? Eu estava seguro de que seria roubado e pior: não receberia as tão ansiadas revistas. Por um tempo que não saberia precisar, certo dia nublado (isso eu lembro bem, fazia frio) recebi um pacote contendo as edições que eu havia perdido e não eram poucas. Devorei tudo em questão de dias. Os desenhos eram bons, uns melhores que outros, mas as tramas, ah, essas sim eram o diferencial, muito bem urdidas, Soveral era um escritor genial!
Muitos anos mais tarde eu soube um pouco mais sobre esse incrível ficcionista, li alguns livros de bolso escritos por ele, soube de suas novelas de rádio (algo que sempre me encantou. Ei, isso pode ser tema de uma postagem, né não?). O episódio 58 intitulado "Um Caso Fora de Série" é fantabulástico!
O texto do Barata me encheu dessa onda de nostalgia e eu quis dividir com vocês esse período da minha infância onde uma vez mais a arte, os quadrinhos, me ajudaram a atravessar e ao invés de trazer recordações amarulentas, produzem saudades.
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Se não me falha a memória essa foi a minha primeira revista Kung Fu. |
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Foto do Soveral que "roubei" do Guia dos Quadrinhos. |
A maior alegria de um escritor que além disso é editor, é saber que algum de seus textos despertou memórias afetivas em seus leitores. Seu relato é sensacional pelos elementos nele contidos. Em algumas coisas me identifico contigo: bullyng e surras paternas, em outras não, porque sempre fui avesso à esportes de qualquer natureza, e também porque não me interessava em nada aquela série. De fato achava ridículo o pouco que vi (achava muito idiota alguém olhar para o David Carradine e dizer: "um chinês!" rsrsrsrs). Mas o assunto aqui é a genialidade da obra de Hélio do Soveral, esse sim merecedor de quantas odes possamos escrever.
ResponderExcluirDeixando de lado essa questão dos gostos, por exemplo, odeio café e futebol, manias nacionais, o que importa é o respeito.
ExcluirSeu texto está impecável e trás (seria com S mesmo ou com Z?) à luz muita coisa sobre esse genial criador de tantas histórias sensacionais para as novelas radiofônicas, livros, peças e quadrinhos. Aplausos a vocês dois.
Também odeio futebol...rs... E Carnaval...
ExcluirComo assim odeia café? O que ele te fez? 😂
ExcluirCaro poeta, nem mencionei o carnaval (sim, com letra minúscula) pois julgo ser uma festa satânica, com todas as letras.
ExcluirCaro Dan, o café não me fez nada de mal e sei que ele faz bem, minha primeira namorada amava café mas eu, por motivos que não sei explicar, não gosto. Odeio é uma palavra forte, simplesmente não curto.
ExcluirEu gosto demais desses personagens do universo Marvel que não fazem parte do batalhão de elite de super-heróis mais conhecidos do grande público. Apesar de começar a ler na época que já tinham saído das bancas, tanto Kung Fu quanto A Tumba do Dracula eram dois dos meus preferidos, felizmente pude pegar algo mais completo lá por 2016 quando a Panini lançou aquela "Coleção Histórica Marvel" de ambos. Eu gosto mais da fase citada por vc com a dupla Doug e Paul Gulacy, as hqs meio que viraram filmes. Já a revista Kung Fu da Ebal eu lembro de alguma coisa que consegui em sebos, posso estar fazendo confusão mas tinham dois personagens que achava muito bons, o Corvo que era meio que um 007 mulherengo e um tal de ShiCai ou Shi Kai (algo assim) que eu curti muito pois eram histórias ambientadas na China antiga. Já o Soveral era um cara tão prolifico que acho impossível alguém que tenha nascido entre os anos 60 e 80 não ter lido algo de sua obra. Apesar da minha geração ter o Marcus Rey como um dos ícones da literatura infanto-juvenil, acredito que a obra de Soveral seja maior e mais abrangente pq era multimedia. Eu conheci em casa mesmo lendo vários livrinhos que eram do meu irmão mais velho da dupla de repórteres da série missão perigosa, na época nem sabia que eram dele. Obrigado pelo dica do texto do Barata, já pinei para leitura.
ResponderExcluirSiiiiim, a dupla de criadores Moench e Gulacy conferiram ao Shang Chi o status de James Bond (ou quase); nessa fase a arte do velho Paul me remetia aos melhores momentos do Steranko. Eu compraria fácil um omnibus de toda essa saga.
ExcluirEu me detive no personagem Kung Fu pois foi a melhor coisa que a revista que dá nome ao personagem produziu, mas claro, haviam outras coisas legais também, se não me engano o Corvo por você citado era com desenhos do grande José Ortiz, né? Bons tempos.
Você falou do Marcos Rey, outro grande escritor brasuca pouco valorizado.
E do Soveral, eu queria ter tempo para ouvir mais das suas tramas radiofônicas no YouTube.