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domingo, 26 de novembro de 2023

O DESENHISTA SOLITÁRIO DE DEUS

 Vamos começar com uma frase bem clichê: a pior solidão é aquela que sentimos rodeado por uma multidão. Experienciei isso desde que nasci. É como se alguém ao programar a minha vida tivesse esquecido de colocar na lista o "sentir-se bem adaptado às pessoas que o cercam ou ao meio em que vive"; eu tentei, tentei na tenra infância, na adolescência (um período cruel), tentei na vida adulta e tento agora na velhice fazer parte de um meio, agregar algo à sociedade que me circunvizinha sem o menor sucesso. Talvez falte alguma proteína no meu cérebro, ou enzima ou sei lá que nome se dê a isso, essa sensação de estar isolado de tudo e de todos mesmo com muita gente ao redor. E essa sensação de estar perdido no caos aumenta sobremaneira em momentos de violenta tensão (e eu tive a minha cota de terror e paranoia ao longo dos meus 60 anos, DEUS sabe!). No momento tudo está bem, mas o espectro do terror está sempre lá, atrás de um poste, misturado na multidão, parcialmente escondido numa negra nuvem de chuva, acenando, sussurrando: "vou te pegar quando você menos esperar!" E me mordo nessa expectativa. Me convenci, com o tempo, que me sinto assim, alijado de tudo, por não pertencer a esse planeta, não ser essa a minha pátria.

Ao longo da minha vida tive poucos amigos, digo, amigos verdadeiros com quem conseguia gastar mais de meia hora de conversa sem achar tedioso. Companheiros que gostavam de gibis, filmes, séries e livros. Parceiros que também curtiam Mad, Jack Davis, Will Eisner, Jack Kirby, Tarzan, Flash Gordon, Batman, Super Homem, Capitão América,  Hulk, Tintim, Spirit e Conan. Foram muito poucos e hoje não há QUASE nenhum. E não sei se pior ou melhor, deixou de ter importância. 

Outra coisa que me perturbou foi o relacionamento - sempre desastroso - com o sexo oposto. Nunca dei sorte nesse sentido mas na maior parte das vezes o culpado sempre era eu, reconheço. Se diziam que eu era amado, tinha que ouvir sempre, como se palavras legitimassem a emoção, nunca estava satisfeito, eu era insaciável, queria ser o número um, acima dos pais, dos filhos ou do que quer que fosse. Era infantil  demais, e me doava de corpo e alma em tudo, queria ser o amigo, irmão, pai e amante, como se assim - inconscientemente, que fique claro - eu pudesse comprar a alma da pessoa. Claro que num determinado momento isso sufoca, cansa e era sempre chutado.  Mas aprendi às duras penas, trancafiar essas loucuras no meu íntimo, tanto que me casei e mantenho preso esses animais dentro de mim, soltando-os apenas nos meus escritos, sejam quadrinhos, ilustrações pessoais ou contos.       

Tenho recebido mensagens de admiradores do meu trabalho dizendo o quanto gostaram de ZÉ GATÃO - SIROCO, o que me deixa muito feliz de verdade, e me pedem para não parar de publicar minhas HQs. Bem, não pretendo parar, enquanto houver quem me pague para fazer eu sigo nesta senda inglória, mais pelo prazer da criação (hoje quase inexistente, digo, o prazer) do que pelo retorno financeiro. 

Mas devo reiterar que projetos particulares, como Zé Gatão, não tenho nenhum. Sufoco na mente as ideias que aparecem para não cair na tentação de começar uma nova obra e ficar em cima dela por anos e depois me frustrar na hora de procurar uma editora e após isso, constatar que o material não vendeu bem.

ZÉ GATÃO se aposentou após Siroco, ele faz parte da família que eu tinha (meus pais, irmãos e filha) e onde eu sempre gostei de estar próximo. Com a partida de mamãe e Gil e o afastamento da Samanta, ele partiu também, mas......   ainda existem antigas HQs curtas inéditas, intimistas, guardadas em antigos envelopes que ainda podem vir a público, quem sabe? Se houver editor louco o suficiente como foram os que publicaram CRÔNICA DO TEMPO PEDIDO e MEMENTO MORI, para fazer acontecer, ok. Mas não vou me esforçar para que isso venha à luz.

Ainda labuto nos MITOS GREGOS, agora no último tomo que trata do nascimento dos deuses. RASTREADORES DE ALGURES, segunda parte, ganhando corpo, dez páginas do ZAMOR, para o amigo Franco de Rosa (parado, por hora) e o projeto em quadrinhos ligado ao filme de terror que tem o Lourenço Mutarelli como protagonista, em andamento. Como veem, tenho trabalhado febrilmente, mas sem conseguir grana para atender os inúmeros credores, não obstante, continuo insistindo.

Aos possíveis questionadores da minha vida cristã que poderiam me confrontar dizendo, "se o Espírito Santo vive em você, como pode afirmar que se sente sozinho? Não é hipocrisia de sua parte?" Eu respondo: já leram o antigo testamento? Em 1 Reis 19, vemos Elias isolado no deserto assim como outros profetas que não se sentiam incluídos no meio de Israel. E temos o novo testamento onde vemos João Batista solitário em áreas ermas. E o que dizer de Jesus, o Verbo Divino? Acham que Ele se sentia agregado a este mundo? Por fim concluo que se não fosse o Espírito de Deus em mim, eu com certeza não mais estaria neste mundo.

Abraços e fiquem com Deus!


 


 

 

8 comentários:

  1. Também me sinto isolado em certos lugares e ocasiões, especialmente em certas festas e churrascos de parentes. Menos quando tem gente com quem compartilhamos nossas predileções e valorizam o que fazemos

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    1. Certa vez eu fui a uma festa de aniversário de um amigo irmão, cara bem chegado, e mesmo conhecendo os outros convivas, me senti deslocado, fiquei sozinho num canto pensando na vida e o cunhado do aniversariante veio falar comigo, conversamos sobre bandas que gostávamos e assim, eu e ele, que também estava sem graça na festa, aproveitamos o momento e foi agradável. Acontece.

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  2. Cara, o que eu posso dizer? Você está nas minhas orações. Conhecê-lo foi uma honra e uma grata surpresa. E ainda vou escrever aquele texto que você pediu. Aguarde! Abraços!

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    1. Obrigado pelo carinho, orações e comentário. Sobre o texto, faça no seu tempo.
      Abração!

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  3. Muito bom texto. Eficaz para dar uma satisfação aos seus fãs e para informar das chances de Zé Gatão ter uma sobrevida. Gostei do título. Eu poderia usar esse nome para mim mesmo, se não achasse que Deus não curtiria, já que, opostamente a você, sou um Desenhista Solitário (e eternamente inédito) das trevas.
    Sabe que entendo essa sua inadequação. Mas ao contrário de você eu amo a solidão e não sinto falta de ninguém, a não ser dos filhos (o dia hoje foi com dois deles) e dos amigos. As demais pessoas me dão asco e enfado.
    Força aí e grande abraço!

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    1. Obrigado, meu caro!
      Uma coisa que não deixei claro no texto é que a necessidade de fazer parte de um meio só durou até a adolescência, ao final dela eu já saquei que não fazia parte desse mundo e minha solidão se tornou a companheira ideal, hoje isso não me incomoda. No seu caso, você optou por viver só, mas eu vivo cercado de pessoas e sou frequentemente incompreendido, o que aumenta a sensação de inadequação e para mim, não é situação confortável, por sempre acharem que estou no lado errado da questão.
      Abraço e fica frio, estou tranquilo.

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  4. Toda vez que escrevo aqui, tento disfarçar o sentimento de ingratidão que me corrói a consciência por não comentar com a frequência que seus posts merecem, pelos motivos que já expliquei, prefiro me abster, o problema é que alguns deles são irresistíveis por descreverem sentimentos e acontecimentos praticamente idênticos a minha história de vida e forma de ver o mundo. Se sentir um alienígena no planeta Terra não é exclusividade de ninguém, foi assim comigo até dentro da minha família. A falta de aptidão em relação ao trato adequado para o sexo oposto também entra pro rol de defeitos latentes. Tive muita sorte, talvez pela boa conversa, educação e gentileza em ter tido relacionamentos com meninas lindas interna e externamente (grana não foi pq sempre fui um fodido), mas sempre falhei em ser sensível aos sentimentos das pessoas ao meu redor. De forma alguma ser cristão é sinônimo apaziguamento com a sociedade, como católico não encontro conexão com os frequentadores das igrejas já há muito, no entanto, procuro sempre me aproximar de Deus e sei que quando o sinto distante, é por exclusiva culpa minha. Pensar que chego aos 50 com relacionamentos familiares reduzidos a 2 gatas, uma mãe de 78 anos e um irmão da sua idade, mesmo assim, cada um em sua casa. O que realmente me aflige é a degeneração física, aquela falta de animo que temos na juventude que nos faz mentalmente gritar um sonoro fod4-se e continuar de punhos serrados, hoje faço tudo no automático, até ir na padaria comprar pão tornou-se um fardo, ainda mais com as dores da carne chegando muito antes do esperado (em parte por doença autoimune que me acompanha desde a infância), o trabalho que outrora foi escolhido por ser algo que eu amava na juventude, hoje é quase como um verdugo me encarando com o machado na mão. Não acho natural ao se tornar mais velho, ser uma versão menor do que já foi. Não fosse pelo meu ímpeto na juventude eu nem conheceria Zé Gatão. Saia de Campinas em dias de folga 5 horas da manhã, ia de ônibus para Sampa, e lá ia pra todo lado com o metrô até o fim do dia e, num desses dias conheci o Zé Gatão na Muito Prazer que costumava ir toda vez, (essa revista me foi roubada alguns anos depois, lá por 2009 eu a comprei novamente num Sebo na minha cidade ). Essa semana que recebi Siroco no momento que abri o envelope e sabendo que aquele era o derradeiro capítulo, um filminho daquele dia e dos outros onde comprei os demais álbuns, passou pela minha cabeça e parece que um ciclo da minha vida também se encerrou. Eduardo, saiba que torço por você, mesmo sendo pessoas completamente diferentes, vejo muitas similaridades em nossas vidas, me pesa pensar a dor que deva estar sentido pelas perdas recentes e também pelo afastamento da filha, creio que isso deva ser um tormento corrosivo, mas como podemos ver pelos comentários, tem gente que se importa, não estamos tão sozinhos assim, um grande abraço e fique com Deus.

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    1. Gosto de comentários grandes, gosto mesmo e foi com imensa satisfação que li o seu. Antes de replicar, o meu sincero obrigado!
      Há muito o que responder, mas o tempo e a devida concentração me impedem. Sim, pelo que você narrou existem similaridades entre nós, entre o que podemos dizer excluídos ou até os que se auto excluem (não sei se fui claro). Somos mesmo difíceis de se adequar aos outros e principalmente às OUTRAS. É difícil mesmo acertar no alvo.
      Vou focar meu comentário na parte do Zé Gatão, gosto de saber como meu trabalho chegou à vida do público. Ruim pra você mas interessante saber que alguém roubou o Cidade do Medo, mostra que houve interesse. E mais ainda, que o encerramento prematuro da saga te tocou ao ponto de gerar essas emoções. Lamentei também mas como dito na postagem, temos que saber o momento certo de jogar a toalha. Há ainda material inédito, se veremos publicado, o tempo dirá.
      Mais uma vez, gratidão!
      Abraço!
      Fique com DEUS!

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ZÉ GATÃO POR THONY SILAS.

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