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domingo, 15 de julho de 2012

O DIA EM QUE CONHECI O RAUL SEIXAS.





A primeira vez que ouvi uma música do Raul Seixas deve ter sido em 1972. Uma voz monótona no rádio cantava sobre um sujeito que estava insatisfeito com tudo, um "chato que não achava nada engraçado" e criticava os conformados com sua vidinha de classe média baixa, talvez o que chamem de "classe C" hoje em dia. A canção em questão era OURO DE TOLO (puta título, hein!?!), mas eu, um gurizinho, não sabia disso, nem que era um tal de Raulzito que cantava. Pensando bem, hoje em dia pareço muito com o personagem da música, com a diferença que aquele ainda tinha "muitas coisas pra conquistar", enquanto eu já não me preocupo mais com isto.
Acho que a segunda música que me chegou aos ouvidos foi AL CAPONE, desta vez já sabia quem era o cantor. A seguinte foi GITA, aí virei fã. Eu ficava com os ouvidos colados no rádio, esperando o momento que iam toca-la. Com muito custo comprei um compacto simples. Rodava numa vitrolinha mambembe que tínhamos em casa. O lado B da bolachinha era uma canção pouco conhecida chamada NÃO PARE NA PISTA. Ouvia aquele disquinho a exaustão!
A persona do Raul não era algo que passasse batido, aquela barba, boina e óculos escuros revelavam uma figura ímpar, mas pouco popular. Era difícil rotular suas canções, que conseguiam ir do rock ao baião, do folk ao brega, do bolero aos ritmos folclóricos, isto quando não misturava tudo num mesmo caldeirão. As pessoas não sabiam se gostavam daquilo, acho que mesmo com todo o sucesso daquele período ele nunca foi devidamente valorizado e aceito.



Em 1975, em Brasília, morando provisoriamente no Brasília Pálace Hotel, certa manhã, na portaria, eu estava próximo ao balcão de atendimento quando de longe avistei uma figura magra e de baixa estatura, trajando um macacão de brim, sem camisa. Intuí que aquele era o cantor que tanto me fascinava. Digo isto porque ele estava totalmente descaracterizado naquele momento, sem a boina e os óculos de sol. Me lembro do rosto jovial, olhos miúdos, bigode, cavanhaque e cabelos cacheados.
Mesmo sendo de uma timidez patológica, eu perguntei: " Você é o Raul Seixas?" A resposta foi afirmativa, embora não lembre exatamente de que maneira ele disse. Recordo que sorriu, perguntou meu nome, e sentou-se comigo por ali, as lembranças são vagas, mas ele quis saber se eu acreditava em discos voadores, naquela época eu era deslumbrado com o assunto, ele disse algo como ir a Pedra da Gávea para ver ovnis. Subitamente ele se levantou, disse que já voltava e chamou por um sujeito de terno e gravata que passava pelo local, "Hei, Negôôô...", ele tinha essa mania, chamar as pessoas de "nego". Não voltou, claro, e eu não dei muita importância ao assunto, aquele encontro não alterou nada na minha vida e eu implicitamente já tinha esta consciência, pessoas são pessoas, comem, bebem, dormem, trepam, cagam, não e nada demais; o que elas criam e como isto nos toca é o que importa, sempre fui assim. Mas o que achei curioso, e o que até hoje me espanta, é o fato de um cara como ele ter perdido tempo, ainda que alguns minutos, para falar amenidades comigo, um mirrado e abestalhado menino de 12 anos!



Não muito tempo depois, já morando na SQN 104, comprei um compacto duplo com as seguintes músicas,
MEDO DA CHUVA, TREM DAS SETE (minhas preferidas de todos os tempos, gosto delas até hoje), COMO VOVÓ JÁ DIZIA e SOCIEDADE ALTERNATIVA.
Tempos depois o Raulzito me surpreenderia de novo com MALUCO BELEZA e me desapontaria alguns anos mais tarde com o CARIMBADOR MALUCO e o ROCK DAS ARANHAS, sei lá, sempre achei que ele tinha talento demais pra bobagens deste tipo.
Só vim possuir um LP do Raul quando já estava trabalhando, era um duplo contendo vários sucessos e uma outras tantas obscuras, como THE DIARY, do Neil Sedaka, cantada num inglês impecável.

Com o passar dos anos, embora achasse legal coisas como MEU AMIGO PEDRO e o DIA EM QUE A TERRA PAROU, fui "descurtindo" Raul Seixas, fui me cansando. Acho que o que me motivou a isto foi tomar consciência de certas coisas. Não vale a pena falar muito a respeito delas, mas me saturei de escutar  comentários jocosos com o nome de Jesus Cristo.
Pra vocês entenderem direito, foi como se um amigo pessoal, que era bem recebido em minha casa, saísse de lá falando mal dos meus pais, da minha filha, o objeto de amor maior, enfim.

Durante a década de 90 em São Paulo fiz um sem número de ilustrações para algumas editoras pequenas. A Nova Sampa era uma que regularmente me encomendava trabalhos, imagens para revistas-poster, na maioria das vezes. Fiz uma muito interessante do Raul que virou capa e poster interno. Nunca recebi a revista, até que um dia eu a encontrei numa banca próximo à Praça da República. Comprei. Seria legal postar aquela arte aqui com este texto, mas a tal publicação deve estar em alguma pasta na casa de minha mãe. Fico devendo.
Um pouco depois me encomendaram uma pintura para a cobertura de um livro que estavam escrevendo sobre ele. A arte nunca voltou para as minhas mão e nem sei se o livro foi publicado.



O final da carreira e da vida do Raulzito, foi um tanto deprimente como todos nós sabemos, mas sem sombra de dúvida, suas criações permanecem e nunca houve alguém que fizesse algo neste estilo. Muitas destas canções ainda me trazem boas recordações, como daquele encontro de poucos minutos em 1975.

6 comentários:

  1. Bem legal, o relato. O mais próximo que cheguei de um cantor, além de tirar fotos com o mesmo, foi com THEDY CORRÊA e sua banda NENHUM DE NÓS na FEIRA DO LIVRO DE ALVORADA... em 2008.

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  2. Humm, legal!
    Já conheci outros artistas de perto, mas nenhum assim mítico como o Raul.
    Abração.

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  3. Mundos se cruzando, Eduardo. Texto bacana... Ótima semana,
    Abração,

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  4. Rapaz, como as coisas mudam, escrever aqui era tão simples e fácil, agora virou um trabalho de parto, o tempo não me permite concentração. Nem repare eu estar meio ausente das redes sociais, muitos problemas.
    Grato por suas palavras.
    Abração.

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  5. As pessoas muitas vezes endeusam os artistas e não conhecem o mais importante: a arte. Somos apenas canais, se não fossem umas seriam outras as pessoas a quem Calíope e as demais musas concederiam inspiração. Artistas vêm e vão, a arte permanece (ou não). Mas, sem dúvida, um encontro com Raul para alguém da idade que você tinha e nas circunstâncias em que ocorreu, é sem dúvida uma experiência singular, ou, como se dizia naquela época, um "happening".

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    1. Comentário perfeito e irretocável, tanto que não encontro réplica, apenas a minha gratidão por dedicar uns minutos para ler e escrever umas linhas.

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