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sexta-feira, 24 de abril de 2020

INFERNO VERDE 1 - Um conto escrito por Luca Fiuza e ilustrado por Eduardo Schloesser.

Zé Gatão – Aventuras na Natureza:
Esta aventura se passa logo depois de Fúria.

INFERNO VERDE.
03/11 e 04/11/19.

Parte 1:

    Por muitos dias, Zé Gatão atravessou a grande planície verdejante. Sua figura se confundia com a imensa amplidão, onde se enxergava à distância e o céu parecia em muitos momentos se fundir ao terreno em que o felino pisava.
    Em uma ensolarada manhã, o grande gato chegou à fímbria de uma imensa selva exuberante, conhecida como a Grande Floresta Chuvosa, ou o Inferno Verde. Ao penetrar nesta selva, sentiu enorme mudanças! Principalmente no que concerne ao clima! Na ampla planície, os dias eram frescos e as noites tépidas. Na selva, o calor opressivo e úmido se fazia sentir, dando a impressão de se estar trancado em uma gigantesca sauna a vapor. Sob as árvores monumentais e luxuriantes reinava a penumbra. Ouviam-se sons variados, gritos de animais, o murmurejar da água de rios caudalosos pouco distantes e o cicio ininterrupto de insetos de todo tipo.

    O felino estava em alerta! Na planície se sentia em segurança, mas naquela mata densa, os perigos poderiam surgir de qualquer ponto! Inesperadamente! Avançou por quase um dia inteiro por uma trilha difícil, pisando em um solo fofo, coberto de folhas mortas e bastante irregular. Apesar de sua conhecida resistência física, ficou bastante cansado e assim, ao cair da tarde, resolveu acampar perto de um rio de águas barrentas que localizou em uma pequena clareira com espaço suficiente para montar uma cobertura rústica de galhos e folhas arrancados de árvores para passar a noite. Se encontrava dando um retoque final na cama de galhos e folhas, amarrada um pouco acima do solo, quando ouviu um grito de algum ser em dificuldades! O som daquela voz aterrorizada lembrou-lhe a de Flint! O papagaio amigo do capitão do Cloaca dos Mares! Devia ser alguma ave daquela espécie, com certeza! Guiado pelos lamentosos apelos, encontrou uma ave de corpo esguio, pele encarnada e face emplumada da mesma tonalidade, solidamente enlaçada por uma boídea! Uma enorme serpente constritora sobre a qual já lera, mas que nunca vira com seus próprios olhos! O gigantesco réptil voltou-se iracundo para o intruso que se atrevia a interromper sua refeição e sibilando ferozmente, atirou-se contra ele sem contudo, libertar sua presa dos anéis carnosos que a envolviam! A pobre ave se achava meio desfalecida, devido à violenta pressão sobre seu frágil corpo, tendo podido antes de desfalecer emitir apenas aqueles gritos de desespero! O felino portava um cajado nodoso que usava para ajudá-lo a caminhar naquele terreno movediço! Esquivou-se agilmente da investida da cobra e brandiu o cajado brutalmente na cabeçorra da serpente. A criatura emitiu um aterrador silvo de dor e entendeu que precisava dar atenção integral aquela ameaça, ou do contrário pereceria! Desta forma, o monstro reptiliano libertou sua vítima e em um movimento coleante tentou enlear seu algoz em um abraço fatal! Mais uma vez, a fantástica agilidade de Zé Gatão evitou o ataque. Porém, o solo escorregadio traiu o felino, fazendo-o escorregar e possibilitando que a terrível serpente anelasse sua perna direita, puxando o gato violentamente para si! O grande gato vibrou novamente o cajado contra a cabeça da atacante com toda a força de seu braço, fendendo sua pele escamosa e arrancando sangue! O silvo de dor, raiva e desespero parecia um urro! Tremendo e serpenteando, a fera conseguiu circundar a cintura do felino cinzento, enquanto uma forte pressão começava a ser feita, no sentido de esmagá-lo! “Ah! Pensou a cobra! Que repasto excelente agora tenho! Melhor será que uma mirrada, ossuda e ridícula arara!”
    Percebendo que se não agisse de imediato estaria perdido, Zé Gatão agarrou o sólido cajado com as duas mãos e desferiu potentes bordoadas contra a cabeça de seu verdugo, não dando tempo à cobra de recuar esta parte do corpo para uma distância segura! A cada golpe, a pressão sobre o musculoso corpo do felídeo acinzentado cedia um pouco e convulsões
intensas tomavam seu lugar! A frouxidão do aperto mortal deu ao grande gato a condição de mexer-se! Como um bólido, saltou sobre a enfraquecida serpente e desceu o cajado! Batendo até transformar a cabeça da cobra em um mingau sanguinolento. O corpo titânico a escabujar nos estertores da morte!

    Esgotado, Zé Gatão deixou-se ficar caído ao lado do extenso cadáver da serpente, a qual deu por fim, um último e longo arrepio para depois para sempre aquietar-se. Após descansar por alguns minutos, o gato cinza levantou-se e foi ver o estado da arara-vermelha, tombada ao lado da carcaça da boídea morta. Constatou com prazer que a ave ainda vivia, embora ainda desmaiada. Carregou-a com facilidade até a beira do rio e gentilmente, borrifou um pouco d’água em sua face. A desafortunada criatura despertou lentamente, e desferiu um grito angustiado, acreditando continuar presa aos mortais anéis serpenteantes da cobra monstro! Zé Gatão notou tratar-se de uma fêmea e procurou tranquilizá-la dando à voz um tom calmo e conciliador. Ela se acalmou e o olhou agradecida, entendendo prontamente que aquele era seu salvador. No mesmo instante, seus olhos revelaram uma nova onda de temor! Pediu insistentemente que se abrigassem, pois a noite não tardaria a cair e os perigos dela advindos eram dos mais terríveis! Realmente, o sol estava prestes a se por e pelo vento relativamente frio que começou a soprar de repente, estava para chegar uma forte tempestade. Para evidenciar tal fato, a trovoada soou à distância. Zé Gatão carregou a arara até seu acampamento improvisado. À sugestão da simpática ave, recolheu o cipó de uma árvore e de seu interior retirou um tipo de substância muito boa para fazer fogo e logo uma fogueira, debaixo do teto de folhas da rústica tenda, crepitava aos últimos raios do sol que se deitava. Meia hora depois o mundo desabou num temporal violentíssimo!
    A escuridão da noite era iluminada pelos relâmpagos ao ribombante som de monumentais trovoadas! Mas gato e arara estavam bem protegidos. Depois de uma hora de chuva torrencial, os ruídos da noite puderam voltar a ser ouvidos com o fim da tormenta. Zé Gatão e a arara estavam conversando, uma vez que ambos não conseguiam dormir, devido ao pesado calor reinante, apesar da chuvarada. A ave de tez vermelha falava com emoção na voz típica dos psitacídeos:
– Quero agradecer mais uma vez por ter salvo minha vida!
– Não podia deixá-la morrer daquela forma! Além disso, detesto cobras!
– Eu as temo! Eu me distraí! Desci ao chão para procurar um tipo de vermezinho que muito aprecio como quitute e quando dei por mim, estava enlaçada nos anéis da serpente! Se você não tivesse chegado…!
– Esqueça isso! - Retrucou o felino, procurando avivar o fogo com mais da substância do cipó e gravetos meio úmidos que também recolhera mais cedo.
– Não! A culpa foi minha! Você é um civilizado, não? Vivi prisioneira um longo período no mundo civilizado, presa na casa de um animal riquíssimo que me exibia a todos como um exótico troféu! Um dia uma instituição governamental me encontrou. Fui libertada e trazida de volta para esta selva onde nasci, e passei os primeiros anos de minha existência. Mas, o convívio com a Civilização deixou sequelas! Parte dos meus sentidos ficaram meio embotados, o que me expõe aos perigos da mata! E o pior! Meus semelhantes me veem com maus olhos! Não confiam em mim e me renegam! Sou uma criatura solitária!
    Zé Gatão ficou penalizado, mas nada disse. A arara continuou: - Me chamo Karoll. Posso ficar com você?
O felino taciturno refletiu, ainda calado. Então disse:
– Não vejo problema nisto. - O rosto da psitacídeo se iluminou! Intimamente, o gato ponderou que sendo a arara habitante e familiarizada com a região seria de grande ajuda para lidar com os perigos da selva e inclusive ajudar no deslocamento seguro em meio aquele emaranhado vegetal. Além disso, sem o admitir em voz alta estava começando a afeiçoar-se a ela. Karoll perguntou seu nome e o felino laconicamente respondeu: - Zé Gatão.
    O felino recomendou que deixassem o bate papo para o dia seguinte. Era de bom alvitre descansar adequadamente, pois os próximos dias seriam pedreira! Karoll empoleirou-se em um galho junto ao teto de folhas e Zé Gatão estendeu-se na cama suspensa que havia construído. Contudo, menos de duas horas depois, um estranho ruído despertou o grande gato e o vento trouxe um odor desagradável de sangue podre. Ainda deitado, o felino gris estendeu a mão e segurou seu cajado, do qual nunca se separava. Karoll ainda dormia, cabeça avermelhada pendida para frente. Melhor assim!

    O musculoso felídeo mexeu-se! Sua visão aguda devassou a escuridão. Movendo silenciosamente o corpanzil, esgueirou-se, saindo ao ar livre não pela entrada de sua tosca habitação, mas pela parte de trás. Como uma sombra fantasmagórica, contornou-a e entre a vegetação onde se ocultou viu algo que não pode deixar de assombrá-lo, se aproximando da tenda artesanal! Era um bando de mosquitos!
    As asquerosas criaturas se moviam com precaução. A visão de suas formas era grotesca! Tinham em torno de 1,60 metro de altura. Cabeças circulares, incríveis olhos multifacetados, redondos, de tons azulados que cintilavam no escuro. De suas faces projetava-se uma tromba flexível órgão fonador, bem como de alimentação. Exoesqueletos de um amarelado metálico! Corpos longilíneos, dos quais se projetavam finos braços e finas pernas num total de seis como na maioria dos insetos. O abdome proeminente, oscilava ao ritmo da caminhada lenta daqueles seres abjetos. Em repouso atrás das costas, se achavam delicadas asas diáfanas, a única coisa bela na composição física daqueles perigosos artrópodes! Zé Gatão já havia lido sobre eles e em como sugavam inexoravelmente o sangue de qualquer mamífero que ficasse ao relento! Principalmente nas regiões de mata! Dos ambientes civilizados tinham sido erradicados há muito! Eram encontradiços em matas, florestas, pântanos e em uma
selva virginal como aquela. Além da horrível morte de ter ainda em vida o sangue sugado, quem tivesse a má sorte de cair nas garras dos mosquitos, ao ser picado teria a corrente sanguínea invadida por um protozoário localizado na tromba dos mesmos! Tal fato provocaria um violento torpor que deixaria a vítima incapaz de reagir! Poderia morrer durante o macabro repasto dos monstros hematófagos, ou se fosse deixada ainda viva, morreria de inanição, pois jamais conseguiria despertar do estado de profunda sonolência! Na jângal, fatalmente morreria antes, devorada por seus entes sempre à espreita e famintos! Ciente de tudo isso, Zé Gatão saltou bem na frente dos surpreendidos insetos, segurando firmemente o cajado! Pronto para o que desse e viesse!
    O felino cinzento não esperou que os feios insetos se refizessem do susto! Avançou sobre eles distribuindo pancadas! Os golpes impiedosos do cajado arrancavam cabeças e arrebentavam exoesqueletos, causando um pandemônio entre aquele enxame, o qual não esperava o surgimento daquele tufão tropical de carne e osso que o dizimava brutalmente! O som da luta e os alucinados zumbidos dos mosquitos em agonia, despertaram Karoll que começou a gritar aterrada no interior do abrigo, batendo as asas freneticamente, sem conseguir sair de seu poleiro improvisado!
    O grande gato se movia como num balé mortal! Parecia estar em todos os lugares e mesmo a fantástica capacidade dos mosquitos de enxergar em todas as direções e até mesmo o que havia em suas costas se mostrava inútil ante a rapidez seguida dos golpes tremendos, sempre certeiros que Zé Gatão aplicava em seus oponentes com sua força destruidora! O que o cajado acertava ele moía! Restaram apenas dois mosquitos vivos! O feroz enxame havia sido destruído! A dupla restante pensou em atacar um de cada lado e ao mesmo tempo! Só não imaginavam que Zé Gatão havia previsto tal ação, experimentado que era em luta corpo a corpo. Em um átimo, o grande felino lançou o cajado contra o mosquito que estava à sua esquerda! O pesado objeto atingiu um dos enormes olhos do artrópode! Seu zunido provocaria dó em quem o ouvisse, mas não em Zé Gatão! Enquanto aquele feioso se inclinava martirizado por uma dor sem descrição, o Gatão deu uma banda no mosquito da direita! No mesmo movimento esmagou explosivamente com a bota, a cabeça do mosquito ferido no olho, calando definitivamente seu estertorante zumbido! Como um raio, tomou do cajado caído e investiu contra o último mosquito. Este ergueu os bracinhos finos tentando defender-se!

    O cajado desceu incontinenti e atingiu o infeliz na área peitoral, a fendendo como fruta podre! Dali saiu uma gosma fedida e borbulhante! Zé Gatão pensou ouvir um tom de súplica na confusa zoada emitida por aquele ser desgraçado. Porém, tal qual uma insensível máquina de destruição continuou a bater até que só restasse uma massa informe do que um dia tinha sido um ser vivente!
    Um Zé Gatão suado, sujo e cansado adentrou na tosca tenda que havia construído. Falando em altos brados, Karoll voou até ele, que a envolveu em seus braços, procurando acalmá-la.
– Fique tranquila agora! A festa já terminou.
– Festa? Pensei que aqueles mosquitos terríveis o tinham massacrado, Zé! Tive tanto medo!
– Ora, eu tinha um “repelente especial” que deu um jeitinho neles! - A arara começou a rir escandalosamente! Mais de nervoso do que hilaridade! Zé Gatão não riu da própria piada. Continuou de modo lacônico: - Vamos descansar mais algumas horas. Vou me lavar ali no rio e vamos tratar de dormir.
– N-no rio? Mas…!
– Se aparecer alguma coisa pensando em me comer vai ter indigestão! - Fez esta observação e se retirou sem esperar resposta. Ao voltar, assegurou que por esta noite ninguém mais viria incomodá-los. - Falou mais para tranquilizar a arara-vermelha. De todo modo, seu sono era sempre leve e seu cajado cuidaria de qualquer intruso que teimasse em incomodá-los.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

A FÚRIA - Um conto escrito por Luca Fiuza e ilustrado por Eduardo Schloesser.



Zé Gatão – MICROCONTOS:
Esta aventura se passa logo depois de Karenina.

A FÚRIA.

31/10/19 a 01/11/19.

A tarde de verão estava avançada. Em poucas horas cairia a noite. Zé Gatão havia caminhado o dia inteiro pelo tranquilo bosque. Mochila às costas, sem parar para descansar ou comer algo. Ainda assim não estava cansado. Enlevado pela beleza e quietude daquelas paragens agrestes, renovado pela pureza do ar, distante das opressivas megalópoles, estava considerando não voltar tão cedo aquelas monstruosas, poluídas e apinhadas urbes que por sinal, detestava! Gostava da vida livre, solitária! Se não visse mais um ser dito civilizado se daria por satisfeito.

Ainda sob as fracas luzes do poente, encontrou uma elevação em uma pequena clareira, onde resolveu deter-se e levantar acampamento. Dali só se moveria às primeiras luzes do alvorecer. Em um regato próximo de águas cristalinas encheu seu grande cantil até a boca. Ao brilhar as primeiras estrelas da noite, se achava sentado ao pé de uma fogueira. Esquentou em uma pequena panela de ferro o resto da sopa que havia trazido da casa de Bento, o simpático gato pescador que o acolhera semanas atrás e tomou da frugal refeição na panela mesmo, saboreando seu saboroso conteúdo com vagar. Saciada a fome, arrancou um talo de capim e pôs-se distraidamente a mascá-lo, sem pensar em nada em particular, apenas sentindo o prazer de estar vivoapesar de um que de melancolia se imiscuir em seu espírito naquela tão calmosa hora, como aliás era mais afeito à sua natureza.

Ficou a cismar. O sono não vinha, mas o felino cinzento não se importava. Em sua mente desfilavam as imagens das diversas fêmeas que passaram por sua vida. Tinha tido muitas, mas estava sempre só! Há anos perseguia a quimera de ter alguém, de formar uma família! Ele? Um sujeito sem eira nem beira? Pouco ou nenhum dinheiro no bolso! Apenas um nômade, um andarilho! Tal qual um marujo navegando em mar revolto, parando de porto em porto! Aqui, acolá! Sem nunca se fixar em lugar algum! Riria se tivesse humor para tanto!

Uma leve brisa noturna agitava seus cabelos acinzentados, presos no notório rabo de cavalo. A aragem também trouxe às suas narinas sensíveis, um odor adocicado! Um tipo de almíscar que colocou-o em alerta! Sua apurada audição aguçou-se, mas nada ouviu além dos ruídos da noite, tão comuns nas matas. Apesar de tudo parecer inalterado, sentiu que havia uma presença! Alguém da sua espécie! Muito provavelmente uma fêmea! Uma fêmea selvagem e poderosa! Sua acurada visão tentou devassar as trevas circundantes! Nada viu! No entanto, sabia que estava lá! Por que não se mostrava? O que pretendia? O felino taciturno continuou sentado na posição em que estava, mascando lentamente seu talo de capim, à espera! Um movimento atraiu sua atenção e o grande gato viu uma impressionante figura sair das sombras a caminhar altivamente em direção a ele. Era uma leoa! Uma leoa branca!

Zé Gatão a olhou atentamente, enquanto ela se aproximava em um andar macio e gracioso. Era alta! Corpo maciço! Olhar sensual! A basta cabeleira branca, movendo-se ao sabor da brisa daquela noite fria! O cheiro de almíscar! Intenso e enlouquecedor, fazendo o felino cinza fremir em seu íntimo! Então ela falou em uma voz rouca, sedutora:

– Posso aquecer-me junto à sua fogueira? A caminhada foi longa. - A leoa de pele alva trazia uma estranha mochila preta às costas, bojuda na parte de cima e bastante alongada na parte de baixo. Envergava um casaco esverdeado sobre uma camiseta cinza claro, calças de brim azuis e botas próprias para longas caminhadas. Seu falar tinha um leve sotaque que soou meio oriental aos ouvidos de Zé Gatão. Este respondeu simplesmente:

– Ponha-se à vontade. A noite esta fria. - A enorme felina agradeceu e sentou ao lado do grande gato, apreciando o calor das chamas.
O felino cinzento procurou avivar mais o fogo jogando mais gravetos nas chamas. Macho e fêmea olharam-se de soslaio sem conseguir esconder a curiosidade, reforçada por uma forte atração que começava a surgir entre aquele inusitado casal de felinos. Ela sorriu sedutoramente e se apresentou, dizendo:
– Me chamo Shintong. E você? - O felino respondeu: - Zé Gatão. - A leoa pareceu espantar-se: - Que raio de nome é este? - O felino não se abalou e redarguiu com toda calma: - Um nome como qualquer outro. - Ela riu: - Gostei de você, grandalhão! Calado, circunspecto e acolhedor, não é qualquer um que recebe uma estranha sem ressalvas num local ermo.
O gato sorriu, balançou os ombros fingindo ingenuidade:
- Uma fêmea tão bonita não poderia me fazer mal.
- Será mesmo? riu ela com malícia.
A presença de uma fêmea tão sensual ao seu lado elevava a libido do felino cinzento, no entanto, algo em seu íntimo, aquele sexto sentido que sempre o alertou, dizia para ficar alerta.
A leoa, com uma expressão insondável, piscou um olho, deitou a cabeça em sua mochila e virou-se de costas para ele. Minutos  depois, ressonava.
Ele também se esticou e fitou o céu infinito. Adormeceu depois de longo tempo.   
Ao amanhecer despertaram e Shintong se prontificou a preparar o desjejum. A leoa branca recolheu frutos e raízes que foram por ambos consumidos com apetite. Sem firulas ou não me toques. Após a última caneca de água fresca do regato, a felina, bem diferente de quando chegou, lacônica, seu olhar estranho e meio distante, sem nada mais dizer, retirou de sua mochila algo que parecia um cartaz. Deu-o a Zé Gatão que ao desenrolá-lo se surpreendeu com seu conteúdo:

PROCURADO VIVO OU MORTO.
ZÉ GATÃO.
RECOMPENSA: $$$$$$$$.

O felino cinza olhou calmamente para Shintong e perguntou: - O que significa isto? - Ela retrucou suavemente: - Você está sendo procurado pelo assassinato dos irmãos Saulo e Soraia há alguns anos e…! - Zé Gatão interrompeu-a:

– Não fui eu. Foi um tubarão que o fez. Deixei o filho da puta insepulto para que o encontrassem. Qualquer perito da polícia descobriria que…!
– Não me venha com essa! Se não era culpado por que não esperou a polícia? Por que não voltou e avisou aos pais dos dois?
– Aquela maldita praia era longe de tudo e eu nem sabia quando e se a polícia apareceria ali. Eu era jovem e meio imaturo. Portanto…!
– Ora, não me faça rir com essa conversa, gato! Agora vou te levar preso! Por bem ou por mal! Os pais da moleca e do moleque me contrataram! Nunca engoliram esta história da polícia sobre o tal tubarão! Deixaram os dois sair com o namorado da pirralha e nem eles nem você voltaram! Os dois morreram e você se empirulitou! Loogoo…!
– Não vou mofar na cadeia por um crime que não cometi! - A conversa acabou naquele instante! A felina branca e o felino cinza se engalfinharam em um combate ferocíssimo!

A caçadora de recompensas era versada no combate corpo a corpo e tinha força e agilidade titânicas! Zé Gatão lutava aplicando golpes de uma antiga luta oriental que aprendera na adolescência! Não queria esmurrar ou chutar sua oponente e ela bastante surpresa notou este fato! A leoa dominava também esta técnica e procurou derrubar o felino acinzentado para derrubá-lo no chão. Mas a gata branca não estava lidando com um amador e quando se deu conta era ela que havia sido jogada ao solo com Zé Gatão por cima! A felina mexeu-se, tentando inverter as posições sem sucesso! Em meio aos movimentos de defesa e ataque, Zé Gatão conseguiu cingir a leoa em um aperto no pescoço que a sufocou violentamente, fazendo pensar que sua traqueia iria se romper tal qual um graveto! A fera branca se debateu furiosamente, mas não conseguiu livrar-se! No último instante, Zé Gatão a soltou. 


A leoa caiu de lado arfando ruidosa e penosamente. Em silêncio, o felino gris pegou sua mochila e se dispunha a partir, quando um urro enfurecido o deteve:

– Felino! Ainda não acabou! Vou te levar morto! - A leoa ainda estonteada, levantou do chão e correu até sua estranha mochila! De lá sacou duas espadas de dois gumes. Lâminas feitas de aço temperado, muito usadas por algumas castas de guerreiros orientais. 
 - Pegue uma das espadas e defenda-se! Vou te matar aqui e agora! - Sem nada dizer, o felino acinzentado pegou a bainha onde se achava alojada a arma letal! Antes tirou a camisa para facilitar os movimentos! A felina também se livrou de sua camisa, revelando o top branco que cobria seus voluptuosos seios.

A gata braba possuía musculatura potente e bem dimensionada, pulsando como uma usina elétrica, pronta para liberar todo o poder de sua energia. Os corpos de ambos estavam banhados de suor. Com um grito dantesco, Shintong atacou em um golpe devastador que somente a força e agilidade de Zé Gatão puderam aparar. As frias lâminas refulgiam ao sol! Golpes sobre golpes se sucediam! O clangor das afiadas lâminas se chocando, as respirações sibilantes eram o clímax da bruteza e violência animal em dissonância com o plácido ambiente do bosque em torno. Então, em um movimento inesperado e especial que aprendera com Ching, Zé Gatão em um único golpe arranca a espada das mãos de Shintong!

Ato contínuo, um potente chute no rosto derruba a leoa branca, deixando-a à mercê de seu oponente! Zé Gatão ergue a espada acima da cabeça, segurando o cabo da arma com as duas mãos, pronto para desferir o golpe fatal no pescoço descoberto de Shintong! Ele não gosta e nunca gostou de matar! Mas se deixar a leoa viva, ela nunca o deixará em paz! Assim são os orientais! Determinados! Ciosos de suas responsabilidades! A lâmina desce, mas por milímetros desvia-se de seu alvo, atingindo o vazio! Zé Gatão joga a espada para longe de si e a passos largos se afasta. Pega sua mochila e caminha resoluto para internar-se no bosque e desaparecer. No entanto, um grito agudo chamando seu nome o faz se voltar bruscamente: 
- Zé Gatão! Não vá! Eu estava errada! Se você fosse um assassino eu não estaria viva! 
Mesmo desconfiado o felino caminha até a leoa combalida e gentilmente a ajuda a levantar-se. Os dois se abraçam e ela chora. Um alívio enorme domina Zé Gatão. 
No fim da tarde a felina arruma suas coisas.

 - Tenho outros “serviços” para cuidar, meu querido! Preciso partir.
-"Meu querido?", Zé Gatão, sorri.
Sim, nunca encontrei ninguém como você. 
Ato contínuo, Shintong o beija ternamente. 
-Em outras circunstâncias, poderíamos, quem sabe, nos conhecer melhor.
-Sim, talvez.
– E quanto aos pais de Soraia? - Quis saber o gato. Shintong respondeu: - Já me pagaram antecipado! “Como não te encontrei”, vou devolver metade do dinheiro pelo Correio, explicando que não consegui te localizar nesse mundão enorme!
– Isso é justo?
– Não, mas pouco me importa! Vivo há muito tempo no seu Ocidente para ligar para estas pataquadas de justiça e honra que dizem ser predicados dos povos do meu Oriente.
– Maldito Ocidente! Vá em paz! 

Era virou-se e seguiu em frente, deixando à sua retaguarda, o gato se sentindo mais só do que nunca.                                                                                                         






domingo, 5 de abril de 2020

PROCURANDO ASSUNTO.



A tal quarentena não me afeta. Para ser sincero, sempre trabalhei na solidão e no silêncio (silêncio em termos, meu lema é: música sempre - se bem que não tenho ouvido muita música, os dias estão estranhos demais e as boas melodias tenho guardado para tempos melhores, que nem sei se virão). Sabemos que o pior está por acontecer, o resultado de toda esta merda nos aguarda logo ali, adiante: desemprego, recessão, fome e tudo o que advém disso. Queria muito estar errado, que logo depois que a pandemia passasse tudo voltaria à normalidade, mas creio que não, com certeza, não. Que Deus tenha misericórdia de nós.

Mas não quero falar disso. Este blog está com pouca visitação e isto não me importa mais, faz um bom tempo, parei de divulgar em redes sociais e de mandar lembretes via e-mail aos mais chegados, acho que é inútil, mesmo esses não tem mais vontade de vir aqui; na boa, sem lamentações. Deixemos este meu espaço como uma folha seca bailar ao sabor do vento, ele continua a quem interessar possa. Sempre que der, eu posto uma arte, um conto, alguma reflexão ou desabafo, como sempre foi, mas sem alimentar a ilusão de que tudo isso possa me alavancar de alguma forma. O que estou dizendo, em conclusão, é: foda-se isso tudo!

SEM DAR NOME AOS BOIS, É MELHOR.

Esta semana me caiu no colo um vídeo de uma entrevista que um famoso jornalista brasileiro fez com um dos cartunistas mais badalados do mundo. O tal repórter, hoje apresentador de um talk show, foi até a residência do desenhista, no estrangeiro, e fez a matéria. Para complementar, o editor dos livros do artista aqui no Brasil foi convidado a opinar, juntamente com um jovem e promissor quadrinista brasileiro. A porra toda foi de vomitar. Primeiro, o repórter entrevistador tirou muito pouco do cartunista. Este parecia, como sempre, pouco a vontade diante das câmeras, só comentou o óbvio e ululante. Até entendo que este artista, que sempre foi autêntico e anarquista, tenha tais pensamentos pouco auspiciosos sobre a vida, afinal ele teve uma criação complicada, pra dizer o mínimo, mas as ideias sobre a política de seu país me soam nojentamente hipócritas. O mesmo eu diria dos comentários do editor, esse sim, um  completo imbecil no que se refere aos seus pensamentos sobre o Brasil atual. Não nego que este editor tenha visão mercadológica e excelente gosto para os quadrinhos, mas o olhar esquerdóide a respeito de tudo, impregnam suas afirmações com um cheiro, para mim, repulsivo - a arte está muito acima dessas miudezas.
O jovem desenhista brasileiro, coitado, mal falou, citou apenas a amizade que ele travou com o cartunista estrangeiro, não comentou sobre suas publicações e o que eles podem ter em comum. Desperdiçado, em suma. Em tempo, não conheço o trabalho do rapaz, apenas ouvi falar o nome dele em algum canto.
Resumindo: jornalista, cartunista e editor que gostam de fama, sucesso, dinheiro e conforto, metendo o pau no capitalismo, vendo apenas o que ele tem de negativo e execrando o conservadorismo que até aqui tem permitido a eles o livre pensamento. A hipocrisia reinante. E são eles que detêm as rédeas do mercado, seja aqui, seja lá no estrangeiro. Fica difícil ser otimista.

FUI!


A SAUDADE É MAIS PRESENTE QUE NUNCA

   No momento que escrevo essas palavras são por volta das 21h do dia 21 de abril. Hoje fazem três anos que o Gil partiu, adensando as sombr...