img { max-width: 100%; height: auto; width: auto\9; /* ie8 */ }

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

CARPE DIEM

- E então, almoça comigo hoje? - Pergunta o rapaz para a moça que está sentada atrás da maquina de datilografia na seção de pessoal.
- De novo? Almocei na sua casa ontem, fico sem graça com sua mãe, eu indo lá todos os dias...
- Ah, minha mãe gosta quando você vai lá, e depois não seria em casa, mas num self-service na 104.
- Não sei, acho que você não devia gastar seu dinheiro.
- Ah, deixa disso, vamos ou não?
A garota olhou o rapaz de forma um tanto cismada, pensou no estômago vazio, na grana que precisava economizar para pagar suas dívidas, daí falou: - Certo, passa aqui ao meio dia.

Tempos depois eles caminhavam lado a lado pelas calçadas quebradas das entre-quadras de Brasília, ele, de tênis, trajando seu jeans e camisa esporte que deixavam eminente seu físico atlético, ela, uma mini-blusa e uma saia branca longa, com bolsos grandes que escondia seus quadris generosos, pernas bem torneadas e sandálias baixas. Entre eles uma espécie de muro invisível se erguia tornando-os quase estranhos um ao outro. O rapaz tentava criar coragem para perguntar o que estava saindo errado. Meses atrás ela parecia tão apaixonada, a ponto de ir atrás dele na faculdade, de praticamente sequestra-lo, levando-o para os motéis do Núcleo Bandeirante quase todos os fins de semana. Mas ele tinha medo de precipitar os acontecimentos, temor que ela uma vez encostada na parede, dissesse que o amor morrera, que era melhor permanecerem amigos apenas. Na verdade nas últimas semanas, era isto mesmo que acontecia, amigos que praticavam sexo. Pagar o almoço, emprestar dinheiro que nunca aceitava de volta e coisas do tipo, para ele era uma forma de dizer que a amava, que era um fiel companheiro de todas as horas, que valia a pena estar ao lado dele.

- Rapaz, hoje eu estou peidando muito - disse a garota quebrando o gelo.
- Eu hein!!!
- É sem cheiro seu bobo, só vento.
Esta era uma coisa que ele também gostava nela, esta espontaneidade, uma simplicidade quase infantil para falar de certos assuntos. Para ele, quase um alívio por ela demonstrar assim uma intimidade que sempre os uniu, uma cumplicidade construída ao longo do tempo.

Chegaram ao restaurante, fazia um clima tépido, um tanto incomum para a cidade naquele meio de ano.
Ela fez seu prato, arroz, purê, peixe e salada; ele, arroz com brócolis, bife grelhado, grão de bico, legumes e muitos ovos de codorna. Estes ovinhos difíceis de descascar, rico em albumina não podiam ser desperdiçados. Ele só comprometeu sua refeição exagerando no molho rosé.
Comeram em silêncio.
A moça olhava o varão, parecia admira-lo, o físico definido, de barriga dura como rocha. Gostava da forma educada como ele comia. Queria ter coragem para falar a ele daquilo que a angustiava, seu anseio por liberdade, buscar um rumo que a afastasse da mediocridade que era sua vida, mas tinha que fazer isto sozinha.
O rapaz queria casar, era talhado para o casamento, seria excelente marido, ótimo pai, mas não com ela, já tinha sido casada, um inferno em vida. Para ela bastou. Ele ficaria sabendo desses sentimentos ruminados através da irmã dela muito tempo depois.

O jovem observava discretamente a moça mastigar, os olhos grandes e vivos, o narizinho bem afilado, os fartos cabelos castanhos num corte que em anos vindouros chamarão de cafona. Lá, no íntimo, ele sabia que já a havia perdido, estava ciente de que não era amado. O que queria ela? Alguém mais alto? Com mais dinheiro? De olhos claros? Sentiu tristeza. Sentiu pena. Pena dela. Pena por ela. Num mundo mau como este em que vivemos, quem iria apoia-la, ouvi-la e protege-la?

Ele nada podia fazer, apenas aproveitar pequenos momentos ao lado dela enquanto ainda era possível.
- Eu ainda acho que você devia economizar seu dinheiro, eu faria um lanche lá na cantina da repartição, você mora perto do trabalho, podia almoçar em casa.
Ele nada respondeu, apenas levantou-se e pagou a conta.

Caminharam lado a lado de volta ao serviço. O muro invisível entre eles agora parecia mais alto que nunca.

ESTA HISTÓRIA É VERÍDICA E ACONTECEU EM 1988.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ZÉ GATÃO POR THONY SILAS.

 Desenhando todos os dias, mas como um louco, como fiz no passado, não mais. Não que não queira, é que não consigo; hoje, mais que nunca eu ...