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sexta-feira, 24 de abril de 2020

INFERNO VERDE 1 - Um conto escrito por Luca Fiuza e ilustrado por Eduardo Schloesser.

Zé Gatão – Aventuras na Natureza:
Esta aventura se passa logo depois de Fúria.

INFERNO VERDE.
03/11 e 04/11/19.

Parte 1:

    Por muitos dias, Zé Gatão atravessou a grande planície verdejante. Sua figura se confundia com a imensa amplidão, onde se enxergava à distância e o céu parecia em muitos momentos se fundir ao terreno em que o felino pisava.
    Em uma ensolarada manhã, o grande gato chegou à fímbria de uma imensa selva exuberante, conhecida como a Grande Floresta Chuvosa, ou o Inferno Verde. Ao penetrar nesta selva, sentiu enorme mudanças! Principalmente no que concerne ao clima! Na ampla planície, os dias eram frescos e as noites tépidas. Na selva, o calor opressivo e úmido se fazia sentir, dando a impressão de se estar trancado em uma gigantesca sauna a vapor. Sob as árvores monumentais e luxuriantes reinava a penumbra. Ouviam-se sons variados, gritos de animais, o murmurejar da água de rios caudalosos pouco distantes e o cicio ininterrupto de insetos de todo tipo.

    O felino estava em alerta! Na planície se sentia em segurança, mas naquela mata densa, os perigos poderiam surgir de qualquer ponto! Inesperadamente! Avançou por quase um dia inteiro por uma trilha difícil, pisando em um solo fofo, coberto de folhas mortas e bastante irregular. Apesar de sua conhecida resistência física, ficou bastante cansado e assim, ao cair da tarde, resolveu acampar perto de um rio de águas barrentas que localizou em uma pequena clareira com espaço suficiente para montar uma cobertura rústica de galhos e folhas arrancados de árvores para passar a noite. Se encontrava dando um retoque final na cama de galhos e folhas, amarrada um pouco acima do solo, quando ouviu um grito de algum ser em dificuldades! O som daquela voz aterrorizada lembrou-lhe a de Flint! O papagaio amigo do capitão do Cloaca dos Mares! Devia ser alguma ave daquela espécie, com certeza! Guiado pelos lamentosos apelos, encontrou uma ave de corpo esguio, pele encarnada e face emplumada da mesma tonalidade, solidamente enlaçada por uma boídea! Uma enorme serpente constritora sobre a qual já lera, mas que nunca vira com seus próprios olhos! O gigantesco réptil voltou-se iracundo para o intruso que se atrevia a interromper sua refeição e sibilando ferozmente, atirou-se contra ele sem contudo, libertar sua presa dos anéis carnosos que a envolviam! A pobre ave se achava meio desfalecida, devido à violenta pressão sobre seu frágil corpo, tendo podido antes de desfalecer emitir apenas aqueles gritos de desespero! O felino portava um cajado nodoso que usava para ajudá-lo a caminhar naquele terreno movediço! Esquivou-se agilmente da investida da cobra e brandiu o cajado brutalmente na cabeçorra da serpente. A criatura emitiu um aterrador silvo de dor e entendeu que precisava dar atenção integral aquela ameaça, ou do contrário pereceria! Desta forma, o monstro reptiliano libertou sua vítima e em um movimento coleante tentou enlear seu algoz em um abraço fatal! Mais uma vez, a fantástica agilidade de Zé Gatão evitou o ataque. Porém, o solo escorregadio traiu o felino, fazendo-o escorregar e possibilitando que a terrível serpente anelasse sua perna direita, puxando o gato violentamente para si! O grande gato vibrou novamente o cajado contra a cabeça da atacante com toda a força de seu braço, fendendo sua pele escamosa e arrancando sangue! O silvo de dor, raiva e desespero parecia um urro! Tremendo e serpenteando, a fera conseguiu circundar a cintura do felino cinzento, enquanto uma forte pressão começava a ser feita, no sentido de esmagá-lo! “Ah! Pensou a cobra! Que repasto excelente agora tenho! Melhor será que uma mirrada, ossuda e ridícula arara!”
    Percebendo que se não agisse de imediato estaria perdido, Zé Gatão agarrou o sólido cajado com as duas mãos e desferiu potentes bordoadas contra a cabeça de seu verdugo, não dando tempo à cobra de recuar esta parte do corpo para uma distância segura! A cada golpe, a pressão sobre o musculoso corpo do felídeo acinzentado cedia um pouco e convulsões
intensas tomavam seu lugar! A frouxidão do aperto mortal deu ao grande gato a condição de mexer-se! Como um bólido, saltou sobre a enfraquecida serpente e desceu o cajado! Batendo até transformar a cabeça da cobra em um mingau sanguinolento. O corpo titânico a escabujar nos estertores da morte!

    Esgotado, Zé Gatão deixou-se ficar caído ao lado do extenso cadáver da serpente, a qual deu por fim, um último e longo arrepio para depois para sempre aquietar-se. Após descansar por alguns minutos, o gato cinza levantou-se e foi ver o estado da arara-vermelha, tombada ao lado da carcaça da boídea morta. Constatou com prazer que a ave ainda vivia, embora ainda desmaiada. Carregou-a com facilidade até a beira do rio e gentilmente, borrifou um pouco d’água em sua face. A desafortunada criatura despertou lentamente, e desferiu um grito angustiado, acreditando continuar presa aos mortais anéis serpenteantes da cobra monstro! Zé Gatão notou tratar-se de uma fêmea e procurou tranquilizá-la dando à voz um tom calmo e conciliador. Ela se acalmou e o olhou agradecida, entendendo prontamente que aquele era seu salvador. No mesmo instante, seus olhos revelaram uma nova onda de temor! Pediu insistentemente que se abrigassem, pois a noite não tardaria a cair e os perigos dela advindos eram dos mais terríveis! Realmente, o sol estava prestes a se por e pelo vento relativamente frio que começou a soprar de repente, estava para chegar uma forte tempestade. Para evidenciar tal fato, a trovoada soou à distância. Zé Gatão carregou a arara até seu acampamento improvisado. À sugestão da simpática ave, recolheu o cipó de uma árvore e de seu interior retirou um tipo de substância muito boa para fazer fogo e logo uma fogueira, debaixo do teto de folhas da rústica tenda, crepitava aos últimos raios do sol que se deitava. Meia hora depois o mundo desabou num temporal violentíssimo!
    A escuridão da noite era iluminada pelos relâmpagos ao ribombante som de monumentais trovoadas! Mas gato e arara estavam bem protegidos. Depois de uma hora de chuva torrencial, os ruídos da noite puderam voltar a ser ouvidos com o fim da tormenta. Zé Gatão e a arara estavam conversando, uma vez que ambos não conseguiam dormir, devido ao pesado calor reinante, apesar da chuvarada. A ave de tez vermelha falava com emoção na voz típica dos psitacídeos:
– Quero agradecer mais uma vez por ter salvo minha vida!
– Não podia deixá-la morrer daquela forma! Além disso, detesto cobras!
– Eu as temo! Eu me distraí! Desci ao chão para procurar um tipo de vermezinho que muito aprecio como quitute e quando dei por mim, estava enlaçada nos anéis da serpente! Se você não tivesse chegado…!
– Esqueça isso! - Retrucou o felino, procurando avivar o fogo com mais da substância do cipó e gravetos meio úmidos que também recolhera mais cedo.
– Não! A culpa foi minha! Você é um civilizado, não? Vivi prisioneira um longo período no mundo civilizado, presa na casa de um animal riquíssimo que me exibia a todos como um exótico troféu! Um dia uma instituição governamental me encontrou. Fui libertada e trazida de volta para esta selva onde nasci, e passei os primeiros anos de minha existência. Mas, o convívio com a Civilização deixou sequelas! Parte dos meus sentidos ficaram meio embotados, o que me expõe aos perigos da mata! E o pior! Meus semelhantes me veem com maus olhos! Não confiam em mim e me renegam! Sou uma criatura solitária!
    Zé Gatão ficou penalizado, mas nada disse. A arara continuou: - Me chamo Karoll. Posso ficar com você?
O felino taciturno refletiu, ainda calado. Então disse:
– Não vejo problema nisto. - O rosto da psitacídeo se iluminou! Intimamente, o gato ponderou que sendo a arara habitante e familiarizada com a região seria de grande ajuda para lidar com os perigos da selva e inclusive ajudar no deslocamento seguro em meio aquele emaranhado vegetal. Além disso, sem o admitir em voz alta estava começando a afeiçoar-se a ela. Karoll perguntou seu nome e o felino laconicamente respondeu: - Zé Gatão.
    O felino recomendou que deixassem o bate papo para o dia seguinte. Era de bom alvitre descansar adequadamente, pois os próximos dias seriam pedreira! Karoll empoleirou-se em um galho junto ao teto de folhas e Zé Gatão estendeu-se na cama suspensa que havia construído. Contudo, menos de duas horas depois, um estranho ruído despertou o grande gato e o vento trouxe um odor desagradável de sangue podre. Ainda deitado, o felino gris estendeu a mão e segurou seu cajado, do qual nunca se separava. Karoll ainda dormia, cabeça avermelhada pendida para frente. Melhor assim!

    O musculoso felídeo mexeu-se! Sua visão aguda devassou a escuridão. Movendo silenciosamente o corpanzil, esgueirou-se, saindo ao ar livre não pela entrada de sua tosca habitação, mas pela parte de trás. Como uma sombra fantasmagórica, contornou-a e entre a vegetação onde se ocultou viu algo que não pode deixar de assombrá-lo, se aproximando da tenda artesanal! Era um bando de mosquitos!
    As asquerosas criaturas se moviam com precaução. A visão de suas formas era grotesca! Tinham em torno de 1,60 metro de altura. Cabeças circulares, incríveis olhos multifacetados, redondos, de tons azulados que cintilavam no escuro. De suas faces projetava-se uma tromba flexível órgão fonador, bem como de alimentação. Exoesqueletos de um amarelado metálico! Corpos longilíneos, dos quais se projetavam finos braços e finas pernas num total de seis como na maioria dos insetos. O abdome proeminente, oscilava ao ritmo da caminhada lenta daqueles seres abjetos. Em repouso atrás das costas, se achavam delicadas asas diáfanas, a única coisa bela na composição física daqueles perigosos artrópodes! Zé Gatão já havia lido sobre eles e em como sugavam inexoravelmente o sangue de qualquer mamífero que ficasse ao relento! Principalmente nas regiões de mata! Dos ambientes civilizados tinham sido erradicados há muito! Eram encontradiços em matas, florestas, pântanos e em uma
selva virginal como aquela. Além da horrível morte de ter ainda em vida o sangue sugado, quem tivesse a má sorte de cair nas garras dos mosquitos, ao ser picado teria a corrente sanguínea invadida por um protozoário localizado na tromba dos mesmos! Tal fato provocaria um violento torpor que deixaria a vítima incapaz de reagir! Poderia morrer durante o macabro repasto dos monstros hematófagos, ou se fosse deixada ainda viva, morreria de inanição, pois jamais conseguiria despertar do estado de profunda sonolência! Na jângal, fatalmente morreria antes, devorada por seus entes sempre à espreita e famintos! Ciente de tudo isso, Zé Gatão saltou bem na frente dos surpreendidos insetos, segurando firmemente o cajado! Pronto para o que desse e viesse!
    O felino cinzento não esperou que os feios insetos se refizessem do susto! Avançou sobre eles distribuindo pancadas! Os golpes impiedosos do cajado arrancavam cabeças e arrebentavam exoesqueletos, causando um pandemônio entre aquele enxame, o qual não esperava o surgimento daquele tufão tropical de carne e osso que o dizimava brutalmente! O som da luta e os alucinados zumbidos dos mosquitos em agonia, despertaram Karoll que começou a gritar aterrada no interior do abrigo, batendo as asas freneticamente, sem conseguir sair de seu poleiro improvisado!
    O grande gato se movia como num balé mortal! Parecia estar em todos os lugares e mesmo a fantástica capacidade dos mosquitos de enxergar em todas as direções e até mesmo o que havia em suas costas se mostrava inútil ante a rapidez seguida dos golpes tremendos, sempre certeiros que Zé Gatão aplicava em seus oponentes com sua força destruidora! O que o cajado acertava ele moía! Restaram apenas dois mosquitos vivos! O feroz enxame havia sido destruído! A dupla restante pensou em atacar um de cada lado e ao mesmo tempo! Só não imaginavam que Zé Gatão havia previsto tal ação, experimentado que era em luta corpo a corpo. Em um átimo, o grande felino lançou o cajado contra o mosquito que estava à sua esquerda! O pesado objeto atingiu um dos enormes olhos do artrópode! Seu zunido provocaria dó em quem o ouvisse, mas não em Zé Gatão! Enquanto aquele feioso se inclinava martirizado por uma dor sem descrição, o Gatão deu uma banda no mosquito da direita! No mesmo movimento esmagou explosivamente com a bota, a cabeça do mosquito ferido no olho, calando definitivamente seu estertorante zumbido! Como um raio, tomou do cajado caído e investiu contra o último mosquito. Este ergueu os bracinhos finos tentando defender-se!

    O cajado desceu incontinenti e atingiu o infeliz na área peitoral, a fendendo como fruta podre! Dali saiu uma gosma fedida e borbulhante! Zé Gatão pensou ouvir um tom de súplica na confusa zoada emitida por aquele ser desgraçado. Porém, tal qual uma insensível máquina de destruição continuou a bater até que só restasse uma massa informe do que um dia tinha sido um ser vivente!
    Um Zé Gatão suado, sujo e cansado adentrou na tosca tenda que havia construído. Falando em altos brados, Karoll voou até ele, que a envolveu em seus braços, procurando acalmá-la.
– Fique tranquila agora! A festa já terminou.
– Festa? Pensei que aqueles mosquitos terríveis o tinham massacrado, Zé! Tive tanto medo!
– Ora, eu tinha um “repelente especial” que deu um jeitinho neles! - A arara começou a rir escandalosamente! Mais de nervoso do que hilaridade! Zé Gatão não riu da própria piada. Continuou de modo lacônico: - Vamos descansar mais algumas horas. Vou me lavar ali no rio e vamos tratar de dormir.
– N-no rio? Mas…!
– Se aparecer alguma coisa pensando em me comer vai ter indigestão! - Fez esta observação e se retirou sem esperar resposta. Ao voltar, assegurou que por esta noite ninguém mais viria incomodá-los. - Falou mais para tranquilizar a arara-vermelha. De todo modo, seu sono era sempre leve e seu cajado cuidaria de qualquer intruso que teimasse em incomodá-los.

2 comentários:

  1. Uma noite de fato alucinante! Parece que o felino está com os nervos a flor da pele!

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    Respostas
    1. Obrigado pelo comentário, Elton!
      Sabe, quando li esta primeira parte, eu senti que estava, de fato, diante de algo diferente, uma aventura no estilo pulp, que ecoavam ao seriados dos anos 40 e 50. O Luca se superou, nessa!

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