segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
ROBBIE, O ROBÔ.
Cinco centímetros me separavam do meu primeiro desejo de consumo. Cinco centímetros era o que devia ter o vidro daquilo que antigamente chamavam de CRISTALEIRA.
A maior parte dos meus primeiros anos de vida passei com minha avó materna. Pelo menos os anos que posso lembrar. Meus pais trabalhavam duro e só vinham me ver em ocasiões especiais, como Dia das Crianças e Natal. Minha mãe vinha com mais frequência, acho que uma vez por mês. Recordo que não conseguia conter a alegria de ve-la chegando e a tristeza com choro convulso ao observa-la partir.
Minha avó era uma guerreira, uma mulher de lutas e muitas dores, assim como minha mãe. Só que minha mãe sempre foi doce, já minha avó era durona. Desde cedo me ensinou o que é sentir dor. Eu apanhava por tudo e por nada. Coisa de gente antiga, do interior. Ela fazia muitas visitas a conhecidos. Nestes locais sempre eram oferecidos bolo e café. "Quer mais um pedaço, meu filho?" Antes de responder eu olhava para minha avó, que com o cenho franzido discretamente balançava uma negativa para mim, e eu respondia: "Não, obrigado."
Ela frequentava muitos velórios também e eu sempre estava junto.
Havia uns amigos dela que por um período foram caseiros de uma chacára em Guarulhos, lá moramos por um tempo. Tempo que não sei precisar (para as crianças ele não passa como para os adultos), o que é um mês, parece um ano.
Os conhecidos da minha avó eram um casal de velhos, seu Evilásio e dona Sebastiana. Elas criavam um neto que foi a primeira referência de amigo que tive. Que idade eu tinha? Cinco, seis anos? Sei lá. Eu poderia pegar o telefone agora e ligar para minha mãe, perguntar para acabar com as dúvidas e ser preciso nestas reminicências, mas prefiro que seja como me recordo, melhor tentar passar através destas más traçadas letras a confusão e caos que me vejo mergulhado a maior parte do tempo.
Os dias que passei naquele lugar paradísiaco, dariam pra encher as páginas de um livro robusto. Talvez eu volte ao tema em outras ocasiões. Hoje quero compartilhar o estranho sentimento de desejar algo que não se pode ter.
"Hei, um carro na porteira, é o seu Aniba!" Gritava o amiguinho toda vez que o proprietário da chácara chegava para sua inspeção ou sei lá para que diabos vinha. Seu Aniba. Lembro bem, era como o chamavam. Só que o nome era Aníbal. Detalhe sem importância este, mas lembrando hoje dá vontade de rir.
Havia na sala daquela casa uma cristaleira, que aos meus olhos de infante era enorme como um guarda-roupa antigo, e éramos proibidos de nos aproximar dela por temor dos mais velhos de quebrar os cristais que haviam no interior, ficava sempre trancada a chave.
Certa vez, a tal cristaleira exibiu a figura que é demostrada nesta postagem: ROBBIE- THE ROBOT. Personagem visto pela primeira vez no filme The Forbidden Planet de 1956.
Claro que eu não sabia disto naquela época. Para mim era apenas um brinquedo. Um objeto que ocupou a minha mente naqueles dias longínquos e que fizeram parte das minhas agruras de infância.
O boneco era a réplica exata do Robô exibido nos filmes, pelo que pude constatar alguns anos mais tarde. Eu o vi pela primeira vez na TV num episódio de Perdidos no Espaço.
Aquele desejado títere devia ter uns 30 centímetros de altura. Perfeito em todos os detalhes. Perguntei a minha avó se era um brinquedo. O tal do seu Aníbal (ou Aniba) tinha levado para brincarmos, eu e o outro garoto, mas ao invés disso, os velhos preferiram tranca-lo na cristaleira. Eu sofri aquela frustração em silêncio.
Hoje a petizada esperneia, se joga no chão, chora, cospe nos pais, e assim todas as vontades são feitas. Embora o desejo de por as mãos no boneco ardesse no meu peito, nunca expressei o desejo de brincar com ele, exceto uma vez. Pedi diretamente à dona Sebastiana. "Não." Foi a única resposta. Pra mim, bastou.
Os séculos que passei naquele recanto por fim terminaram, fui morar com meus pais. Soube tempos depois que a cristaleira foi aberta e agora só, o netinho dos macróbios finalmente pode por as mãos no Robbie.
Não ficou mágoas daqueles idosos não. Sinceramente. Sempre gostei muito deles.
Minha avó partiu para sempre em 1979, deixando na minha vida uma lacuna nunca preenchida.
Seu Evilásio morreu dois anos depois e dona Sebastiana alguns anos mais tarde.
Hoje me pergunto se tirei alguma lição daquela fase de vida. Sim. Há coisas na vida que você nunca poderá ter. Para o bem e para o mal.
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Fala, Eduardo! Cara, "Perigo, perigo!" Quantas lembranças boas essa postagem me trouxe.
ResponderExcluirÓtima semana,
Abração,
Pois é Gilberto, a mim trouxe lembranças amargas.
ResponderExcluirMas como se diz, o que não nos mata nos torna mais fortes.
Obrigado e forte abraço.