Certa vez, em visita ao Brasil, o pop star Peter Framptom (já decadente no físico e na carreira) compareceu ao programa do Faustão (eu disse que ele estava decadente) e cantou seus maiores hits; numa certa altura o apresentador perguntou o que ele tinha para responder àqueles que tachavam os sucessos românticos de brega (para os americanos música "in" e "out"), ao que ele, com a simplicidade e tranquilidade de quem já vendeu milhões de discos, respondeu: "Pra mim não existe isso de música in ou out, existe a boa música e a música mal feita." Tenho que concordar. Não é porque determinada canção fala de dor de cotovelo e tenha uma melodia que gruda no cérebro que tenha que ser rotulada de brega, ouvida por empregadas domésticas e caminhoneiros, preconceituosamente designando um produto a ser recebido apenas por pessoas sem estudo e pouca atitude mental.
Tais músicas quase sempre falam de uma pessoa que foi abandonada por alguém que ele(a) acreditava ser sua cara metade ou algo do tipo. Ouvi-las, normalmente despertam um estado de melancolia mesmo quando tudo vai bem em nossas vidas. Pode ser uma sensação agradável, que propicia reflexão, diferente da alegria - esta, muitas vezes inconsequente, aponta um caminho real para a tristeza.
Meu estado quase permanente de soturnidade tem muitas explicações, com certeza foi gerado na infância e ganhando espaço e solidez através dos anos; nunca fui popular na escola, bairro ou quadra - e nem poderia, eu não conseguia me enquadrar em nada - estava a quilômetros de ser bonito, alto e com aquela inteligência que magnetiza os adjacentes, daí vivi uma parte da vida tentando ser parte de um círculo que nunca me aceitou de fato. Nunca consegui discernir, na real, qual o meu lugar no mundo, tentei uma catarse através das minhas hqs, procurei com elas desafogar algumas mágoas, mas como seria previsível, elas nunca foram lá muito bem aceitas, existe um público, mas ele parece tão disperso que não condigo identifica-lo.
Deprimido boa parte do tempo, mas e daí? Esta semana, estava ouvindo uma velha canção dos Bee Gees (Robin Gibb fará muita falta) e me senti perfeitamente acomodado na lipemania que a letra da música me transmitia, como se só assim eu estivesse a vontade no mundo, totalmente ausente de máscaras. Claro que tenho espaço para o riso, a anedota, a satisfação, situações estas que emergem cada vez que converso com meus irmãos, minha mãe, cada vez que ouço a gargalhada gostosa da minha esposa e acordo todas as manhãs testemunhando os milagres cotidianos de Deus.
Noto pelos comerciais de tv, pelas músicas atuais (muitas de gosto duvidoso) que a moda hoje é estar de bem com a vida, consigo mesmo, como se fosse uma palavra de ordem, enquanto o caos, a prostituição, a violência, a corrupção institucionalizada, a falta de amor ao próximo e a si mesmo grassa numa progressão ciclópica; fique feliz e saia pra balada, pra "pegação", beba (com moderação), faça sexo (com camisinha) e todos estes eufemismos e recomendações para travestir a irresponsabilidade e volubilidade.
Eu gosto de umas boas gargalhadas, mas reivindico o direito de estar triste (sem contaminar ninguém, claro) pois foi com ela que pude criar minhas melhores obras.
Os Evangelhos nos ensinam muitas coisas, e aqui vou dizer algo que eu ouvira de um pastor muito querido a muitos anos atrás e que se não for devidamente entendido pode suscitar falsas conclusões: a sabedoria, o conhecimento, trás tristeza. É interessante notar como a Bíblia afirma que Jesus, sendo filho de Deus, sentiu fome (a passagem da figueira), cansaço (dormiu a sono solto dentro de um barco mesmo em ondas procelosas) e destaca que ele chorou - lembro de pelo menos duas passagens (quando Ele entrou triunfante em Jerusalém e com a morte de Lázaro), mas não cita em nenhum momento que Ele tenha rido. Ué, quer dizer então que Jesus Cristo era sisudo e amargo? Não, é lógico que Jesus ria, ele frequentava festas onde comia e bebia e com certeza era muito agradável nestes lugares pois era frequentemente convidado, inclusive por pessoas de alta classe social, mas se a Palavra não faz menção a alguma gargalhada do Mestre é porque isto não tem a importância devida para aquele que sente que esta não é a sua pátria.
Basta olhar em volta, ouvir as notícias do planeta, do seu continente, do seu país, do seu estado, da sua cidade, do seu bairro e não raro da sua própria casa, para concluir que uma vez mais a Bíblia está certa quando afirma que melhor é estar na casa do pranto que na casa da alegria, pois ali o homem medita mais profundamente na sua efemeridade.
Bem, o que tem a ver Peter Frampton, os Bee Gees, Jesus, nusic in/out, tristeza e alegria?
Se você não conseguiu sacar as conexões então realmente falhei neste post.
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Ah, já escrevi sobre PETER FRAMPTON na mesma postagem em que você comentou sobre o ELECTRIC LIGHT ORCHESTRA, lembra?
ResponderExcluirhttp://rotasonora-andf.blogspot.com.br/2012/07/mes-especial-do-rock-11-o-regresso.html
Sobre a seriedade de JESUS, me lembrei do início do filme O NOME DA ROSA, onde os monjes (um deles era o SEAN CONNERY) questionavam sobre se ELE costumava rir ou não.
Não interessa essa besteira de brega, mesmo. Curtir um momento de reflexão (pra muitos, fossa)com certas músicas (ou filmes, o que for) não mata. A menos a quem queira fazer uma loucura e tiver "pino solto". Hehe!!
Sim, lembro do seu post sobre o cara. Nunca fui fã de carteirinha, mas tem umas músicas dele que são muito boas.
ResponderExcluirLembro desta passagem do filme O Nome Da Rosa, aliás, bom filme, mas há passagens na Bíblia que sugerem que Jesus ria, mas como eu disse, isto não importa, e sim a mensagem de salvação.
A boa música não merece rótulos, hoje em dia há muita pobreza musical com o "breganejo", o forró e similares.
Abração, Anderson.
Que profundidade e sinceridade nesse post Eduardo.
ResponderExcluirEu me identifiquei muito com tudo que você escreveu, inclusive eu mesmo já mencionei em um texto que publiquei no meu blog há um tempo essa valorização do "sempre feliz". Estando as pessoas tão superficiais e rápidas como estão hoje em dia, é mais fácil ir assistir Faustão pra se distrair ou tomar um remedinho qualquer pra se manter na ilusão de controle e de que tá tudo sempre bem, do que realmente abraçar a sua tristeza, seu descontentamento, sua melancolia.
O que ninguém parece considerar é que a tristeza em si é algo inerente à vida, é necessária até, e muita coisa bela pode surgir dela. Você diz que criou suas melhores obras com a tristeza, fala da catarse através da arte, e também me identifico com isso. Às vezes nuns momentos de angústia, sinto que a arte é a única coisa que faz real sentido, que dá uma sensação de pertencimento e propósito, de refúgio. E sobre Jesus então, nem comento. Ele nos ensinou tudo, com cada gesto mais ínfimo ele nos ensinou algo.
Gostei muito mesmo cara, bendito momento em que resolvi voltar a desenhar e achei um método seu que tinha comprado há vários anos, e que me fez pesquisar na internet e achar seu blog.
Grande abraço!
Obrigado pelas palavras, Lucas.
ResponderExcluirOlha, vai soar muito clichê, mas com este retorno que você acaba de me dar, sinto que ainda vale a pena continuar a desabafar aqui.
Abração.