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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MAIS UM DIA NO CONSULTÓRIO.

Hoje foi meu retorno ao cardiologista, da última vez fui fazer um ecocardiograma e um esforço na esteira. O médico que me monitorava era gordo como um capado. Tirei a camisa e uma assistente me encheu de eletrodos, umas ventosas aderiram à minha pele deixando umas marcas feias pra burro, como se eu tivesse brigado com um polvo. "Cê faz musculação?", perguntou o médico. "Nah, não levanto ferro faz muito tempo, sempre prometo pra mim mesmo que vou expulsar a preguiça do meu corpo, mas sabe com é, a rotina ..." respondi. Subi na esteira e comecei a andar. Acelerou. Na boa, posso ficar aqui o dia inteiro, pensei. Chovia, o gordo olhava pra uma tela cheia daqueles gráficos que a gente vê nos seriados médicos. Acelerou mais. Eu aguento. As vezes ele desviava o olhar da tela e escutava meu coração com seu estetoscópio, eu olhava a chuva castigando a cidade como se ela em vão tentasse limpar as imundícies das ruas. Quando acelerou de novo eu comecei a correr de leve já um pouco ofegante.
O doutor reclamava da vida, tipo, não achou vaga no estacionamento e todos aqueles moleques de rua, aonde a gente ia parar e tal. Quando comecei a correr de verdade eu já implorava mentalmente para que ele desligasse aquela geringonça. No total levou uns quinze minutos mas pareceu que corri por horas. Meu, ando muito fora de forma! Quando a máquina parou, cheguei a pensar que meus pulmões fossem estourar, pus a camisa achando que nunca fosse parar de suar! De qualquer forma disseram que meu coração estava ótimo. Mas eu deveria voltar assim que possível para uma análise mais detalhada dos exames. Fui hoje.
Consultórios médicos são interessantes para se observar as pessoas. Cheguei no horário, havia muita gente por lá. Claro, velhos na sua maioria. Me chamou a atenção particularmente um idoso que devia ter uns duzentos anos. Estava de bengala e mal se punha em pé. Um médico de meia idade, com quase dois metros de altura, de óculos, careca como um ovo, foi abordado pelo ancião que balbuciou algo ininteligível, ao que o doutor balançou afirmativamente a cabeça tentando se desvencilhar dele. Alguns minutos depois ele se levantou arqueado, como se não fosse mais possível ficar ereto e se dirigiu à atendente no balcão, uma mocinha branca com aparelhos nos dentes e espinhas no rosto. Naquela voz incompreensível, ele pediu algo e a mocinha sorriu dizendo tudo bem, ele em agradecimento tocou o rosto dela. Sem entender direito, mas submissa, permitiu que ele fizesse um sinal de cruz com o polegar em sua testa. Ele voltou a se sentar. E eu ali, no banco logo atrás, olhei a calva lustrosa cheia de pintas pretas do velho, seus pés inchados, e pensei na efemeridade desta vida. Algo curioso me ocorreu, ele usava uma bermuda branca muito semelhante  a que eu tinha em casa. E se eu estivesse me vendo no futuro? Besteira, eu jamais faria o sinal da cruz na testa de alguém. Fui tirado do meu devaneio pela chamada peculiar de um celular, o toque lembrava vagamente uma música do Vangelis, aquela da propaganda de cigarro de anos passados.
Foi então que ela entrou com um garoto que devia ser seu filho, uma mulher que não devia contar ainda trinta anos, parecia egressa de uma mata pré-histórica, cabelos compridos e bastos, grossos, embaraçados, com mechas claras, as sobrancelhas eram espessas, o nariz adunco, de uma beleza selvagem, trajando um short minúsculo onde mostrava pernas de músculos bem torneados, nos tornozelos e braços, adornos de couro e contas. O menino também era peludo, os cabelos começavam no meio da testa. Parecia um pequeno lobisomem, e ela uma loba da floresta ancestral, afinal não tinha a elegância felina comum às mulheres, mas um andar enérgico e decidido.
Não entendi, cheguei primeiro e no entanto a loba e o mini-lobisomem foram atendidos na frente.
Havia um quadro muito bonito na parede, de longe, uma paisagem perfeita, de cores extremamente sóbrias, os matizes combinando num degradê perfeito, ao me aproximar notei as cores caóticas de pinceladas grossas. Era uma reprodução do Monet, que eu nunca tinha visto. Aquele era um pintor, pensei eu com inveja.
A mulher selvagem saiu com sua cria e eu fui atendido por um médico jovem e simpático. Tudo certo comigo, menos meu colesterol que está um pouquinho alto. Devo tomar cuidado com a alimentação e fazer exercícios.
Eu já desconfiava.
Após uma viagem de mais de uma hora num ônibus lotado, cheguei em casa com uma pesada sensação de fadiga. Esta semana trabalhei pouco. Concluí as ilustrações do livro "Relíquias Da Casa Velha" do Machado de Assis, e aguardo a editora me enviar os que faltam da coleção. Iniciei mais uma página do Edgar Alan Poe e alguns esboços meus. Tenho mais uma encomenda de um novo manual de desenho passo-a-passo.
O desenho que ilustra esta postagem, é uma aquarela inacabada. Não foi aprovada, não podia ter o menino e o animal. Nunca tive saco para continua-la.
Acho que por hoje já falei demais.


2 comentários:

  1. Puxa, essa aquarela ia ficar linda! Pena não ter terminado...
    Você sempre exercitando o olhar e o texto, sabendo enxergar nas pequenas coisas muito detalhe e possibilidade. esse lance de você do futuro foi ótimo. Curto muito filmes e tudo que se relaciona a viagens no tempo. Vai entender...
    Tentei comentar sua postagem anterior mas, por algum motivo, às vezes não se consegue publicar o comentário. deixei para hoje o tentar novamente. Almeida Junior é fantástico. Me impressiona sempre "A carta" (acho que deve ser esse o título, não sei) O caipira na janela tocando já virou ícone!
    Abração

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  2. Oi, Gilberto. É, as vezes gosto de tentar traduzir em palavras o que me vai pela alma, bem como minhas observações. Não sou escritor, não tenho este talento, mas muitas vezes estas coisas acabam virando matérias para possíveis HQs.

    Quanto a aquarela, bem, foi uma encomenda de um editor, quando barram uma idéia, me sinto desistimulado.

    Já aconteceu também de escrever mensagem no seu blog e o texto não vingar. É uma droga, isto.

    Realmente, Almeida Júnior é o cara. E a pintura se chama "Saudade".

    Obrigado e um abraço.

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ZÉ GATÃO POR THONY SILAS.

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