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terça-feira, 25 de março de 2014

SOZINHO NO MEIO DA MULTIDÃO.



Há quem afirme que toda experiência é valida, que tudo serve para nosso aperfeiçoamento e aprendizado. Será mesmo? Uma certeza eu tenho, tudo o que plantamos, colhemos. Só não estou seguro se é na medida certa. O triste mesmo é trabalhar na colheita dos outros. As vezes parece que pagamos muito além ao devido e que determinados pecados cobram um preço muito acima do que seria imaginado.
Os motivos que me levaram a sair de casa ainda na fase final da minha adolescência foi parcialmente contada numa postagem antiga:  http://eduardoschloesser.blogspot.com.br/2011/09/mea-culpa.html . Usei a primeira namorada como desculpa para fugir do jugo do meu pai. Olhando hoje, fazendo justiça, não era uma carga tão pesada assim. Eu tinha sobrevivido até então, como sobrevivi até hoje. Acho que eu queria fugir de mim mesmo. Minha família está tão enraizada em mim que para me ausentar do que sou, eu tinha que estar longe de tudo aquilo que era mais caro. Uma forma de auto punição, talvez. Minha saída do lar paterno só me trouxe solidão e fracasso. Quase quatro anos de perda de tempo.

Por motivos óbvios, vou omitir e substituir nomes.
Fui acolhido no Rio de Janeiro por um conhecido da família, um sargento da polícia militar (a quem chamaremos Verdugo) que morava com a mãe num subúrbio da zona oeste.
Minha meta era estudar, trabalhar, me casar com Tininha (que é como chamaremos a minha namorada), simples assim, eu já tinha tudo planejado. Para levar estes planos a cabo eu só contava mesmo com minha força de vontade, que na época tinham as mesmas dimensões da convicção de uma lesma com muletas.
A frieza com que ela me recebeu na manhã seguinte à minha chegada na Cidade Maravilhosa foi o primeiro sinal de que eu me equivocara em relação aquilo tudo.
Conversaremos depois que eu voltar da faculdade, ela disse. Alguém falou que o inferno não é tão ruim quando se está apenas de passagem. A pobre moça, ao me escrever todas aquelas cartas apaixonadas, dizendo que queria que eu estivesse ao lado dela, custasse o que custasse, jamais poderia suspeitar que eu seria louco o suficiente para cumprir o que prometia nas missivas. Mas eu, como um grande idiota que sempre fui, tive que manter a palavra.
Nosso colóquio não se deu exatamente naquela noite como fora planejado, ela chegara dos estudos mortalmente cansada, acho que dialogamos daí a uns três dias depois, e não foi uma conversa como havia sonhado, eu esperava uma chuva de beijos e abraços e muita força, afirmações que confirmariam as promessas de que ela me ajudaria a suportar tudo o que viria dali para frente, que estaria comigo nos bons e maus momentos, afinal o sentimento consciente era que eu havia abandonado minha família e meu mundo para estar ao lado dela. A coisa foi morna, quis saber como eu estava, como meus pais tinham reagido e tal. Não fiz nenhuma cobrança, não é do meu feitio pressionar, antes deixo a poeira baixar, depois raciocinar e agir com calma.

A primeira coisa sensata a fazer seria dar continuidade aos estudos. Meus pais, ainda compreensivelmente magoados comigo, enviaram minha transferência. O sargento Verdugo conhecia umas pessoas que me conseguiram uma bolsa no Pentágono, um dos pré-vestibulares mais "puxados" que se tinha notícia. Não tinha certeza se aquilo era uma boa ideia. Prezados e prezadas, estamos falando do final dos anos 70, naquela época o sistema educacional para quem ingressava no segundo grau era o que chamavam profissionalizante, o aluno fazia uma opção por contabilidade, enfermagem ou desportos. Como sempre gostei muito de esportes optei por esta última. Mais uma escolha equivocada. No meu primeiro ano no Colégio Santa Rosa em Brasília, além das matérias básicas como português, matemática, ciências e história (não lembro se havia geografia, acho que não) eu tinha todas as matérias referentes a esporte. Além de aulas teóricas havia muito futebol, vôlei, basquete, handebol, esses esportes em equipe que eu odiava com todas as forças da minha alma, não só por eu ser péssimo em todos eles, mas porque eu não me adaptava entre as pessoas. Eu só gostava das corridas que fazíamos duas vezes por semana porque me era possível isolar a mente de todo o resto.

Aqueles fins de 79 foram carregados de acontecimentos terríveis, o principal deles foi a morte da minha avó materna. Comecei a pensar ali numa mudança de vida. Ir para o Rio para ficar com a Tininha era uma opção. Não demoraria a perceber que aquele foi, talvez, o maior erro da minha vida.
Começar o segundo ano do segundo grau no Pentágono com matérias sendo jogadas na cara, como química, física, biologia, geometria e sei lá mais o quê, sendo que no ano anterior eu não tinha estudado nada disto foi como tentar pegar carona num carro de Fórmula 1 na sua velocidade máxima. Me arrebentei todo.
Meu namoro com Tininha seguia tão morno quanto água deixada no sereno. Um beijinho na entrada e outro ao nos despedirmos. Ela alegava cansaço do trabalho seguido das atividades da faculdade. Eu era maduro o suficiente para compreender isto, mas sabia que havia mais alguma coisa, só tinha medo de perguntar e acelerar um fim que parecia inevitável. Ela mal queria ouvir as minhas queixas com as dificuldades que eu estava enfrentando no colégio.

Eu tinha dois professores que nunca esqueci, e estes NÃO vou chamar por nomes fictícios, o de português e literatura se chamava Camanho e o de geometria espacial era Cataldo.
Português nunca foi complicado para mim mas o professor não ajudava muito, era um tipo grandalhão, meio gordo e mal ajambrado, agressivo toda a vida. Certa vez ele começou a escrever algo no quadro e uma menina indagou ingenuamente: "Camanho, é pra escrever no caderno?" Ele respondeu: "No meu rabo é que não pode ser, né minha filha!" O som das gargalhadas dos outros alunos foi estrondoso e ele se "sentia" com aquilo. Quando ele botava no quadro uma frase complicada e perguntava qual o sujeito oculto eu olhava pro meu caderno com medo que eu fosse o escolhido para responder, pois não tinha a menor ideia. Mas eu ia levando. O problema foi com o Cataldo. Ao contrário do outro, era mais baixo e magro, um tipo de bom aspecto, diria até que era bonito, tenente da aeronáutica. Só o discurso inaugural dele já deu pra antever que teríamos problemas. Nunca vou esquecer. Disse ele: "Eu não preciso desta merda pra viver, ganho um excelente salário como militar, eu sou professor porque amo dar aula, e não estou aqui para brincadeiras, portanto é melhor vocês se esforçarem em aprender porque senão terei um imenso prazer em reprova-los!"
Me recordo do primeiro dia de aula, fazia um calor dos diabos, no intervalo as panelinhas se reuniam para fofocar ou comer na lanchonete. Eu não conhecia ninguém e muito menos gostava de fofocar, de bom grado eu teria ido à lanchonete, mas não tinha dinheiro, só o da passagem de ônibus. O estabelecimento tinha muros altos, parecia uma prisão, mas um trecho do muro estava arrebentado como se tivesse sido posto abaixo por uma bomba. Como estava muito quente, tirei a camisa e me encostei nos escombros do muro.
Fiquei ali de olhos fechados sentindo o calor do sol carioca. Não demorou nem um minuto e veio um guarda da prisão e disse: "Não é permitido ficar sem camisa no pátio. Vista sua camisa." "Ok, desculpe", disse eu.

Passado um mês e pouco o Cataldo entrou em sala e anunciou uma prova surpresa para testar nosso aprendizado. "Tô fodido", pensei, e não deu outra. Da primeira à ultima questão eu não sabia nadicas de nada. Mas tentei fazer a prova usando uma certa lógica. Todos aqueles triângulos e números deram um nó na minha cabeça e o resultado não poderia ter sido outro: tirei um baita de um zero. O professor corrigiu as provas ali mesmo. Eu não era o único asno da sala, outros também não sabiam ou não estudaram, aliás, quase ninguém teve média satisfatória. O Cataldo, é claro, não perdeu a oportunidade de tripudiar, para cada aluno ignorante ele tinha uma torrente de comentários mordazes que seriam até engraçados se a situação não fosse grave. "Quem é Eduardo?" Perguntou ele. Como não havia outro Eduardo na sala, somente eu levantei a mão. Ele se aproximou trazendo minha prova na ponta dos dedos fingindo repulsa e falou: "Isto aqui, cara, me dá nojo! Ouviu bem? Nooojooo!" E soltou os papéis que dançaram no ar até cair no chão.
Depois disto fiquei marcado por ele. Sempre que havia uma questão complexa no quadro negro eu era chamado para tentar resolver, é claro que eu não conseguia, na verdade eu não passava de uma escada para o cara transmitir seu humor famigerado. Embora eu ficasse nervoso e amedrontado, talvez até por lembrar de algumas situações muito similares com meu pai, eu no fundo não ligava muito, eu havia apanhado um bocado (literalmente) de uma professora no terceiro ano primário, então aquelas humilhações não eram lá grande coisa. Outra vítima dele era uma menina muito bonitinha que sempre voltava do quadro segurando as lágrimas, um dia ela não conseguiu e teve uma crise de choro convulso.
O ápice daquela situação se deu certo dia quando fui chamado à frente da turma para resolver um problema. Eu disse a ele que não sabia resolver a questão. Ele sempre explicava mas a coisa não entrava na minha cabeça. " Sabe porque você não aprende Eduardo? Porque você é burro!" Eu acho que ele estava coberto de razão, mas mesmo assim eu respondi: "Burro não professor, a diferença entre nós dois é que você possui algumas informações que não farão a menor diferença na minha vida prática!"
Parece até texto decorado, não é? Mas posso lhes garantir que foi assim, sem tirar nem por. Nunca esqueci estas palavras que proferi. Sem uma resposta a altura ele me mandou pra fora da sala. No mesmo dia fui chamado à secretaria. Queriam saber se eu estava com algum problema. Eu respondi que não, mas que não tinha condições de seguir o programa, pois boa parte daquelas matérias eu não tinha tido no ano passado. A opção lógica seria eu repetir o primeiro ano, mas estava farto, decidi me desligar do colégio. Ficasse mais tempo naquele lugar eu iria enlouquecer de vez.
O sargento Verdugo me passou um daqueles sermões sobre responsabilidade, ética e que ali, se eu quisesse ficar, não teria a mamata a que estava acostumado com meus pais e todas essas coisa bacanas de se ouvir. Voltar para casa àquela altura estava fora de cogitação, eu não tinha outro lugar para ir. Prometi que aquilo não voltaria a acontecer, mas ficou claro que aquele ano estava perdido para mim, pelo tempo que eu já havia perdido eu não seria aceito em outra escola. Até tentei mas não haviam vagas nos colégios públicos da região. Mostra que comecei minha vida no Rio de Janeiro muito bem. Teria que mentir aos meus pais, e isto me arrasava mais e mais.

O sargento Verdugo gostava de pintar nas horas vagas, ele ganhava um extra pintando um rostos de Cristo de perfil com guache em papel camurça preto que eram deixadas em consignação em casas que vendiam materiais de arte no Largo da Carioca. Para colaborar eu pintava umas paisagens que eram vendidas na Praça XV aos domingos ou na Faculdade Símonsen às terças feiras, tiveram tão boa aceitação que tive que aumentar a produção, pintava também cavalos, que eram bem requisitados. Me senti bem, embora não pagasse minha estada na casa daquele senhor, eu não viveria de favor integralmente.
Era complicado morar ali. A mãe do sargento era muito religiosa e não admitia televisão em casa, nem quadros nas paredes, o som 3 em 1 era só para ouvir músicas religiosas antigas.
Certa vez tomei um pito por estar assobiando uma música. Assovio remetia ao Saci que era uma das manifestações do diabo, segundo o que ela herdara da família. Mas não tinha maiores problemas com ela, eu a tratava com muito desvelo e com o tempo ela passou a gostar muito de mim.

Algumas lembranças ficaram vivamente gravadas na minha memória outros ficaram embaçados, então não posso afirmar categoricamente se a cronologia dos acontecimentos está correta. Impossível afirmar agora se Tininha rompeu comigo durante ou depois destes acontecimentos todos, mas o caso é que o temido dia chegou. Nosso namoro chegava ao fim. Como gostasse muito de mim ela queria ficar ligada comigo, queria minha amizade. Claro, disse eu, mas a verdade é que eu passei a evita-la de todos os modos, como se ela tivesse uma doença. Não atendia às batidas dela na porta e fazia um outro caminho onde eu não corresse o risco de cruzar com ela na rua, afinal morávamos próximos. Vou poupa-los de ler o melodrama de como aquilo impactou minha vida naqueles tempos. A primeira namorada, com quem perdi minha virgindade e idealizei todo um futuro, tudo aquilo escorria por um ralo como água suja.

Eu fiz amigos por lá, uma família em particular que por respeito a eles não farei muitas citações (acho que não iriam gostar) me recebia muito bem, vez ou outra eu estava lá para almoçar. Passava tardes conversando com a matriarca, que se tornou uma mãe para mim. Rememorando hoje, sei que fui para aqueles queridos um mala sem alça, eu era intransigente, não gostava de nada e sempre era franco em deixar isto claro. Por exemplo, a filha mais velha da família gostava do Sítio do Pica-Pau Amarelo que passava na Globo, assistia novelas e eu achava tudo aquilo uma bosta. Ela curtia de paixão o mpb Milton Nascimento e eu não suportava o cara e nem os amigos viados que ela tinha. Na verdade eles tiveram muita paciência comigo. A única coisa que me resta, é que se um dia lerem isto, saibam que peço desculpas e sei que se causei alguma mágoa, não há nada que possa ser feito para reparar os danos.

Mas a maior parte do meu tempo era passado em solidão, o sargento Verdugo tinha problemas cardíacos sérios, vivia de licença e passava longos períodos viajando pelo interior de Minas Gerais eu em Friburgo, no interior do Rio. A mãe dele também ficava a maior parte do tempo em Miguel Pereira na casa das filhas. Ficava incumbido de cuidar do lugar.
Eu me exercitava e lia muito. Fuçava os sebos no centro da cidade e vinha pra casa com contos do Edgar Allan Poe e os livros da Agatha Christie. Li a Divina Comédia e gostei, mas não consegui absorver o Don Quixote (tenho que tentar de novo) nem o Corcunda De Notre Dame. Mas três livros mexeram muito comigo, tanto que os reli uma infinidade de vezes: Olhai Os Lírios Do Campo, Meu Pé De Laranja Lima e Doidinho. Este último então, nem se fala. Nos quadrinhos eu lia Tex e Ken Parker, aliás, era dali que eu tirava referências para os cavalos que pintava.
Aproveitava a ausência dos donos da casa para ouvir música. Eu comprava discos dos Beatles, Queen e Pink Floyd e deixava eles bem escondidos, aquela música profana não seria admitida naquele lar.

Meus exercícios físicos eram feitos da seguinte forma, como não dispunha de pesos e nem dava pra ir a uma academia (lembrem-se, naquela época não era moda fazer musculação, uma academia assim era muito difícil de se achar, se é que existiam, e mesmo que existissem eu não tinha grana pra frequentar), eu usava bujões de gás (vazios ou cheios) para fazer agachamentos ou "força militar" para os ombros. Fazia séries e mais séries de flexões e abdominais e só contava quando os músculos começavam a doer. Havia uma barra fixa num bairro próximo chamado Sulacap, eu ia até lá correndo, fazia os treinos e voltava na carreira.
Corria todos os dias, com sol ou com chuva, geralmente por toda a vila militar até Marechal Hermes.
Ter um porte atlético me afastava de encrenqueiros, mas também era chamariz para alguns outros. Eu tinha um conhecido, um rapaz negro de quase um metro e noventa que praticava judô. Certa tarde quente na casa dele enquanto rolava um Fagner no som, ele veio com esta afirmação:
- Me falaram que cê fez karatê!
- É.
- Até que faixa?
- Até a amarela.
- Só?!?
- É.
- Mas porquê?
- Eu não tinha grana pra pagar exame de faixa.
- Ah, então tá explicado. Escuta, cê é bom mesmo?
- Sei lá.
- Aposto que cê é forte pra caralho.
- Não sei não.
- Olha Edu, tô afim de lutar com você pra ver quem de nós é o mais forte.
- Qualé cara, sai dessa, arruma uma namorada!
Mal acabei de dizer isto e o cara pulou pra cima de mim, o impacto me fez cair no chão e bater com a cabeça violentamente no assoalho. Ele tentava me imobilizar numa chave de braço e eu procurava uma forma de pegar na garganta dele, quem assiste MMA hoje em dia pode imaginar a cena. Sei lá por quanto tempo aquela situação ridícula se prolongou, o fato que eu não tinha instinto assassino o suficiente para machucar o rapaz, embora por uma ou duas vezes a chance tivesse se apresentado. Ficou claro para mim que eu não sairia daquela situação, o cara realmente tinha energia e estava afim de provar algo a si mesmo, pra acabar logo com aquilo deixei que ele me imobilizasse o braço e pedi água.
Ofegante ele disse;
- Eu sabia que esse negócio de karatê não servia pra merda nenhuma.
- É.
Sai de lá assim que pude, minha cabeça latejava e havia um galo no local da pancada, meu nariz começou a sangrar copiosamente. Quem me via na rua fazia cara de espanto.
Uns anos antes, em Brasília, um primo do Luca, que tinha o apelido de Lilico, teve a mesma atitude, queria provar que era mais forte do que eu, só que este não conseguiu.
Certas coisas nunca mudam, pensei.

Minha produção de quadros não parava, pintava minhas pequenas paisagens em papelões e pedaços de eucatex. Não usava modelos, eu tinha que usar a criatividade, pessoas pescando, passeando, andando a cavalo, casinhas no alto do morro, geralmente lugares onde eu sonhava estar com minha mãe e irmãos. Fazia a limpeza da casa e lavava minhas roupas com sabão artesanal que alguém por lá fabricava.

Teve uma garota por quem me interessei chamada Marlene que trabalhava em uma papelaria. Era uma baixinha muito bonita com belas pernas e quadris largos. Ela não quis nada comigo. Soube depois que ela pensava que eu era meio doido da cabeça. Teve uma magrinha que trabalhava num supermercado próximo, chamei-a para ir ao cinema e ela me rejeitou por pensar que as corridas que eu fazia a té a Sulacap era pra fumar maconha. O local era muito frequentado por maconheiros e também associavam o rock que eu ouvia a drogados. Se soubessem como eu desprezava as drogas e seus usuários....
Mas havia uma garota chamada Sol que ia pra cama comigo bastando apenas eu estalar os dedos. Ela não era gorda mas tinha uns seios enormes que fora dos soutiens iam parar próximos ao umbigo.  

Fui dispensado do serviço militar, não sem uma grande luta, mas conto isto talvez numa outra oportunidade.

Sempre que podia eu ia até Madureira e Realengo assistir algum filme. Cinema naquela época era barato.
Como podem ver, fora as pinturas que fazia para ajudar nas despesas eu estava vivendo como um vagabundo. Minha mente vivia num caos e perpétuo sentimento de culpa arrasador.

No ano seguinte eu voltaria a estudar, mas foram quase quatro anos na mesma situação sem dar sinais significativos de progresso. No final de 1980, pouco depois da morte do John Lennon eu voltei a Brasília para visitar meus pais e irmãos. Pensei em ficar ao lado dos que amava mas as situações com meu pai continuavam difíceis, mais que nunca depois da minha evasão, então eu voltei ao Rio pra tentar mudar os rumos do meu destino.

Algumas situações pretendo narrar aqui em outras postagens, mas tem uma que vale a pena contar só pra encerrar:
Não morei num único lugar, num dos prédios onde fui residir, havia um cara que se achava o dono do pedaço. Era um tipo baixo, atarracado, de compleição endomórfica, respiração ruidosa, barba rala e cabelos encaracolados na altura dos ombros, o hálito do cara fedia como um urubu canceroso. Andava armado com um 38. Diziam que era pedófilo e assassino. Assassino não sei, mas pedófilo, mais tarde foi comprovado. Era casado com uma loirinha magricela.
Ele já havia me visto por ali, sabia que eu morava naquela pocilga de dois andares, mas certa noite ao abrir a porta da rua e subir as escadas, de repente me surge à frente aquela imensa figura de compleição suína a me apontar uma arma na testa. "Parado aí!" Parei e levantei as mãos. "Ah, cê é o cara novo que mora ao lado do meu apartamento, né?" "Isso mesmo", assenti. "Cuidado, cara, cê quase toma um tiro nas fuças entrando sorrateiro deste jeito no MEU prédio! Faça mais isto não!" O bafo do cara era de matar, passei por ele e segui pelo corredor. "Hei, cara!" chamou ele, me virei e ele deu dois socos poderosos na parede como se fosse derruba-la. "Agora cê tá sabendo quem manda aqui, né?" Sinceramente, apesar da arma e do aspecto de hipopótamo furioso com pimenta no cu, não senti medo dele, balancei a cabeça em sinal de afirmativo e entrei.
Dias depois eu voltava cansado de uma corrida, ele me vendo de sua porta aberta, saiu e bradou: "Ei, cara, cê tem um físico legal, bem proporcionado, levanta pesos?" "As vezes", respondi. "Levanta mais de cem quilos?" "Nunca tentei". Passei por ele sem nem olhar sua cara redonda com barba falhada. "Não me dê as costas, porra!" Dizendo isto ele muito rápido agarrou minha mão direita e começou a torce-la, num puxão mais rápido ainda, me livrei do seu aperto mas ele me agarrou o outro braço redobrando a força. Bem a exemplo do negão judoka e do primo do Luca, me vi de novo naquela situação ridícula, tentando me livrar de um macho querendo provar superioridade física e mais uma vez notei que me faltava o instinto assassino, vocês podem não acreditar mas naqueles segundos que se passaram eu estava calmo o suficiente para raciocinar que com a minha mão direita livre eu poderia tentar vazar os olhos do infeliz, ou dar-lhe uma cutilada no pomo de adão esmagando-lhe a traqueia, o que provocaria morte por sufocamento, sabia que tinha rapidez suficiente para isto, ou ainda dar-lhe uma cabeçada no nariz esmagando-lhe o septo nasal. Mas não fiz nada disso, resignei-me e deixei ele me torcer o braço até as minhas costas e pressionar seu joelho na minha lombar e seu antebraço na minha nuca forçando-me contra a parede. Era apenas um idiota querendo mostrar que era o galo que cantava mais alto no terreiro. "Fica frio e não se meta comigo, valentão, cê pode ter um físico de Tarzan, mas pra mim cê num é nada!" vociferou ele. "Ok, agora me solte!" Ele largou e eu prossegui para meu quarto sem nem olhar para trás. Curiosamente, após aquele incidente o cara nunca mais me incomodou.
Certa noite barrei com ele no mercado, me cumprimentou e em seguida foi espancar um sujeito que naquele preciso instante mexia com a mulher dele. Vi-o atirar o infeliz no meio da rua. Imediatamente uma grande multidão se concentrou ali naquela esquina. No meio da balbúrdia ele me procurou com os olhos para ver se eu tinha testemunhado seu feito. Estufou o peito pegou na mão de sua esposa e saiu dali munido das compras ignorando o cara caído e ensanguentado no asfalto.

É muito difícil resumir quatro anos em apenas uma postagem, mas alguns fatos senti necessidade de registrar, outros, relatarei quando houver ocasião.

Eu ainda veria Tininha algumas vezes e por duas, ensaiamos nossa volta, mas não permiti que acontecesse. Eu não faria nenhum bem a ela. Minha mágoa ainda era grande. Estava a beira de um colapso nervoso, sem nenhuma perspectiva de vida, como se o mundo todo fosse uma prisão e só houvessem cães à minha volta. E eu não estava errado.







4 comentários:

  1. Fala, Eduardo! Li cada palavra e digo que mais do que nunca, entendo o Zé Gatão. Valeu por compartilhar...
    Um grande abraço!

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    1. Pegou o espírito da coisa, hein, Gilberto! Dá pra sacar o porque do Zé Gatão existir, não é mesmo?
      Abração e obrigado.

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  2. Que barra, Schloesser! Agora também estou entendendo melhor o Zé Gatão. Você teve sorte de não ter "instinto assassino". Já imaginou a desgraça que seria se você acabasse matando um cretino desses? Sua inteligência emocional foi a salvação. Quanto a seus professores, eram umas antas. Abraço!

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    1. Barra mesmo, Carla! Interessante como escrever sobre o passado trás memórias de alguns fatos de forma tão vívida como se estivessem acontecendo hoje. E com quase a mesma intensidade de emoções. Muita coisa eu deixei de lado para o relato não ficar tão longo e também para não expor outras pessoas. Alguns outros acontecimentos serão relatados aqui no devido tempo.
      Quanto aos professores são umas antas mesmo, mas hoje em dia são os alunos que chicoteiam os mestres com os fios dos seus i-fones. Será que um equilíbrio é tão difícil?
      Obrigado e um grande abraço.

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