ANDROS.
Gigantesca e imponente megalópole do norte. Prédios colossais e
altíssimos que se perdiam no magnífico azul do céu. Brilhava ao sol a
estrutura envidraçada que os compunha. Um deles era mais alto, com ar
mais imponente e agressivo. Era este edifício conhecido como Olímpia, ou
no jargão popular, Monte Olimpo.
Fazia
meses que Zé Gatão estava vivendo naquela enorme e turbulenta cidade em
seu movimento incessante tanto de dia quanto de noite. Trabalhava como
DJ em uma rádio local que tinha certa expressividade. Estava ali em
tempo integral fosse de dia, de noite ou de madrugada. Folgava todas as
terças-feiras. Ganhava o suficiente para alugar um quartinho na região
mais modesta da cidade. Comia relativamente bem em pequenos restaurantes
próximo de onde morava. Gastava parte do seu dinheiro
indo ao cinema, ou saindo com gatas de vida fácil que pululavam na área
do baixo meretrício, cheia de bares e inferninhos, frequentados por
punguistas, vagabundos, boêmios e toda sorte de pequenos larápios.
Zé Gatão estava revelando uma banda de garagem chamada Os
Paquidérmicos. Era formada só por elefantes. Uma bela aliá era a vocalista do grupo. Tinha uma voz rouca extremamente sensual. Suas canções estouravam no rádio e algumas apresentações que fizeram em bares e boates do Centro causaram uma enorme sensação.
Certa tarde, um gato preto de pequena estatura, muito bem vestido procurou o dono da rádio e expressou o desejo de falar com seu melhor DJ. O felino cinzento estava na sala de som, terminando um programa. Vestia uma camisa verde musgo justa de mangas compridas dobradas, exibindo seus poderosos antebraços. O cabelo amarrado em um rabo de cavalo. Usava calças de um marrom escuro e botas pretas de cano curto. Tinha o ar compenetrado, falando ao microfone com voz clara e melodiosa que deixava as ouvintes totalmente alucinadas.
Paquidérmicos. Era formada só por elefantes. Uma bela aliá era a vocalista do grupo. Tinha uma voz rouca extremamente sensual. Suas canções estouravam no rádio e algumas apresentações que fizeram em bares e boates do Centro causaram uma enorme sensação.
Certa tarde, um gato preto de pequena estatura, muito bem vestido procurou o dono da rádio e expressou o desejo de falar com seu melhor DJ. O felino cinzento estava na sala de som, terminando um programa. Vestia uma camisa verde musgo justa de mangas compridas dobradas, exibindo seus poderosos antebraços. O cabelo amarrado em um rabo de cavalo. Usava calças de um marrom escuro e botas pretas de cano curto. Tinha o ar compenetrado, falando ao microfone com voz clara e melodiosa que deixava as ouvintes totalmente alucinadas.
Ao
ouvir um ruído na porta Zé Gatão se virou e qual não foi sua surpresa
quando reconheceu Félix, um antigo amigo de infância, o qual não via há
anos.
- Félix! Que surpresa, rapaz!
-
O mesmo digo eu, meu velho! Mundo pequeno, hein? – Abraçaram-se. Félix
continuou: - Fiquei sabendo que um DJ desta rádio está lançando uma
banda que já está dando o que falar! Nem em sonho eu podia imaginar que
este DJ era você!
- A gente faz o que pode! Mas que posso fazer por você?
-
Sou um empresário musical de médio porte e farejei o potencial destes
Paquidérmicos! Bem, sou amigo de um empresário musical de alto coturno
desta maldita cidade! É dono da gravadora TROMBETAS CELESTIAIS a
mais foda da área! Ele é o cara! Se fizermos um contrato com ele a
ascensão dos Paquidérmicos será meteórica e nós vamos junto! Vamos cagar
dinheiro, meu chapa!
Zé
Gatão deu um leve sorriso ante a euforia do amigo. Este prosseguiu
ainda mais eufórico: - Daqui a duas semanas vai ter uma recepção na
residência dele. Já ouviu falar do Monte Olimpo?
-
Tenho convites. Vá até a Alfaiataria Safira Azul. Já deixei o alfaiate
avisado. Mande fazer um fraque! Não se preocupe com o preço! É por minha
conta! Não diga nada! Tome este cartão. Depois me ligue! Quero conhecer
a banda e conversar sobre os velhos tempos em um lugar tranquilo. Que
tal amanhã?
- Está bem. À tarde nos avistaremos com o pessoal da banda. No início da noite a gente dá uma saída. Tudo bem?
-
Beleza, mermão! Até amanhã. – Depois que Félix sai, o felino cinzento
fica pensando naquela feliz casualidade de reencontrar um velho amigo
depois de tanto tempo.
Félix
ficou maluco ao ouvir a audição dos Paquidérmicos. Não parava de
repetir a palavra “foda”. Imediatamente após a apresentação, ligou para o
poderoso dono da gravadora TROMBETAS CELESTIAIS e acertou a ida à
recepção. Iriam ele com a esposa, os elefantes da banda e Zé Gatão na
qualidade de representante da rádio. Mais à noite o felino saiu com seu
amigo Félix. Jantaram em bom restaurante, novamente por conta de Félix.
Quando Zé Gatão quis fazer objeções, constrangido, Félix disse pra ele
se fuder! Amigo era para estas coisas. Quando a banda estourasse nas
paradas, dinheiro seria o menor dos problemas de Zé Gatão. O felino
taciturno não disse mais nada. Depois Félix pediu que dessem uma chegada
no baixo meretrício para darem umas trepadas. As gatas que Zé
Gatão arranjou eram fogosas e deixaram Félix pirado! Ele trepou como um
louco. Zé Gatão foi mais comedido, mas satisfez sua parceira
integralmente. Pelo menos este programa o felino acinzentado pagou do
próprio bolso. Mais tarde, deitados no escuro em lençóis relativamente
limpos, as duas gatas e Félix estavam ressonando em uma velha cama King
Size. Zé Gatão se achava ainda acordado no canto direito. O grande gato
ficou pensando que todo o dinheiro de Félix por algum motivo, não o
fazia feliz no casamento.
Diante do imponente Olímpia, ou Monte Olimpo como era mais conhecido, estava movimentado. Carros luxuosos não paravam de chegar. Elementos ricos da sociedade, políticos e jornalistas acorriam à grande e seleta recepção de um dos mais poderosos empresários do ramo musical que se tem notícia. Félix, a esposa, uma deslumbrante gata branca, Zé Gatão e os membros da banda adentraram no edifício por um compartimento privado, guiados por um cão grandalhão e orelhudo que parecia ser um tipo de assessor particular do mega empresário. Tomaram um elevador expresso de portas trabalhadas e interior extremamente belo. Ao chegar a um dos andares mais altos, foram revistados por cães de guarda de ar feroz, comandados por um dálmata de expressão facial austera. Todos estavam vestidos de maneira impecável. Usavam óculos escuros. A impressão de não portarem armas era um fato meramente ilusório.
Foram deixados em uma sala ampla, ricamente decorada. De repente um enorme painel diante deles iluminou-se e em uma tela translúcida apareceu uma imagem meio distorcida e bastante indistinta. Uma voz cava, meio tremida se fez ouvir.
Diante do imponente Olímpia, ou Monte Olimpo como era mais conhecido, estava movimentado. Carros luxuosos não paravam de chegar. Elementos ricos da sociedade, políticos e jornalistas acorriam à grande e seleta recepção de um dos mais poderosos empresários do ramo musical que se tem notícia. Félix, a esposa, uma deslumbrante gata branca, Zé Gatão e os membros da banda adentraram no edifício por um compartimento privado, guiados por um cão grandalhão e orelhudo que parecia ser um tipo de assessor particular do mega empresário. Tomaram um elevador expresso de portas trabalhadas e interior extremamente belo. Ao chegar a um dos andares mais altos, foram revistados por cães de guarda de ar feroz, comandados por um dálmata de expressão facial austera. Todos estavam vestidos de maneira impecável. Usavam óculos escuros. A impressão de não portarem armas era um fato meramente ilusório.
Foram deixados em uma sala ampla, ricamente decorada. De repente um enorme painel diante deles iluminou-se e em uma tela translúcida apareceu uma imagem meio distorcida e bastante indistinta. Uma voz cava, meio tremida se fez ouvir.
-
Sejam bem vindos ao meu santuário. Abençoados sejam. Sintam-se em casa,
meus filhos! – A imagem se fixou. A face alva de um carneiro das
montanhas se delineou. A seu lado estava seu chefe de segurança o
austero dálmata, impávido e solene. No olhar do ovino majestoso,
misturavam-se severidade, poder e uma espécie de compaixão magnânima
como a de um pai por seus rebentos imaturos e inconsequentes. O único
que não se surpreendeu com a visão daquela figura foi Félix que falou de
modo respeitoso.
-
Aproveitei o convite para a grande recepção e vim lhe apresentar uma
banda fantástica que está fazendo grande sucesso radiofônico, meu
Senhor. Com ela também trago o DJ e representante da rádio RKOYZ FM que os lançou da obscuridade para a luz.
-
Já havia ouvido falar tanto desta banda sui generis quanto deste felino
DJ. Tenho acompanhado de longe sua carreira em outras cidades e sua
ascensão gradual aqui em nossa megalópole. Fez bem em trazê-los, Félix!
Sua esposa cada vez mais bonita!
Em um tom de voz sempre suave prosseguiu:
-
Sintam-se à vontade. Meu assessor, Bernardo Saint Clair os conduzirá ao
Salão Campos Elísios onde está se realizando a recepção. Solicito que a
banda toque durante o evento. Há no salão um palco montado e
devidamente aparelhado com equipamento de última geração. Uma bela noite
os aguarda, filhos! Que a banda se apresente e aguarde meu beneplácito.
Breve estarei com vocês. Vão em PAZ. A imagem foi empalidecendo até
desaparecer por completo na gigantesca tela agora totalmente escura.
O
Salão Campos Elísios estava apinhado de convivas, mesmo assim era tão
amplo que ainda sobrava muito espaço para acomodar muito mais
indivíduos.
A
apresentação dos Paquidérmicos inflamou o ambiente. Cantaram além de
seus sucessos, músicas de variados estilos e de artistas consagrados
como Jan Joplin, uma gata hippie falecida há décadas por uso excessivo
de drogas. Rock, baladas, Heavy Metal, Love Songs. Tocaram de tudo. Zé
Gatão conheceu uma gatinha voluptuosa filha de um fabricante de reatores
atômicos. Chamava-se Jade. Não se largaram mais. Félix olhava-os
divertido e dançava de maneira sensual com sua esposa, olhando-a
profundamente nos olhos. Zé Gatão pensou consigo que até poderia ter
interpretado errado aquela noite em que ele e o amigo foram trepar com
aquelas gatas da noite. Não devia ter nada errado no casamento de Félix.
Como ele próprio, o amigo era um felino e
os felinos eram bem ecléticos em se tratando de relacionamento sexual.
Ele, Zé Gatão, fugia um pouco a esta regra.
Bebidas
finas corriam à solta, caviar da melhor qualidade e os mais variados
petiscos a que só ricos tinham acesso. Zé Gatão nunca comera nada
daquilo, mas a boa educação que recebera de sua mãe não permitiu que
fizesse feio ou se descontrolasse à mesa.
Mais
ou menos em torno das duas da manhã, o anfitrião apareceu ladeado pelo
seu segurança sempre vigilante, o dálmata e pelo diligente secretário o
cão Bernardo Saint Clair. Junto do mega empresário estava uma ovelha
simplesmente deslumbrante, possivelmente uma de suas muitas namoradas do
solteiro mais cobiçado do momento. Embora já de meia-idade, o apetite
sexual do carneiro era lendário. Fez um breve discurso ao som de uma
música instrumental suave tocado pela banda. Depois, chamou Félix, Zé
Gatão e Sylvia, a aliá líder e vocalista dos paquidérmicos para
acompanhá-lo com o intuito de fazerem uma rápida reunião de negócios.
Tomaram um elevador ultra expresso para a cobertura onde ficavam os
aposentos privados do mega empresário. Ele era conhecido em todo o lugar
onde
se tocava música no mundo civilizado. Seu nome era Ovinus Lanosowick.
Respeitado, admirado, temido e odiado por muitos.
Na
ampla sala de reunião, os acertos para gravação e produção de CDs, bem
como apresentações por cidades a fora foram acertados com uma penada só.
Satisfeito, Ovinus Lanosowick deu um gordo adiantamento em espécie a
seus espantados interlocutores e convidou-os a passar algumas semanas em
sua companhia para juntos arquitetarem os próximos passos para o grande
lançamento da banda os Paquidérmicos na mídia.
Os
dias ali vividos foram idílicos. O Monte Olimpo era um verdadeiro
universo de prazeres. Uma tecnologia revolucionária chamada de Holodeck. Ela permitia que em espaços não maiores do que um quarto ou uma sala
através de um programa de computador você pudesse, em ambientes
programados à escolha do freguês, estar em uma praia paradisíaca, em uma
floresta, deserto, pradarias, estepes, um cassino, em outros países ou
mesmo outros planetas. O mais
interessante é que você podia interagir com pessoas holográficas em 3D
geradas por computador como se estivesse vivendo uma fantástica
realidade. Até as comidas e bebidas podiam ser sorvidas e o cérebro era
sugestionado com uma sensação de saciedade. Zé Gatão e Jade, a gatinha
voluptuosa, gostavam de ficar em um bosque bucólico junto de um regato
murmurante. Quando estavam com Félix e esposa, iam a cassinos, pescarias
de iate no Oceano, shows musicais e dirigiam carros possantes por
estradas sinuosas. Era fantástico! Esta tecnologia ainda nem tinha sido
divulgada para o mundo exterior e já estava a serviço de um único
indivíduo que podia pagar por ela. Apesar do
inusitado e do prazer proporcionado, Zé Gatão achava tudo aquilo uma enorme futilidade. Mas guardou sua opinião consigo. Por mais que gostasse de Félix ele nunca fora um cara reflexivo. Ele e sua esposa eram mundanos. Ambos existiam apenas para aproveitar a vida o máximo que podiam. Além dos longos momentos de ócio e diversão, sentavam com Ovinus para delinear o trabalho de promoção da banda. O curioso que fora a aliá Sylvia, nenhum membro da banda foi jamais chamado para participar das negociações. Não que eles se importassem, uma vez que passavam todo o seu tempo em uma casa de fumar ópio criada pelo Holodeck. A simulação era tão perfeita que havia o perigo de gerar uma espécie de irreversível vício psicológico. Zé Gatão como DJ também animava as inúmeras festas que Ovinus promovia. Cada evento era realizado em um salão diferente a cada noite e cada um deles tinha um nome sugestivo: Ares, Palas Atena, Hermes, Hefaístos, Afrodite.
inusitado e do prazer proporcionado, Zé Gatão achava tudo aquilo uma enorme futilidade. Mas guardou sua opinião consigo. Por mais que gostasse de Félix ele nunca fora um cara reflexivo. Ele e sua esposa eram mundanos. Ambos existiam apenas para aproveitar a vida o máximo que podiam. Além dos longos momentos de ócio e diversão, sentavam com Ovinus para delinear o trabalho de promoção da banda. O curioso que fora a aliá Sylvia, nenhum membro da banda foi jamais chamado para participar das negociações. Não que eles se importassem, uma vez que passavam todo o seu tempo em uma casa de fumar ópio criada pelo Holodeck. A simulação era tão perfeita que havia o perigo de gerar uma espécie de irreversível vício psicológico. Zé Gatão como DJ também animava as inúmeras festas que Ovinus promovia. Cada evento era realizado em um salão diferente a cada noite e cada um deles tinha um nome sugestivo: Ares, Palas Atena, Hermes, Hefaístos, Afrodite.
Passaram-se
quatro semanas. Zé Gatão já estava cansado de ficar ali e manifestou a
Félix o desejo de partir na manhã seguinte. Félix olhou-o estupefato!
Disse que se possível, ficaria ali o resto da vida. Seu olhar era
sonhador, parecia totalmente alheio às ponderações do felino taciturno.
Exasperado, Zé Gatão pediu uma audiência com Lanosowick. Em uma
antecâmara, contígua ao escritório do carneiro, Zé Gatão tomou um chá de
cadeira de mais de duas horas. Quando o deixaram entrar no recinto já
tinha contado até mil para não meter o pé na porta e invadir o
sacrossanto escritório daquele velho pretensioso. Procurando imprimir um
tom moderado à voz, expôs sua decisão de partir imediatamente.
Lanosowick olhou-o como se ele fosse uma criança birrenta. Denotando
complacência no falar disse:
- Meu filho, não posso ainda prescindir dos seus serviços. De
mais a mais o que vai fazer lá fora? Aqui você está no paraíso
terrestre, nos verdadeiros Campos Elísios, onde você pode ser quem
quiser! Pode fazer o que quiser, ir aonde desejar, bastando entrar em um
cômodo e mergulhar em universos reais, fictícios ou paralelos sem hora
para voltar através do Holodeck. Além disso, tem emprego fixo e é
regiamente remunerado. Que mais pode alguém querer?
-
Escute, não nasci para ficar preso em uma gaiola dourada! Foi
divertido, mas para mim chega! Vou dar o fora deste seu paraíso de merda
agora!
A
expressão do rosto de Ovinus ficou extremamente sombria, sua voz
tornou-se áspera. Lentamente, labaredas de uma fúria intensa fulguravam
em seus olhos arregalados, os músculos da face em um fremir
incontrolável era uma visão dantesca.
- Filho...! Terá você a ousadia de dar as costas ao Paraíso? Renegará você a redenção?!
- Filho...! Terá você a ousadia de dar as costas ao Paraíso? Renegará você a redenção?!
- Você é maluco!
-
Silêncio, ímpio! Incréu! Como ousa você, um mero mortal blasfemar desse
modo?! Como se atreve a me desrespeitar?! Eu que sou o ETERNO?! Desci
do Céu a este mundo para arrebatar do fel os Eleitos! Vim saciar os
sedentos com o néctar da Paz Celestial! Vim alimentar os famintos com a
ambrosia da Remissão! Aos incrédulos e escarnecedores o fogo devorador
da minha ira os consumirá! Consumirá toda a carne impura que rasteja
sobre esta terra!! Ingrato! Com o soprar do vento divino de minha boca
posso lançá-lo às profundezas do Tártaro! Em um piscar de olhos, reverto
você ao primitivo pó de onde o formei! NÃO SOU EU O SENHOR DOS
EXÉRCITOS? NÃO SOU EU O PRINCÍPIO E FIM? O ALFA E O OMEGA? – Zé Gatão
estava abismado. O sujeito definitivamente era louco! E da pior espécie!
Um
louco religioso! Megalômano! De repente, sua fisionomia sofreu uma
alteração drástica. Da mesma forma que a ira divina se acendera nele,
agora tomado de uma compaixão profunda, dirigiu-se a seu interlocutor
suavemente:
- Retorne agora a seus aposentos, filho ingrato. Esta noite, entrará
comigo em um Holodeck, onde terá contato com a Doutrina Sagrada de nossa
Religião. Então, ó FILHO PRÓDIGO, ainda hoje em genuflexo, vai me
adorar como seu único deus. Assim, tendo-o de volta ao redil a tudo hei
de perdoar, pois você antes estava cego! Mas no porvir seus olhos
enxergarão nitidamente iluminados pela luz brilhante da Verdade! Você
será o Grande divulgador da Palavra através da música. Aos crentes a
absolvição e a Felicidade! Aos descrentes a ruína e a Morte! Você será
meu Arcanjo Vingador! Meu Anjo de Luz!
-
Não! – Rugiu o felino taciturno. – Lanosowick acionou um alarme
silencioso e dois mastins apareceram como que por encanto atrás de Zé
Gatão. O felino olhou fixamente para Ovinus e rosnou:
- Carneiro! Tive paciência de ouvir suas baboseiras até agora! Me deixe ir embora em paz, ou terei que rachar algumas cabeças!
-
Cães! Prendam o infiel! Sem armas de fogo! Coloquem-no em seus
aposentos! Ele vai ter uma doutrinação especial! – Os dois guardas
velozmente agarraram o felino cinzento, imobilizando seus braços. Ovinus
murmurou, cofiando a barbicha que pendia de seu queixo: -
Estranho...Félix e os demais não deram trabalho! Foram doutrinados
subliminarmente no Holodeck comum! Você estava com eles. Por que...? Já
sei! Você é um mestiço! Talvez seu lado selvagem tenha resistido ao
processo! Mas no Holodeck doutrinador onde vou colocá-lo, nem mesmo você
poderá resistir! Será meu! Meu para todo o sempre!
-
Uma ova! – Zé Gatão mesmo manietado pelos cães, conseguiu soltar-se.
Agarrou os dois canídeos pelas gravatas e os chocou um contra o outro
com tal violência que o som forte de ossos quebrados se ouviu
nitidamente.
Ambos tombaram desacordados. Ato contínuo, o dálmata entrou no local, saltando acrobaticamente. Sua intenção era derrubar o felino e dominá-lo no chão. Aproveitando o impulso do salto do adversário, o grande gato agarrou-o e no mesmo movimento arremessou-o contra a pesada mesa de trabalho de Ovinus. O impacto brutal rachou-a ao meio. Em seus destroços, o dálmata rapidamente mergulhou na inconsciência.
Ambos tombaram desacordados. Ato contínuo, o dálmata entrou no local, saltando acrobaticamente. Sua intenção era derrubar o felino e dominá-lo no chão. Aproveitando o impulso do salto do adversário, o grande gato agarrou-o e no mesmo movimento arremessou-o contra a pesada mesa de trabalho de Ovinus. O impacto brutal rachou-a ao meio. Em seus destroços, o dálmata rapidamente mergulhou na inconsciência.
- Bravo! Você será verdadeiramente meu campeão!
- Agora é sua vez, cabeça de merda! – Zé Gatão avançou determinado a dar uma surra exemplar naquele arremedo de deus louco. Contudo,
antes que o felino enfurecido o alcançasse, Lanosowick apertou um botão
secreto. O chão se abriu e da abertura emergiu uma figura
impressionante. Era um carcaju, também conhecido como glutão ou
Wolverine. Era atarracado, quadrático. Musculatura compacta e sólida.
Olhos injetados, ódio encarnado!
-
Este é Necromantis ou Necro se preferir! Ele é a mão esquerda de deus!
Se sobreviver você será a direita! Portanto, lutem em honra de seu
Criador, meus filhos! Lutem!
Zé
Gatão atacou forte e rápido, no entanto seu soco encontrou o vazio. Por
um triz as garras de Necros não rasgam seu peito. Um salto para trás
livrou-o de receber um ferimento sério. Sem perder o feroz mustelídeo de
vista rasgou a camisa para facilitar os movimentos. Coincidentemente, o
carcaju fez o mesmo e avançou já esmurrando em uma sequência rápida com
os dois punhos ao mesmo tempo. Zé Gatão mergulhou sob a barragem de
murros e aplicou um soco animalizado no plexo solar do antagonista. O ar
foi expelido fortemente dos pulmões, sem que Necros conseguisse voltar a
novamente inspirar oxigênio. Ainda assim, a fera jogou-se contra Zé
Gatão, derrubando-o em cima de um conjunto de poltronas que se achava no
canto direito do escritório. A mobília se despedaçou ante o
impacto dos corpos daqueles magníficos contendores. De
boca aberta em uma inspirada forçada que fazia arder a garganta e
provocava dor atroz nas costelas ao expandirem a caixa torácica, Necro
inundou o corpo carente de ar fresco. Com a mão direita, apertou a
garganta do felino taciturno, ainda estonteado pela violenta queda. O
braço esquerdo se ergueu. A mão em garra pronta para desferir um golpe
devastador que transformaria o rosto de Zé Gatão em frangalhos
sangrentos. Face cianótica, pulmões em brasa, vista ficando turva, Zé
Gatão lutava pela vida. Com as últimas forças restantes deu um tranco
que desequilibrou Necros e o fez cair de lado. Antes que seu brutal
êmulo se recuperasse, o felino cinzento, respirando rápida e
profundamente se posicionou por trás de Necros envolvendo seu pescoço.
Aplicou um brutalizado mata-leão e foi forçando cada vez mais até o
limite do suportável. Desista!
Pensou o felino. Um
gemido estrangulado escapou da goela de Necro, mas ele não se rendeu. Então, um som repentino, funéreo e seco evidenciou a quebra de seu pescoço. Estava morto.
gemido estrangulado escapou da goela de Necro, mas ele não se rendeu. Então, um som repentino, funéreo e seco evidenciou a quebra de seu pescoço. Estava morto.
Esgotado,
Zé Gatão ergueu-se do solo. Uma dor de cabeça terrível! Uma enorme
sensação de inutilidade! Não era a primeira vez que matava para
sobreviver. Mas o cadáver a seus pés não tinha sido um ente livre, dono
de si mesmo. Antes fora um peão, um instrumento nas mãos de um fanático!
deus falso que decerto já destruíra muitas outras vidas. Uma horda de
cães cercava o grande gato, desta vez empunhando pistolas. A um gesto de
Ovinus ficaram parados, aguardando ordens. O carneiro maldito
dirigiu-se ao felino taciturno:
-
Você é fantástico! Que luta! Sabe que até hoje ninguém tinha derrotado o
pobre Necro? Em minha benevolência, volto a fazer a oferta para que
você se torne meu Arcanjo Vingador. Terá o livre arbítrio, a
prerrogativa de um deus. Será um gigante entre anões! – O olhar enojado
de Zé Gatão valeu mais do que mil palavras. Até a mente doentia do
carneiro enlouquecido compreendeu.
-
Que assim seja! Você está expulso do Paraíso! Trabalhará pelo seu
sustento e a terra te será maldita! Colherá cardos e abrolhos! Comerá pó
todos os dias de sua vida!
- Já conheço esta cantinela! Quanto a Félix e os outros?
-
São meus filhos, agora! Levá-los de volta ao Mundo os condenaria a
mergulhar em uma insanidade total e completa! Cães! Deixem-no ir! Ele já
fez sua escolha.
E
Zé Gatão voltou ao Mundo frio e cruel, mas verdadeiro. Deixou para trás
um pseudo Paraíso, tendo perdido para aquele horror travestido de
idílio, um querido e fiel amigo.
ESTE FOI O COMENTÁRIO DA MINHA AMIGA CARLA CERES:
ResponderExcluirO Ovinus escapou, Luca!? No próximo conto, ele tem que se dar mal. Vou esperar. :) Parabéns pelos desenhos, Schloesser!
Eh, Lucão, a Carla te encostou na parede, hein! A resposta tá contigo, mas acho que cê tá devendo um novo conto para responder esta pergunta a ela. Eu pessoalmente, Carla, não acho que o carneiro louco/megalomaníaco/fiadaputa vá se dar mal, é um indivíduo poderoso monetariamente, move praticamente sozinho uma série de engrenagens iníquas, lembrando estes políticos ou líderes religiosos sem vergonha que nunca sofrem as sanções da lei. Lembre-se, o universo de Zé Gatão é pura fantasia mas com um pé bem fincado em nossa realidade. Grato e um abração
ExcluirCOMENTÁRIO DE LUCA FIUZA:
ResponderExcluirMeu velho, acabei de apreciar Néctar no Blog! Ficou sensacional! A Carla, fã do Zé Gatão, quer o que todos nós queremos! Que os maus sejam punidos! Mas a vida nem sempre é assim. Como você disse, os poderosos prosperam sobre as cinzas dos que se esforçam, trabalham e procuram agir e viver com honestidade. Eu já havia pensado na época em que escrevia Néctar em uma sequência da história de Ovinus e desta vez sem a presença de Zé Gatão. Está tudo ainda em estágio embrionário. Deixei na gaveta! A Carla quer abrir esta gaveta? Vamos ver a reação do público a Néctar e então veremos e a tal gaveta abre ou não...! Obrigado, velho e agradeça também a ela.
Lucão.
É, Schloesser e Luca, vocês estão certos. Droga de realidade! :) Abraços!
ResponderExcluirMas, minha amiga Carla, não percamos as esperanças de ver o carneiro metido a deus entrar pelo cano, como o Lucão falou, se este conto tiver uma boa receptividade junto ao meu público, ele poderá escrever outro conto dando um destino adequado a este animal que tantas vidas destruiu. Mas sei lá, não estou muito animado, sei que ainda é cedo mas até agora não obtive retorno por aqui. Zé Gatão nunca foi muito popular, mas vamos ver.
ExcluirUma abração e obrigado.
Não vejo muito a necessidade de um desfecho moral para o carneiro,já que a lógica do mundo não é tão cartesiana quanto a moral greco-romana quer fazer crer ser. Hitler,ao morrer com um tiro na cabeça,não compensou,quantitativamente,todas as inúmeras perversidades comandadas,ou ao menos consentidas,por ele. Creio sim,numa logica universal,porem,sem ter nada haver com a necessidade humana de compensação do mal sofrido. A citação do final do conto à Gênese da Bíblia,relegando o Zé Gatão ao livre arbítrio e suas conseqüências,e o Zé Gatão optar por isso,mesmo sabendo para onde estava voltando,me parece muito mais humanamente verossímil,e por isso mesmo,extremamente dramático. Conto,alem de questionar princípios do livre arbítrio e o egocentrismo característico do ser humano,trás as ilustrações carregadas de expressividade do exímio mestre Eduardo Schloesser,que num contraponto da textura granulada com a leveza de um traço de contornos concisos,mais uma vez mostra toda a força de sua arte. Parabéns Luca Fiuza e Eduardo Schloesser. "Néctar,ambrósia e fel" é um conto que,muito alem de valer a pena de ser lido,vale a pena ser pensado.Parabéns pelo belíssimo trabalho desenvolvido com esse personagem tão rico,que é o Zé Gatão.
ResponderExcluirA palavra do mestre das artes, Allan Alex. Uma perfeita reflexão deste conto em que mostra o nosso felino sorumbático numa situação atípica, envolvido com a nata de uma sociedade carcomida pelo ego e inchaço da ganancia, onde os excessos transformam meros mortais em deuses de areia e ali no meio deste caldo de loucura, o protagonista tenta manter intacta a sua integridade.
ExcluirSabe, Allan, este é um conto que melhor retrata o universo do Zé Gatão criado por mim. Toda a pompa e tecnologia, não torna os seres vivos melhores e, pior, mostra que não existe lugar seguro. Isto sempre foi o que quis transmitir em minhas hqs, seja nas cidades, desertos, florestas ou mares, não há lugar seguro para o descanso, tal qual nosso próprio mundo. O Luca captou isto muito bem e deu ao grande Gato fôlego além, visto que publicar meus álbuns de hqs num mercado tão viciado e inconstante está além dos meus esforços.
Eu e o Lucão agradecemos sua visita e as gentis palavras.
Apareça sempre, grande artista.
Abração.
Demais! Dei uma pausa agora nesta sexta-feira e li de um fôlego só. Parabéns ao Luca e a você, Eduardo! Esse mundo do Zé Gatão é mesmo fantástico! Bacana a referência (inspiração) a Jornada nas estrelas, a nova geração. Mas a princípio, o nome Holodeck me incomodou um pouco. Chatice minha. Talvez usando apenas o conceito, não sei...
ResponderExcluirSabe que ainda não li o conto anterior? Preciso ir lá o mais breve possível. Grande abraço!
Salve, Gilberto! Rapaz, quando criei este universo antropomorfo, quis situa-lo num ambiente de alta tecnologia, com naves pelos ares e coisas assim, um futuro retrô pra ser mais preciso, isto fica mais evidente no segundo álbum da Via Lettera. Já no Memento Mori a ação se passa no deserto e na floresta. Acho que o Luca pegou o espírito do ambiente urbano em que se passam algumas aventuras do felino. Quanto ao nome Holodeck, bem, não tenho o que comentar.
ExcluirQuanto ao Cloaca Dos Mares, que você ainda não leu, experimente, afinal é mais uma saga do Zé Gatão, não se vê isto toda hora.
Obrigadão por sua ilustre presença, meu caro desenhista.
Abração.
Luca a qualidade do seu texto é impressionante!!! Vocabulário rico, prosa envolvente, enredo meticuloso. Incrível!!!! Isso sem falar nos desejos do Eduardo que são fantásticos!!!! Fiquei fã do Zé Gatão, e agora leitor.
ResponderExcluirAbraços, Maurício Nascimento
Salve, Maurício, prazer tê-lo por aqui! Obrigado pelas palavras. O Luca, como você sabe, é extremamente peculiar e competente em sua escrita. Fico feliz que este universo antropomorfo tenha lhe agradado, as aventuras de Zé Gatão continuam, tanto em contos como nos quadrinhos.
ExcluirForte abraço e volte sempre.
Luca que texto fantástico!!! Vocabulário riquíssimo, prosa envolvente e enredo meticuloso. Isso sem falar nos desenhos do Eduardo, que qualidade!!!!!.... Zé Gatão ganhou um novo leitor.
ResponderExcluirAbraços, Mauricio.
Valeu, grande Maurício! Fico feliz que tenha gostado.
ExcluirQue belíssimo conto, Grande Mestre Luca Fiuza. Acabei de desfrutar da prazerosa leitura desta linda obra. Eduardo, sua arte é fantástica! Que talento! Parabéns! Vou ler todos os contos! Abraços eternos!!
ResponderExcluirUm grande prazer tê-lo por aqui, Paulo! Obrigado pelas visita e palavras. O Lucão manda muito bem mesmo na escrita, não é?
ExcluirApareça.
Grande abraço.
Boa analogia entre prazeres e realidade.
ResponderExcluirExatamente, Fábio.
ExcluirGrato pelo comentário.