Amigos de infância. Quantos sobrevivem ao tempo ou às adversidades da vida? No meu caso, eu poderia dizer que nenhum. Estão todos vivos (espero), mas nos separamos em algum ponto do caminho e nunca mais convergimos. Alguns foi porque bastou a idade madura despontar para ficar claro que não havia de fato pontos em comum, nada que justificasse visitas constantes, cartas ou telefonemas.
Os primeiros amigos que tive na vida foi na mais tenra idade, se tornaram muito importantes para mim. Adulto, tentei reaproximação de todas as formas. Como eu e minha família nunca criamos raízes num só lugar devido às constantes mudanças (e consequentemente isto trás experiencias diversas), acredito ter me tornado um corpo estranho entre eles. Eu tentei de todas as formas me inserir como outrora, te-los como se fossem extensão da minha família, até por causa da amizade entre nossas mães, mas não teve jeito, os laços nunca mais seriam fortes como antes. Pensando de forma fria hoje, creio que se nossos rumos tomaram direções distintas, boa parte da culpa cabe a mim. Eu sempre tive esta tendência ao isolamento, à auto negação, mesmo que de forma inconsciente (acho), e nem todos conseguem discernir e aceitar de forma clara. Resultado, um dia fui embora e nunca mais voltei.
Alguns outros do mesmo período eu encontraria anos mais tarde só para constatar que a vida nos tornara diferentes no agir e no pensar, estranhos enfim.
Como citei várias vezes, em 1975 aportamos em Brasília, e os amigos feitos no período da pré- adolescência teve importância capital, começavam a surgir os primeiros interesses reais pelo sexo oposto, então além de amigos, eles se tornavam também cúmplices. Ouvíamos um mesmo tipo de música e muitos curtiam quadrinhos do Capitão América, do Hulk, do Homem-de-Ferro e gostavam de seriados de TV, como Ultraman e Thunderbirds. Nada mais natural que tenham marcado bastante minha vida. Achava que aqueles primeiros camaradas seriam brothers pra vida toda. Ledo engano. Bastava aparecer um primo distante ou uma nova garota de outras plagas para ser dispensado como um guardanapo usado. Aliás, tô pra ver período mais volúvel na vida de certos homens que nesta fase da adolescência.
Seria eu uma exceção? Não sei responder a esta pergunta.
Afirmo hoje que meus irmãos são meus melhores amigos, mas naqueles tempos eles eram muito novinhos, o caçula sequer tinha vindo a este mundo, mas foi pelo período de seu nascimento que conheci um amigo, dois anos mais velho, que marcaria muito a minha vida.
Ao chegar à Capital Federal, moramos primeiramente na SQN 104, foi por um ano apenas (mas como é estranho pensar que pareceu muito mais tempo, dado às tantas coisas que se sucederam naquela época!). Depois fomos morar na SQS 202.
É interessante como são os hábitos, na quadra anterior morávamos no terceiro andar, a nova residência era no quarto, de forma que eu apertei o botão errado do elevador, indo parar no terceiro, um dos apartamentos estava com a porta aberta, havia um rapaz deitado no sofá vendo TV, num pulo, ele se levantou e veio até mim: É morador novo no prédio?, perguntou. Sou, respondi. O indivíduo em questão era o Davi, o primeiro amigo que conheci na nova quadra. Só a história trágica dele já daria uma postagem longa, então fica, quem sabe, pra uma outra ocasião, mas foi na casa dele que encontrei uns dias depois um jovem moreno, atlético, de aspecto intelectual. Fomos apresentados, "este é o Eduardo, Eduardo este é o Luca". A educação do rapaz e seu refinamento me cativaram no mesmo instante, e saber do seu gosto por desenho e quadrinhos só reforçaram a simpatia que pareceu ser mútua. Daí a pouco ele ia embora e convidei-o a me visitar em tempo oportuno. Não pensei que ele fosse aparecer, mas apareceu daí a não muitos dias abastecido com seus desenhos.
Eu sempre gostei de desenhar, nos colégios onde estudara era a única coisa que me dava algum destaque. Se pensava que sabia alguma coisa, meu queixo caiu ali, eu nunca tinha visto nada como aquilo; a revista Mad, ainda era bastante popular naqueles idos de 1970, mas eu não conhecia nada, e os desenhos do Luca tinham muito daquelas coisas loucas do Dom Martin, não os desenhos, pois o traço do meu novo amigo tinham outras peculiaridades, mas os temas dos quadrinhos que ele fazia iam por esta vertente. Fiquei embasbacado, eu precisava aprimorar meus rabiscos e minhas idéias, se não quisesse ficar para trás. Aquele, definitivamente foi meu ponto de partida (ainda que não tivesse consciência disso) para a vida como ilustrador e quadrinista. Minha influência primeva, a mais forte, foi o desenho do Luca.
Nos tornamos íntimos a partir dali, o rapaz, de família privilegiada, tinha HQs importadas do Spirit, era um ávido leitor de livros, principalmente do gênero ficção científica estilo Perry Rodhan, e como eu, um fanático por animais selvagens e fissura por séries de TV de todos os tipos, de Nacional Kid a Kojak, ao mesmo tempo, um mundo inteiro se abria para mim através dele.
Claro que haviam outras pessoas em sua vida, amigos mais antigos como Cesar e Ariel, e ele sempre foi extremamente fiel a estes amigos, que por tabela se tornaram meus conhecidos com o tempo. Mas verdade seja dita, nunca me senti muito à vontade naquele meio, é como se eu fosse de uma casta inferior e estivesse forçando minha entrada naquela sociedade. Quando criança não temos o poder de discernimento, se eu tivesse, teria evitado muitas situações vexatórias que me marcaram a vida. Não culpo ninguém, ninguém tem culpa se você é pobre, corcunda ou anão. E muitos reagem aos "esquisitos" conforme os ditames do seu tempo.
Eu e Luca, tínhamos uma espécie de mundo próprio. Um sonho comum à ambos, era um dia casarmos com a mulher ideal, e viver uma vida plena de felicidades.Ele idealizava um tipo de garota e eu outra, e isto era estampado nas histórias que criávamos. Muito profícuos na adolescência, e fanáticos por todo tipo de filme de cinema, fazíamos nossas próprias peças de teatro. Era uma coisa meio louca, escolhíamos um tema qualquer, e íamos improvisando. Até aí nada de mais, só que apenas um de nós representava todos os papéis, dublando vozes, dando personalidade aos tipos, desenvolvendo a trama até onde desse. Depois era a vez do outro tentar superar. Ríamos como doidos. Curtíamos em particular cenas de ação, lutas corpo-a-corpo, era algo bizarro, como se batêssemos num homem invisível (ou apanhássemos dele), nos jogávamos no chão como se alguém poderoso nos atirasse com fúria, suávamos e nos machucávamos com frequência (ainda bem que minha mãe não via). As vezes tínhamos assistência, em geral, meus irmãos e alguma empregada que trabalhava em casa. As gargalhadas eram uníssonas, e até hoje não sei se era por ser ridículo ou hilário de fato, a nós dois isto pouco importava, éramos os mestres de cerimônias e dávamos vazão a algo que urgia em sair, fosse loucura ou criatividade, ou ambas. Claro que o Luca era infinitamente mais criativo e muito melhor ator. Sempre admirei a facilidade com que ele criava situações divertidas.
Antes da chegada da década de 80 eu fui embora para o Rio de Janeiro atrás da primeira mulher que amei de verdade, lá vivi uma vida muito infeliz, não muito tempo depois a garota me deixou, não tive cara de voltar para casa da mesma forma que tinha saído, então tentei vencer por lá sem sucesso. Umas das coisas que me ajudaram a sobreviver foram as cartas do Luca. Trocávamos histórias cheias de dramas e muita violência, algumas de faroeste, outras policialescas, a maioria era ilustrada. Dividíamos em capítulos, e a ansiedade por uma nova carta era grande.
Lembro das séries que ele criou, havia uma em particular que foi batizada de "Restaurante Babinha Flutuante"; uma pessoa qualquer chegava no local e o maitre lhe apresentava o cardápio que era composto das maiores podridões possíveis. Escatologia pura. Cheguei a colaborar com uma ou duas HQs. Tem que ter criatividade para desenvolver algo realmente enojante. Na boa, aquilo era motivo de muita diversão, éramos garotos e, pelo menos no meu caso, uma forma de fugir da realidade.
Já faz muitos anos que não vejo meu amigo Luca, inevitavelmente nossos caminhos se dividiram. Ele se casou, hoje é um bem sucedido professor de história da Fundação Educacional do DF. Recentemente voltamos a nos corresponder por e-mail, ele parece feliz aos 50 anos, e eu fico alegre por ele. Soube que ele ainda guarda pedaços de nossas juventudes naquelas antigas e finas folhas de cartas. É alentador saber disto.
Esta página de HQ foi desenhada por ele e eu finalizei com uma esferográfica preta. Lembro de um sem número de historinhas deste naipe que fazíamos, cada qual no seu estilo.
Obrigado por tudo meu velho, se eu fosse escrever tantos momentos memoráveis que tivemos, eu passaria muitos dias aqui. A mim basta para matar um pouco as saudades daqueles tempos.
Que Deus te abençoe.
Uma grande homenagem a seu amigo. Texto sensível, bom de se ler. A hq do Luca ficou ótima.
ResponderExcluirÓtima semana,
Grande Gilberto, realmente meu amigo Luiz (Luca) é uma das pessoas mais criativas e talentosas que tive a felicidade de conhecer, para mim é uma pena que ele não tenha seguido a carreira de artista ilustrador ou mesmo quadrinista. Mas pensando bem acho que foi melhor para ele.
ResponderExcluirGrato pelas palavras.
Abração.
Talvez seja melhor mesmo. A arte é benção, mas tb pode ser maldição, kkk. Mas enfim, já que estamos na chuva...
ResponderExcluirAbração,
No meu caso é caminho sem volta. Acho que eu não poderia fazer outra coisa da vida. Materialmente falando, apesar dos espinhos, nada me dá mais satisfação.
ResponderExcluirObrigado broder e um grande abraço.