img { max-width: 100%; height: auto; width: auto\9; /* ie8 */ }

sábado, 30 de maio de 2020

INFERNO VERDE parte 3. Um conto de Luca Fiuza ilustrado por Eduardo Schloesser

Zé Gatão:

INFERNO VERDE.

25/02 a 28/02/20.

Parte3:

    Durante a madrugada começou um temporal que se prolongou até ao amanhecer e pelo visto, prosseguiria pelo resto daquele dia. O calor úmido e pesado era onipresente. Zé Gatão e Karoll foram retirados da cela e conduzidos sem amarras, mas ladeados por uma pequena e carrancuda tropa até um grande salão de pedra, onde o líder e a fina-flor daquela estranha sociedade os aguardava, acomodados em uma imensa mesa granítica cheia de iguarias finas e frutos variados. Para beber o encorpado leite vindo de uma comunidade servil de cabras das montanhas nevadas, mais a sudeste. O líder das Panteras Negras recebeu seus hóspedes involuntários de maneira relativamente amável. Pequenos felídeos amarelos rajados de preto, se aproximaram diligentes, cuidando para que o felino cinzento e a ave encarnada fossem bem tratados. Enquanto todos degustavam a lauta refeição, o líder apresentou a nata da Sociedade, formada por machos e fêmeas de aparência untuosa e ociosa com ares de superioridade. Karoll levantou, curvando-se em exagerada mesura. Zé Gatão se limitou a um leve aceno de cabeça. Intimamente, detestava a empáfia dos assim chamados “bem-nascidos” que se achavam melhor do que o comum dos mortais! A seu ver, não passavam de inúteis sacos de gordura a parasitar a Sociedade!

Após o café, o líder encaminhou seus hóspedes a uma outra dependência do enorme palácio. Ampla, maciça, ar solene e místico. Lá os aguardava o sacerdote que Zé Gatão e Karoll já tinham antes visto na companhia do líder e seu séquito. Após uma breve conversa do poderoso mandatário com o místico, Karoll explicou ao felino taciturno que um ritual de purificação ia ser realizado. Que o grande gato nada receasse. Era totalmente indolor. Zé Gatão assegurou estar tranquilo. Dirigiu-se para um assento de pedra como indicado por meio de sinais pelo sacerdote. Sentou-se junto a um braseiro aceso de pés altos. O xamã jogou primeiro um pó negro no braseiro, seguido de algumas ervas aromáticas. Formou-se uma densa fumarada escura que envolveu o felino acinzentado. Uma cantoria monótona se elevou da boca do sacerdote. Seus acólitos lhe fizeram companhia e o som daquelas vozes em uníssono se elevou, enchendo o recinto. Por um tempo que pareceu elástico durou aquele estranho ritual. Quando a fumaça se dissipou e a canção cessou, Zé Gatão surpreendido percebeu que podia entender perfeitamente a linguagem de seus captores! O líder dirigiu-se a ele:

– Agora podemos entender-nos, ó infiel! Já não preciseis mais de intérprete, como vês!

– Incrível! Como fizeram isto? - Indagou atônito, o felino gris. O líder sorriu com condescendência, afirmando:

– Mágica, incréu! Muito além de tua limitada compreensão! Vinde comigo, tu e tua acompanhante! Precisamos parlamentar! - Com um breve olhar para o sacerdote e seus asseclas, o potentado se retirou seguido por seu cortejo com seus “convivas” entre eles.

    Após percorrerem inúmeros corredores, adentraram em uma área ajardinada, protegida da chuva que pareceu a Zé Gatão e a Karoll um lugar de descanso e meditação. Havia uma grande mesa central com imensas cadeiras, tudo de pedra como era usual naquela portentosa e ciclópica edificação. Novamente foram todos servidos solicitamente pelos pequenos felinos rajados. Desta vez, uma bebida saborosa e aromática que lembrava o vinho tinto. O líder parecia mais descontraído. Em um tom quase amigável,
quis saber de onde vinha o felino sorumbático e como viera parar na selva. Em breves palavras, Zé Gatão relatou suas andanças desde que deixara a aldeia dos gatos pescadores até o inesperado sequestro que o levara até ali, tanto ele quanto sua amiga emplumada. O Gatão notou um brilho fugaz nos olhos de seu interlocutor, seguido pelas seguintes palavras:

– Então és um guerreiro! Enfrentaste os perigos da jângal com galhardia! Pelos deuses! Se eu não te tivesse prometido ao Grande Senhor dos Jaguares…! Faria de ti, sem pestanejar, comandante de meus exércitos! E mais! Poderia ter em fim, o amigo e confidente que me falta em minha solidão no Poder! És um felino honrado e muito lamento ter que entregar-te à sanha dos cultistas de nossa deusa, a Serpente Emplumada!

– Poderia nos soltar e dizer que escapamos e…! - Estrilou Karoll eriçando a plumagem vermelha. O líder balançou a cabeça tristemente, dizendo: – Não é mais possível engendrar tipo nenhum de estratagema, bela ave! A mensagem de vossa captura já foi enviada! Em breve, um destacamento de Jaguares virá buscar o cinzento. Tu, porém, és livre! - Karoll meneou a cabeça, contrariada, afirmando:

– Aonde o Gatão for, eu irei! - O monarca sorriu, compreendendo. Proferiu estas palavras em tom de pronunciamento: - Felino cinza e arara! A partir de agora, vós não sois mais prisioneiros! Sois meus hóspedes e meus amigos! Espero que não quebreis a promessa que fiz ao Senhor dos Jaguares! Se intentarem a fuga, não vos deterei, mas é certo que meu povo será destruído!

– Tem a nossa palavra, majestade! Não é, Karoll? - A arara olhou incrédula para o amigo, mas uma piscadela de olho deste a fez entender que a tal promessa não valeria mais quando estivessem entre os Jaguares! “Belo consolo!” Pensou a ave, desanimadamente. Contudo, mesmo temendo os horrores do porvir, não abandonaria jamais seu amigo e salvador! Morreriam juntos!

A voz do líder, pedindo que o acompanhassem acordou Karoll para a realidade. O novo amigo chamava-se Kinich Kukulkan. Durante uma semana, o felino tristonho e a arara carmesim viveram agradavelmente no gigantesco templo como hóspedes de honra daquela incrível raça de felinos cor de ébano. Andavam livremente por suas dependências e Zé Gatão já não achava a nobreza e a Casa reinante tão antipáticas como antes.

    Há dias que a chuva caía copiosamente sobre a região. Tal fato explicava a demora dos Jaguares. Quando o tempo melhorasse, certamente apareceriam para reclamar suas vítimas! Até lá, não havia nada a fazer, senão aprender os costumes daquele povo inusitado.

    Durante uma tempestuosa manhã, em meio à primeira refeição do dia, Kinich quis saber sobre o mundo fora da selva, a terra de onde Zé Gatão tinha vindo e que ele chamava de Civilização. Dentro do possível, o felino casmurro contou um pouco daquela realidade ao surpreendido monarca, o qual chegou a duvidar das maravilhas, das mazelas e da quantidade impressionante de seres que viviam para além de seus selváticos domínios. Kinich refletiu um bocado, dizendo entre dentes:

– Um dia hei de anexar esta tua Civilização ao meu reino!

– Nem pensar, meu amigo! - Redarguiu seriamente o felino cinzento – Existem armas e máquinas que poderiam destruir vocês em um piscar de olhos e nossos exércitos são mais numerosos que os enxames de mosquitos que infestam suas matas! Se os civilizados um dia os descobrirem, vocês todos e os Jaguares estarão condenados à extinção! E não será a primeira vez!

– Estás me dizendo a verdade, ó Gatão?

– Estou, majestade! Meu mundo é brutal e injusto! Os governantes são rapaces e a miséria grassa nas grandes cidades! Os poderosos vivem como sanguessugas às custas desta miséria, aumentando suas riquezas e seus bens, enquanto o animal comum trabalha até morrer sem chance de melhorar de vida! - E continuou:

– Creia, sua Sociedade é completamente diferente da minha. - O felino furtou-se de mencionar as oferendas vivas devidas a deuses impiedosos e a escravização de outros povos felídeos praticados pelos Panteras. Ele mesmo estava fadado a ser sacrificado. Entendia perfeitamente que era parte da Cultura daqueles “estranhos gatos.” Contudo, em seu íntimo, não pretendia ser imolado em holocausto a nenhum deus ou deusa sedentos de seu sangue! Uma coisa era compreender aquela realidade e outra era ir docilmente ao matadouro!

    Ao terminar o repasto, retirou-se com Karoll para os seus novos aposentos, enquanto seus anfitriões foram cuidar de seus afazeres, prometendo continuar a conversa ao jantar. Sozinhos e sem a presença de ouvidos indiscretos, trocaram ideias sobre seus próximos passos:

– Acho melhor nos deixarmos levar até o reduto dos Jaguares, Karoll.

– Por que, Gatão? Poderíamos tentar escapar durante o trajeto e sumir no meio da mata.

– Pura ilusão! Seríamos capturados outra vez! Lembre-se que nossos captores conhecem estas terras como a palma da mão e nem mesmo você poderia arranjar uma rota segura para escapar deles! Posso estar errado, mas acho que na toca dos Jaguares teremos maior chance de virar a mesa a nosso favor!

– Queiram os deuses! Ahhh! O que estou dizendo?! Os deuses querem é a nossa pele!     Zé Gatão não se dignou a responder. Apenas pediu que Karoll parasse de se angustiar antes do tempo.

2 comentários:

  1. O Gato não pode negar que ela realmente está certa em ficar tensa. Entretanto, a presença de reinos distantes que tem vidas totalmente diferente do resto do mundo são panos de fundo interessantes.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Com certeza, meu caro!
      Agradeço seu comentário e prestígio!
      Abraço!

      Excluir

ZÉ GATÃO POR THONY SILAS.

 Desenhando todos os dias, mas como um louco, como fiz no passado, não mais. Não que não queira, é que não consigo; hoje, mais que nunca eu ...