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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PEDRO, O LOBO E O CARTUNISTA (Um conto de Eduardo Schloesser)

Não sei se o que me acordou as cinco e trinta da manhã foi a bexiga quase estourando ou o ribombar de um trovão que estremeceu as paredes. Acho que foi a vontade de mictar, as tais trovoadas não pararam desde a tarde anterior, então penso que meus ouvidos já estavam acostumados. Lá fora a chuva caía torrencialmente. A umidade no quartinho fazia meus ossos doerem. Eu estava às vésperas de completar 65 invernos, mas ainda tinha uma ereção das boas, mesmo sem ir pra cama com uma mulher nos últimos dez anos. Bem, melhor ser um solitário com ereções do que um brocha solitário. Naquele momento a tal ereção me dificultava aliviar a bexiga, eu tinha que apontar o bicho para baixo pra não mijar na própria cara. A urina saía a intervalos e em jatos curtos. Pareceu levar uma eternidade, o conforto pela liberação me provocava um gostoso arrepio na espinha.
Abri a torneira da pia para lavar as mãos, a coitada tossiu duas vezes como uma velha cancerosa antes de liberar a água. Molhei o rosto com o líquido gelado, afinal não ia conseguir dormir de novo. Seria melhor sentar na prancheta e tentar terminar uma série de tiras pra tentar vender ao "O Matutino". O aluguel ia vencer em uma semana e eu estava quebrado, na verdade estivera quebrado durante toda a vida, mas uma coisa era não ter dinheiro na juventude, outra é estar arruinado na terceira idade.
Antes do trabalho, o desejum; abri a geladeira, uma companheira mais fiel do que as mulheres que passaram pela minha vida. Só que assim como eu, ela estava velha e teimava em não funcionar, e como algumas mulheres, só colaboravam na base da porrada, dei dois tapões na lateral e ouvi um clic, a luzinha acendeu e o barulho característico dos refrigeradores antigos se fez ouvir. Dentro dela só tinha um ovo, uma lata de sardinha já aberta, uma garrafa de água e um pote de maionese que estava lá desde o ano passado. Preciso jogar fora qualquer hora destas. Botei o ovo pra cozinhar e me sentei na mesinha que me servia de apoio para os desenhos. Esbocei algumas idéias e fui verificar o ovo. No pequeno armário tinha ainda duas fatias de pão, as laterais estavam começando a embolorar. Maldita umidade desta cidade moribunda. Cortei a parte mofada, coloquei sal no ovo, agreguei o que restava da sardinha e improvisei um sanduíche. Tinha esquecido de comprar leite, como odeio café, o sanduba teve que descer com água mesmo.
Olhei em volta, jornais velhos e gibis antigos pra todo lado. O que tinha feito da minha vida? Fui até a estante e peguei uma pequena coleção composta de três volumes em brochura de um série criada por mim que fizera sucesso por mais de uma década, "O GORDO NA PRIVADA" .  Eram reflexões sobre a vida por um sujeito que se sentava no "trono" para ler as notícias e fazia um monólogo melancólico sobre os fatos marcantes do momento. Recebi vários prêmios por este trabalho, mas dinheiro, ah, isso não. O pouco que recebia deu pra manter uma filha estudando na Inglaterra e mais nada. A série começou a perder força juntamente com os jornais. Quase ninguém lia mais, o que restou foi esta coletânea que uma editora que não se importa em perder dinheiro compilou em minha homenagem. A coletânea faturou mais um prêmio, inclusive. Só os saudosistas me ligam pra dizer que sentem falta do Gordo Na Privada.
A nova série que estava criando parecia não ter força, as idéias pareciam "engessadas", não me sentia estimulado. Pensava em iniciar uma graphic novel, tinha algumas coisas dançando na minha mente, mas como competir com a nova garotada que fazia sucesso no mercado gringo?
Rabisquei algumas coisas mais um tempo até que o telefone tocou. Olhei o relógio. Oito e quinze. Já? O tempo feio lá fora não deixou a manhã aparecer. Atendi. Era o Pedro. Um fã que virou amigo. O sujeito era meio maluco mas era legal, a mulher dele também era fissurada nos meus cartuns.
- Diga, meu velho, tudo bem? Tava dormindo? Perguntou ele seguido de um riso sardônico, algo peculiar nele.
- Nada. Como cê tá?
- Tudo certo.
- Que bom.
- Ei, seu aniversário é amanhã, né?
- Dizem que sim.
- Pois tenho um convite pra te fazer.
- Manda.
- Venha passar seu "niver" com a gente.
- Olha Pedro, eu não dou a mínima pra esse negócio de aniversário. Vamos deixar pra lá.
- Não aceito não como resposta, se cê não vier a Mafalda vai ficar magoada contigo. Teremos uma surpresa pro almoço.
- Sei não.
- Olha cê sabe o caminho. Te espero amanhã. Nem pense em não vir.
Deligou. Cara maluco. Tinha uns cinquenta anos, a mulher dele era um pouco mais velha, uma gordinha inteirona. O casal parecia ter saído de um show tipo Woodstock.
Bem, talvez fosse mesmo uma idéia legal, sair um pouco desta maldita rotina, rir um pouco do marxismo infantil daqueles debilóides. Por que não?

A manhã seguinte não me recebeu chuvosa. Tava frio e nublado mas me sentia disposto, havia dormido melhor, passara o dia anterior desenhando tiras e uns dois editores pareciam animados a publica-las. A sorte podia mudar a qualquer momento, quem podia prever?
Comprara na tarde de ontem alguns itens para a geladeira, leite, pão, queijo, presunto, geleia e tal. A maionese continuava lá.
Fiz um sanduba e fui pro chuveiro. Ele engasgou. Nada nesta kitinete funcionava direito. Depois de um tempo a água chegou fria, aos poucos ela foi esquentando. A boa e velha ereção lá estava, uma situação quase permanente na minha vida. Isto era bom, uma das poucas coisas que me faziam sentir vivo.
Coloquei meu jeans, uma camisa amarela já meio desbotada e meu blaiser preferido. Na verdade sempre me vestia assim, demodê. Calcei minhas botas, coloquei um perfume e peguei meu chapéu. Sim eu usava chapéu. Comecei imitando o Crumb e me habituei.
Meu velho Escort me esperava como um vagabundo. Girei a chave na ignição e ele chorou manhoso. "Vamos, meu, não me deixe na mão, é meu aniversário." Como se lesse meu pensamento ele reagiu. Somos dois velhos, mas penso que como não devo ficar na cama por este motivo, ele também deve sentir prazer em ainda poder me transportar.
Aquela hora da manhã não havia tráfego doentio, peguei a via expressa e em uma hora eu entrava na estrada que me conduziria ao sítio do Pedro. Ficava nas proximidades de uma cidadezinha interiorana. O sol espiava retraído por entre nuvens escuras, dando àquela manhã uma claridade onírica. O rádio sintonizava uma agradável emissora que tocava sucessos antigos da Jovem guarda. Nada mal.
Depois de duas horas eu entrava à esquerda da avenida e pegava uma estradinha de chão. Em dez minutos eu parava em frente ao portão de madeira e arame farpado do Pedro.
Buzinei.
Um estrondoso e anormal latido de cão se fez ouvir. Curioso, o Pedro não tinha cachorro.
Num instante, o rosto redondo, barbado e sorridente do meu amigo despontou detrás de umas bananeiras. Escancarou a porteira e eu passei por ele.
Ao abrir a porta do carro quase desfaleci. Ao lado dele um animal enorme se fazia presente. Era um cão, mas de um tipo que eu nunca tinha visto antes. Com certeza era um cachorro, mas parecia com um humano trajando uma fantasia de canídeo, seus membros superiores e inferiores eram longos e musculosos. O dorso era extenso e volumoso. A cabeçorra exibia um focinho comprido e ao mesmo tempo largo, um nariz negro, brilhoso e desproporcional. As orelhas eram diminutas, contrastando com o resto. A calda basta apontava para o solo. A língua que lhe pendia da bocarra de presas enormes, era grossa como a de um boi. O pelo negro e espesso como lã de aço. Mas o que mais assustava eram os olhos amarelados que lhe davam um "que" de assustadoramente humano.
- Que diabos de cachorro é este Pedro? Disse eu perplexo.
- Ué, o que tem?
- Como, o que tem? Parece mais um lobisomem!
Ao ouvir isto a expressão do bicho mudou. Seus olhos me fuzilaram.
- Depois te conto a história do cão, agora vem cá e me dá um abraço.
- Ei, deixa disso, não sou chegado nessas viadagens.
-Feliz aniversário seu filho da puta! Ele me abraçou com força e eu me senti reconfortado. Talvez aquele fosse o único amigo que eu tinha.
- Venha vamos pra dentro. A Mafalda tá preparando aquela lasanha que cê adora.
- Legal.
A habitação era grande, a arquitetura barroca, como aquelas casinhas cafonas de Ouro Preto, tinha uma ampla e acolhedora varanda na frente. Lá de dentro, Mafalda veio me saldar com seu sorriso largo e gargalhada contagiante, apesar dos dentes amarelados pelos anos de tabagismo. Tinha mal hálito, era gorda, mas uma gorda bem feita, sem barriga, com seios volumosos e uma bunda incrível, parecia ter duas melancias no traseiro. Um rosto bonito, quase de fada. Veio com um cigarro na mão e me abraçou apertado. O contato com aquele corpo macio fez meu pau subir. Ah, se ela não fosse mulher do meu amigo!
- E então artista? quantos anos?
- Ah, sei lá, acho que 65. Mas me sinto com 64.
- Ei, quer tirar esta roupa e por uma bermuda, ficar de chinelos? Indagou Pedro.
- Nada disso, tô bem assim. Apesar do sol ter aparecido ainda está frio.
- Cê que sabe, senta aí, sei que tu gosta dessa cadeira de balanço.
- Valeu.
- Cerveja? Ah, cê num gosta, né?
- Odeio esta porra, mas se tiver aquele vinho do porto...
- Claro, tá te esperando.
- Cara, cê é meu herói!.
Mafalda voltou pra cozinha com sua enorme bunda balançante, meu pau ainda vibrava.
Olhei em volta e lá estava o tal cão do diabo, como eu já chamava na minha mente. Estava deitado no quintal de terra, me olhava fixamente, poderia jurar que naquele semblante quase humano havia um olhar de ciúmes.
Pedro começou a falar sobre as mesmas coisas de sempre, rock, HQs e literatura. Só assunto chato. Falava dos anos sessenta e setenta como se tivessem sido grande coisa. Eles foram uma merda, e não foi por causa da ditadura militar, se assim fosse os oitenta e noventa teriam sido melhores, foram a mesma porcaria.
- Cara, a sua obra reflete bem o que o PT tenta dizer sem efeito nos dias de hoje...
- Ouça Pedro, de uma vez por todas, não tenho nada a ver com as esquerdas brasileiras apesar do que eu disse no passado. Tô pouco me fodendo se o país tá na merda, o que posso fazer? Nunca foi, e nunca será diferente. Vamos tocando o barco apesar de tudo. Sempre vão haver pobres e ricos e nós no meio reclamando.
- Cara, como você pode dizer isto?
- Porque não? Eu odeio Marx, Stalin, Mao, Castro e toda esta corja de assassinos que vocês endeusam. Pra mim o único pecado dos americanos é fazerem filmes cada dia mais ruins, só isto. Os livros e as músicas (Elvis e o jazz , claro) são o máximo. Aliás, eu gosto do Big Mac.
- Cara, não acredito que cê tá falando isso.
- Pois pode acreditar, mas não quero discutir contigo, hoje é meu aniversário, lembra?
- É, claro, desculpa, é que eu pensei...
- Evolua, meu amigo, evolua...
Neste momento Mafalda, com seu sorriso doce, anunciou que o almoço estava pronto.
Lavamos as mãos como pessoas civilizadas e fomos para a ampla sala papar a lasanha entre gargalhadas e vinhos. A sobremesa era uma torta de amora, que a gordinha colhera do próprio quintal arborizado, deliciosa como ela mesma.
A porta estava aberta e a figura do cachorro sinistro se destacou na entrada. Ficou lá nos observando com aquela língua molhada e colossal pendendo da boca.
- Pedro, que raios de cachorro estranho é este? Como ele veio parar aqui?
- Mano, mais tarde te conto, agora que tal um charuto?
- Não, parei, mas obrigado.
- Garotos, vão lá pra fora conversar, vou arrumar a louça e me junto a vocês. Falou Mafalda.
Saímos, e o cão ainda na varanda.
- Pedro, mantenha este bicho longe de mim.
- Cara, desencana, ele não vai te fazer nada.
- Se não amarrar este cachorro escroto eu vou embora agora!
- Tá, tudo bem. Lobo, vai lá pro quintal, vai!
- Lobo?!?
- É como o dono dele o chamava. Bem, acho que era o dono.
- Como assim acha? Quem era o dono dele?
- Bem, senta aqui, vou te contar.
O imenso canídeo negro saiu da varanda com um olhar rancoroso.
Pedro parecia um pouco pálido e relutante ao narrar a chegada daquela espécie de monstro ao seu sítio.
- Foi numa tarde chuvosa - começou ele - eu e Mafalda tínhamos acabado de dar uma daquelas trepadas boas, uma das únicas em que eu não precisei usar aquela pílula, cê sabe, daquelas vermelhinhas. O médico disse que uma das possíveis causas do meu problema de impotência poderiam ser frutos dos muitos anos que fumei maconha....
- Porra, Pedro, foda-se a tua merda de vida sexual, eu quero saber do cachorro!
- Claro, claro, desculpe, tenho esta tendência à dispersão. Como eu dizia, depois daquela foda, vim pra varanda fumar um charuto. Mafalda foi assistir suas novelas. A chuva tava diminuindo, então ouvi um chamado débil no portão. Sabe, não temos problemas de violência neste lugar, mas algo naquele chamado, não sei porque, não me cheirou bem. Entrei pra pegar o velho 38 que meu pai me deixou com esta casa, fui até a cerca e vi este enorme cão negro e um cara que parecia ter saído, sei lá, de Chernobyl...
- Como assim?
- O cara era barbudo e cabeludo, estava em andrajos, doente, com ulcerações na pele, precisava de ajuda.
Falava com um sotaque estranho. O cão apesar de disforme, tinha algo de imponente e uma expressão no olhar como que implorando ajuda, cê sabe, sempre gostei de cães.
- Sei, e aí?
- Bem, abri o portão e deixei o cara entrar. Claro que não o coloquei dentro da minha casa, vai que ele tivesse uma moléstia contagiosa...
- Claro, mas e aí?
- Bem, ele gemia de dor e disse que precisava de um médico. Disse que o cão se chamava Lobo, tinha esse nome por causa do seriado Vigilante Rodoviário que passava na TV na década de 60. Eu era fã, minha simpatia pelo animal crescia.
- Cara, vá direto ao ponto.
- Bem, deixei-o com o cão na chuva e entrei pra telefonar pra uma ambulância. Mafalda que via tudo da janela perguntou o que estava acontecendo, expliquei e ela achou melhor avisar a polícia. Confuso, não sabia direito o que fazer, mas ela tinha razão, achei melhor ligar pros gambés, eles saberiam que medidas tomar. O telefone não estava dando linha, acontece quando chove muito por aqui. Neste exato momento ouvi gritos do lugar onde deixei o mendigo e o cão. Dois sujeitos conversavam com o moribundo, uma conversa nada amistosa. Instintivamente fui até eles e então quando me viram, me apontaram suas pistolas, acho que eram automáticas, não entendo de armas, falavam numa língua estranha, acho que era norueguês, ou russo, vai saber.
- E o que aconteceu?
- Eu pedia calma aos caras, que era de paz, mas parecia que eles não me entendiam, eu parecia uma ameaça. Eram dois homens altos e fortes. O cabeludo ferido, num impulso, tentou pegar a arma de um deles e o outro alvejou-o bem na cabeça. Ao ver isto o cachorro lançou-se em cima do cara e arrancou-lhe um naco de carne do pescoço, o outro apontou a arma para mim e ia puxar o gatilho, mas mas uma vez com uma rapidez incrível, o animal abocanhou-lhe a bunda... foi aí que.. que...
- Foi aí o quê? O que aconteceu?
- Eu puxei o 38 e disparei. Acertei o gringo bem na testa....
Silêncio. Pedro estava lívido. A mera lembrança do ocorrido deixava-o transtornado.
- Que aconteceu em seguida Pedro?
- Não me pergunte mais nada, por favor. O cão salvou minha vida, fiquei com ele... foi isso.
- Mas e os outros caras?
- Morreram os três - falou Mafalda atrás de mim, bem séria - chamamos a polícia e explicamos o ocorrido. Houve inquérito e tudo mais.
- Estranho, leio todos os jornais e não vi uma linha sobre isto - Repliquei.
- Não saiu nos jornais, não me pergunte porque. Olhe, você é nosso amigo e somos fãs do seu trabalho, mas não nos importune mais com suas perguntas, este caso já nos fez sofrer demais.
Era até esquisito vê-la assim tão séria.
- Tudo bem, desculpem. Deve ter sido barra, polícia investigação e tudo mais...
- Já chega por favor!
- Ok, certo, só quero que saibam que me solidarizo com vocês.
- Sabemos disso, por isto ele te contou tudo. O cão tem sido nosso protetor.

Ela se sentou ao nosso lado, fumando. Ficamos silentes, a tarde úmida, uma garoa leve caía fantasmagórica. Eu refletia sobre o que acabara de ouvir. Estava desassossegado, queria ir embora dali mas estava constrangido, não queria magoar meus amigos.
Neste instante um burro magro apareceu nas cercanias à esquerda do sítio, dava pra vê-lo atrás de uns arbustos baixos abocanhando o capim molhado. Do nada, o estranho e imenso canídeo negro saltou-lhe no pescoço, rasgando as carnes. O pobre animal deu umas duas relinchadas e estrebuchou. As imensas presas dilaceravam o asno com sanha louca.
De tão perplexo, não consegui dizer uma palavra. Pedro e Mafalda olhavam impassíveis.
- Esta maldito burro não irá nos importunar nunca mais. Falou ele.
- Bem feito. Respondeu ela.
Nervoso, balbuciei:
- Pessoal, posso tomar aquela cerveja que vocês me ofereceram?
- Pensei que não gostasse.
- Não gosto, mas confesso que a história que você narrou só poderá ser digerida com cerveja.
- Pegue você mesmo, tá na geladeira. Você sabe onde fica. A seriedade de Mafalda agora me incomodava, depois da cerveja eu iria embora e nunca mais voltaria. Pensava isto enquanto me dirigia à grande cozinha.
Olhei em volta, estava aturdido com tudo aquilo, se eu queria sair da rotina, tinha conseguido.
Abri a enorme geladeira de duas portas.....    e fiquei petrificado.
Havia um corpo esquartejado lá dentro.
A principio não entendi direito o que via, um tronco sem cabeça e com apenas o braço direito, um braço magro de veias azuladas. Estava reclinado obstruindo a lâmpada do refrigerador. Na prateleira de baixo, duas pernas, uma dobrada e outra por cima semi-dobrada. Instintivamente procurei pela cabeça, e lá estava, atrás das pernas, um rosto barbado, de uma barba clara, como os cabelos, que brilhavam em gotículas congeladas, um olho semi-aberto e outro escancarado fora das órbitas. Os lábios azulados, entreabertos, permitiam ver uns dentes imperfeitos. Pelo inchaço que apresentava, parecia ter perdido traços fisionômicos, tornando-se a paródia grotesca de um rosto humano.
Fechei aquilo. Uma vertigem me fez apertar os olhos para não cair ao solo ali mesmo. Me contive, pensando ter tido uma alucinação abria a porta de novo, a cena dantesca me embrulhou o estômago de tal maneira que tive convulsões.
Voltei apressado aonde estava o casal. Fumavam tranquilamente. Movido por uma raiva incontida, falei:
- Pedro, tem um cadáver em pedaços na sua geladeira! Que porra tá acontecendo aqui?
Ele me olhou assustado, sem saber como responder. Foi Mafalda que calmamente replicou.
- Não está acontecendo nada. Como sei que você não ia sossegar enquanto não descobrisse a verdade, preferi que você fosse até lá e visse com seus próprios olhos.
- Mas... o que é isto? O-o que está havendo?
- O que acha? Não chamamos a polícia, ninguém soube o que se passou aqui. Um dos corpos tá lá na geladeira, o outro foi devorado pelo cão. Alimentamos ele diariamente com as partes daqueles assassinos.
Boquiaberto, não encontrei o que dizer. Ela continuou:
- O que queria você? Que a polícia e os repórteres nos tirasse o sossego que lutamos tanto para conquistar?
Fiz um movimento brusco com a mão.
- E porquê porra, me fizeram parte disto? Porquê me chamaram aqui pra ficar sabendo desta merda toda?
- Gostamos do você, é nosso amigo, somos fã do seu trabalho, tínhamos que dividir com alguém e...
- O caralho minha senhora!!! Tenho cara de trouxa? Me diga o motivo verdadeiro!
Ela agora me olhava perplexa, sem saber o que responder. O marido dela tremia com aquela cara de idiota.
O cachorro do inferno silenciosamente subiu as escadas da varanda. Todas aquelas emoções reviraram o meu estômago, me curvei e o vômito subiu e saiu da minha boca em grandes golfadas, os jatos saíram até pelo meu nariz. O líquido gosmento amarelado com pedaços de lasanha e torta invadiram a cerâmica vermelha. Lutando para conter os espasmos estomacais, com os olhos lacrimejantes, me recompus. Tossia para livrar a garganta do que restava do gosto azedo.
Pra aumentar o meu terror, vi o enorme canídeo preto lamber meu vômito do assoalho. Quase ri. Com voz débil proclamei:
- Assassinos filhos da puta! Pensam que tudo vai ficar numa boa? Que volto pra casa como se nada tivesse acontecido? Eu vou denuncia-los à polícia.
- Pense bem, não faça isso.
- Vou agora mesmo.
Pedro se adiantou:
- Vai colocar as únicas pessoas que se importam com você na cadeia? E porquê? Por causa de uns loucos  que apareceram aqui numa tarde armados e que iam nos matar para queimar arquivo?
- Mas está errado, entende? Há uma linha muito tênue que separa o que é certo e o errado em situações deste tipo, e se você perdeu o discernimento, eu ainda não perdi.
Peguei meu chapéu, e me voltei cambaleante em direção ao carro. Ouvi às minhas costas:
- Pedro, ele vai mesmo fazer o que diz, impeça-o!
Voltei-me.
- E ele vai fazer o quê Mafalda? Pegar o revolver calibre 38 e me dar um tiro? Depois vai dar meu corpo para este monstro que vocês adotaram comer? É isso? Quando vai parar?
Nada responderam.
Entrei no carro. Liguei. Não pegou.
- Vamos amigão, não me deixe na mão agora.
- Ele gemeu duas vezes e pegou. Quase ri de felicidade.
Manobrei e saí dali. Tive que parar pra abrir a cerca. Saí do carro. O casal  e o cachorro me olhavam perdidos. Arranquei a toda.
Um alívio profundo me invadia a alma. Tudo parecia um pesadelo, eu esperava acordar a qualquer momento e constatar que os meus amigos ainda eram os mesmos. Ao invés disso, o que ouvi foi um estouro e o carro derrapar no cascalho da estradinha de chão. Pneu furado. Ah não, pensei. Logo agora?
Intrigado saí do carro para pegar o estepe. Quando olhei à minha esquerda na relva que ladeava a rua, vi o imenso cachorro preto me olhando sério. Fiquei petrificado. Ele se aproximou silencioso, se empinou e pousou as imensas patas no meu peito. Era mais alto que eu, cheirava a vômito.
- NEM FODENDO QUE VOU DEIXAR VOCÊ DENUNCIAR MEUS HUMANOS ÀS AUTORIDADES. Disse ele numa voz roufenha, baixa e profunda.
- C-c-cê fala?!?
- SIM, QUANDO É PRECISO EU FALO. SABE, SOU FÃ DOS TEUS QUADRINHOS, POR ISTO NÃO TE MATO AQUI E AGORA. AH, SURPRESO? SIM, EU TAMBÉM SEI LER. CURTO TUAS IDÉIAS, TEUS DESENHOS. FUI EU QUE FALEI PROS MEUS HUMANOS TE CHAMAREM AQUI. QUERIA TE CONHECER, ACHAVA QUE TU ERA GENTE FINA MAS CÊ NUM PASSA DE UM BOSTA. PENA, MAS EU SEI QUE NEM SEMPRE UMA OBRA GENIAL FAZ JUS À PESSOA QUE A CONCEBE. MEUS HUMANOS GOSTAM DE VOCÊ, NÃO É JUSTO QUE OS PREJUDIQUE.
- Porque se refere a eles como seus humanos?
Seus olhinhos amarelos brilharam e um sorriso se desenhou na sua caratonha.
- UMH, SEI, VOCÊS PENSAM QUE SÃO NOSSOS DONOS QUANDO NA VERDADE NÓS É QUE POSSUÍMOS VOCÊS. É SÓ PARAR PRA PRESTAR ATENÇÃO, QUEM DOMINA QUEM?
Ele olhou profundamente nos meus olhos.
- EU DISSE AO PEDRO E À MAFALDA QUE ELES NÃO SE PREOCUPASSEM, QUE EU CUIDARIA DE VOCÊ, POR ISTO COLOQUEI ESTA TÁBUA COM UM PREGÃO PRA FURAR SEU PNEU, PRA TERMOS ESTA CONVERSINHA.
Ele me virou com violência em direção ao solo e deu uma profunda fungada no meu cu. Naquela hora tive a certeza que minhas ereções haviam me abandonado para sempre. Em seguida me colocou em pé e cheirou minhas axilas e pescoço.
- PRONTO, AGORA CONHEÇO TEU CHEIRO. TE ACHO ATÉ NO INFERNO. VOU TE DEIXAR IR EMBORA, MAS SE DER UM PIO EM RELAÇÃO AO QUE VIU E OUVIU AQUI, EU TE ENCONTRO... E NÃO QUEIRA QUE ISTO ACONTEÇA.
- É.. eu...
- O QUÊ?
- Não sei se conseguirei conviver com isto, sério mesmo!
- SEI, POSSO TE DAR UMA SUGESTÃO?
- Qual?
- RELATE TUDO NUMA HISTÓRIA EM QUADRINHOS. ELAS TAMBÉM SERVEM PRA ISTO NÃO É? PROS LEITORES UMA FICÇÃO BESTA, PRA VOCÊ UMA CATARSE. QUE TAL?
- É, creio que sim, na verdade pode funcionar, sim.
- BELEZA, RESOLVIDO ENTÃO. QUANDO PUBLICAR, TRAGA PRA EU LER. VENHA, VAMOS TROCAR SEU PNEU, DAQUI A POUCO ANOITECE.
- Lobo?
- SIM?
- Qual a verdade sobre o seu dono e os caras que queriam mata-lo?
- VAMOS LÁ CARTUNISTA, NÃO TEVE MUITO POR UM DIA? DEIXE ESTA HISTÓRIA PRA OUTRA OCASIÃO. TÁ TARDE, E NÃO ESQUEÇA TEU CHAPÉU ALI NO CHÃO.

Duas horas depois eu entrava na avenida expressa. A noite estava estrelada, a lua amarelada no céu negro parecia um olho morto. Apesar do alívio por escapar da morte, um espectro me envolvia. Ansiava por papel e nanquim para relatar nele a minha experiência nefanda.O maldito animal gostava dos meus cartuns! Puta merda, tive a vida salva pelas histórias em quadrinhos! Quem diria?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

ESFEROGRÁFICA PRETA

Só utilizei canetas nanquim por volta de 1983, ou 84, acho. As tais canetas eram muito caras. Assim que pude eu utilizei uma pena. Deu outra dimensão aos desenhos que eu fazia, mas era complicado, marinheiro de primeira viagem, muitas vezes eu borrava as artes. Assim que comecei a trabalhar como ilustrador no SENAC eu tive acesso a estes materiais e aí... bem, penso que evoluí.
Antes disso, eu só usava esferográficas para finalizar meus rabiscos. Eu tinha vários cadernos de desenhos com tinta azul, vermelha, preta e até verde. Pena que eles se perderam nas inúmeras mudanças que minha família fez.
A cor preta era a minha favorita, claro, por lembrar mais de perto as finalizações dos gibis que eu lia. Meus primeiros quadrinhos eram todos desenhados assim.
Até hoje curto esboçar direto na caneta, como nestes exemplos que vemos hoje. É só deixar a mão leve, os movimentos soltos, riscando sem compromisso, vendo o que sai dos devaneios. As vezes fica bom.


                    

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

PASSAGEM RÁPIDA.

Boa tarde a todos.
Era minha intenção escrever um texto longo aqui, contudo um compromisso de última hora me impede. Deixo  um esboço qualquer só pra não "furar" com vocês.
A gente vai se falando.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MAIS UM POUCO DE MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILICIAS.


Se você estiver afim de acabar com uma festinha, é só contatar este barbudo grandalhão que vemos na arte acima.
Num trecho do livro, Leonardo (o pai, não filho) afim de acabar com a alegria de uma certa mulher que não estava muito afim dele, resolve pedir ajuda a este encrenqueiro cuja diversão na vida é brigar e provocar balbúrdia. Ele penetra na festa e aí... Na verdade só estou comentando isto pra encher linguiça, tô na pressa e deixo esta arte com vocês para a sexta feira não passar em branco.

Se Deus quiser, a gente se encontra aqui na segunda. Combinado? Então tá.
Fui.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O PINK FLOYD


Ok, se você é daqueles que só curtem MPB, ou samba, ou Punk, ou sei lá o quê, qualquer coisa que nada tenha a ver com a boa música, então não perca tempo lendo esta postagem, mas se você curte música erudita então é capaz de ter algo a ver com o Pink Floyd.
Meu objetivo aqui não é analisar a banda, classifica-la, rotula-la, comentar letras ou coisas do tipo. Deixo isto para os especialistas de plantão (meu, o mundo está cheio de doutores nos mais variados assuntos, as dissecações que eles fazem disso ou daquilo me enauseiam), quero é refletir sobre uma época da minha vida (sim, mais uma vez) e usar parte da história do Floyd como exemplo. Hoje, mais velho (mas nem por isto mais sábio), fazendo um estudo mais aprofundado sobre as letras da banda, escrita pelo megalomaníaco do baixista Roger Waters, eu teria motivos sobejos pra detestar a banda, mas não consigo, ela, assim como os Beatles, faz parte da minha vida, ou melhor, de uma fase dela que não dá pra varrer para debaixo do tapete.
A primeira vez que ouvi o som viajante do Floyd foi em meados dos anos 70, o irmão mais velho de um amigo ouvia na sua vitrola o lendário DARK SIDE OF THE MOON. Escutar aqueles sons de relógio, moedas, pessoas falando, rindo, no meio das músicas, como se fossem parte integrante delas (na verdade eram), sem atrapalhar a beleza das melodias, não era algo para se ficar indiferente. Inclusive, agora me recordo que bem no início dos anos 70, eu já tinha visto o LP que tinha uma vaca na capa, como ele não trazia nada escrito, só fui saber que era um dos discos mais incríveis deste conjunto, muitos anos mais a frente.
Na verdade, a minha fissura começou ao ouvir Another Brick In The Wall nas rádios. Eu nem sabia que se tratava do mesmo conjunto musical que chamara minha atenção anos antes. Somente ao ouvir o THE WALL na sua totalidade é que virei fã e com muito suor, comprei todos os discos. Nos meus solitários anos no Rio de Janeiro, o som viajante e misantropo do Pink Floyd me serviram de companhia. E aqui chego ao cerne da questão, me desculpem os mais jovens, mas me atrevo afirmar que só pode curtir de fato os sons peculiares de um disco como ANIMALS, quando o futuro se mostra nebuloso e o passado lhe morde o rabo como um cão raivoso. Só dá pra sentir a música Ask me Why, dos Beatles, quando se ficou debaixo da chuva esperando pela namorada que não apareceu. Certas passagens na existência parecem ganhar cores mais vívidas dependendo da interpretação que você faz daquilo que ouve, vê ou lê. Não sei se estou dizendo algo obvio, pouco importa, o que sinto é que há coisas que marcam mais por suas singularidades, e o Floyd tem força comparável a uma bomba termonuclear para isto.

        
Após o fabuloso disco WISH YOU ARE HERE, Roger Waters, como convém a ditadores, intitulou-se senhor absoluto da banda, recusando músicas do tecladista Richard Wright, impondo suas idéias (que, convenhamos, sempre foram ousadas e brilhantes), chegou mesmo a afirmar que o Pink Floyd era ele, ao contrário do guitarrista David Gilmour (a outra metade genial da banda), que disse certa vez que passou todos aqueles anos trabalhando o nome do Pink Floyd, não o seu próprio. Assim, após o bom, porém fosco, THE FINAL CUT, Waters decretou o fim do grupo. Como o restante da banda não concordou com a decisão, voltaram alguns anos mais tarde (sem Waters, claro) com um trabalho intitulado A MOMENTARY LAPSE OF REASON, disco que trás o som característico da banda mas não o seu espírito. Evidentemente, Roger não gostou e a coisa foi parar nos tribunais. Ele continuou lançando trabalhos solos com idéias singulares  mas totalmente sem brilho, ao contrário do restante da turma que lançou em 1994 o incrível THE DIVISION BELL.
Os fãs, assim como eu, sempre aguardou que os caras fizessem as pazes e retornassem com um novo trabalho como os clássicos MEDDLE, ou OBSCURED BY CLOUS, mas nada. Parece que agora é o Gilmour que não quer saber do assunto. E não dá pra censura-lo.
Sabem, durante boa parte da minha adolescência, eu tentei fazer parte de uma sociedade, um meio no qual me inserir, sem muito sucesso. Tive uns colegas que ainda que não queira admitir, marcaram muito a minha vida. Vejamos isto como uma banda de sucesso que mais tarde cada um segue seu rumo. Se me fizessem uma proposta para retornar, com certeza eu recusaria. Não dá mais pra me submeter a certas situações. Não é mágoa ou ressentimento, nada disso. Apenas o rompimento com as sensações negativas de uma época. Podemos até nos encontrar para uma cerveja, uma pizza, como o Pink Floyd fez, eles voltaram a tocar juntos no Live Aid 8 em 2005, mas jamais será como antes.


Agora ficou difícil mesmo da banda voltar com a formação original, pois Richard Wright morreu de câncer em 2008.
No vídeo abaixo temos David Gilmour e Richard Wright numa jam onde tocam um dos sucessos do The Wall, pra quem não conhece, são os que cantam e também os mais velhos, provando que certas coisas só melhoram com o tempo, afinal, o vovô Gilmour ainda manda muito com sua guitarra, os outros músicos eu não conheço.
Nem sei o que o baterista Nick Mason está fazendo da vida, mas Waters atualmente faz a tour de The Wall (inclusive com passagem pelo Brasil), vivendo dos dividendos e das glórias do passado.
Para alguns é só o que resta.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

VORAGEM

Fico pensando quando vou poder me mudar daqui, ir para um lugar mais ameno, não falo apenas do clima.
Fico pensando também em procurar um emprego regular, atendente numa loja de shopping ou algo assim, alguma coisa em que não exigisse muito da minha cabeça. Mas não, eu não suportaria um lugar desses, lidar com pessoas dessa maneira só apressaria meu fim.
Esta é uma das razões pela qual não exerço a função na qual me formei, que é a de arte-educador. Quando eu era moleque apanhava da professora (é sério), hoje é bem capaz que eu apanhasse dos alunos. Até me vejo como o corcunda de Notre Dame, manietado e sendo chicoteado com os fios dos i-fones da molecada. Até porque o salário de professor não compensa o que boa parte dos educadores enfrentam nos estabelecimentos de ensino.
O que me pagam pelas ilustrações que faço também é uma vergonha, e quando acaba a tarefa, lá estou eu batendo nas portas de novo, e muitas não abrem.
Bem, melhor para de reclamar, na verdade eu tenho muito mais do que mereço.

Na verdade, o tema da postagem de hoje era pra ser outro. Apesar que o título tem tudo a ver com o que eu acabei de escrever.

Toda vez que saio de casa agora vejo um acidente envolvendo motociclistas. Não é novidade nenhuma, numa cidade como São Paulo os dados estatísticos são assustadores, os pilotos de motos são abusados e imprudentes, mas a verdade é que os condutores de veículos fechados não respeitam os que viajam em duas rodas. Meu irmão, quando foi residente no Hospital Santa Marcelina, se espantou com o número de acidentados que davam entrada na traumatologia.
Não sou jornalista e não me cabe aqui discutir um assunto que já foi tema até de documentário, tampouco fazer uma crônica sobre violência no trânsito, o caso é que numa dessas minhas incursões à cidade, ao ver um pobre coitado cheio de sangue estirado no asfalto ao lado de uma moto toda retorcida, me veio à mente esta imagem que esbocei rapidamente. Os primeiros traços foram feitos ainda dentro do ônibus.

Estou planejando mais um conto neste espaço. Vamos ver como fica meu tempo para os próximos dias.
É muito bom este momento com vocês.
Boa noite.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

BATMAN REVISITADO




Como já comentei em postagem passada, acho este morcegão um dos meus melhores trabalhos, e olha que lá se vão uns dezoito anos. Tenho uma história interessante para contar a respeito desta arte, mas para fazer isto eu teria que citar pessoas que é melhor esquecer que passaram pela minha vida. Não vale a pena.

Bem, um editor de São Paulo quer publica-lo numa revista, para isto pediu-me uma sequencia de etapas do processo de criação, como não poderia pinta-lo a óleo de novo (e também não disponho de tempo), resolvi fazer algo ultra-rápido com lápis de cor aquarelado.




Acho que curto este trabalho por ser um Batman à moda antiga, com um tecido cinza que delineia todos os músculos e ainda tem a comentada cueca em cima das calças, nada destas reinvenções como uniformes de combate militar e tantos outro aparatos que tentam situar um personagem iconizado (de papel) tentando traze-lo para um mundo real, onde seu uniforme fosse mais funcional. Nada contra estas releituras (começou com Frank Miller, né?) mas eu ainda curto o velho estilão de caras como Neal Adams, Irv Novick, Jim Aparo, Simon Bisley e tantos outros. Uniforme paramentado pode ficar legal no cinema, nos gibis tem que ser o antigão.





Bem, é isso. Tenham todos uma boa noite.









segunda-feira, 17 de outubro de 2011

EVENTOS DE QUADRINHOS NO BRASIL.

Até hoje só compareci  a uma entrega de prêmios HQ Mix durante os quase dez anos que morei em São Paulo na minha vida adulta. Nunca soube muito bem o porque, um evento de HQ (o mais importante até o momento) e eu encanado de ir lá assistir. Fazendo uma reflexão mais cuidada hoje, chego a conclusão de que não era dor de cotovelo por não receber indicações e consequentemente prêmios como seria natural presumir, até porque boa parte do tempo que morei em Sampa, eu não tinha nada de quadrinhos publicado ainda. Na verdade só fui ao evento depois que fiquei amigo do Gualberto Costa. Aliás, foi ele que me falou que se eu tivesse enviado um exemplar do primeiro Zé Gatão para eles, haveria forte possibilidade do álbum faturar um prêmio, pois foi por aquele período que a categoria independentes foi criada. O "Zé Gatão - Crônica Do Tempo Perdido" recebeu duas indicações em 2004.

Fui a alguns "Ângelo Agostini", mas só porque eu era amigo do Arthur Garcia e o acompanhava. Vale dizer então que o motivo verdadeiro é pelo fato de não gostar de aglomerações, ou pior, estar sempre deslocado em ambientes do tipo, isto sempre aconteceu nos lançamentos ou palestras  de determinados artistas, mesmo que eles estejam abarrotados de conhecidos, não consigo me inserir nas "panelinhas" (sim, elas existem de fato).

Fui a um um único FestComix (quando este acontecimento ainda se dava na própria Alameda Jaú, local onde se situa a loja Comix) para comprar um card para meu irmão caçula completar sua coleção de X-Men; fiquei um pouco por lá, cumprimentei alguns chegados, bati um papo rápido com o Jotapê Martins e depois com o Eloyr Pacheco, diga-se de passagem só ele falou praticamente. Enfim, me senti como era de se esperar, um peixe fora d´agua.
Este fim de semana teve mais uma festa de quadrinhos promovido pela Comix. Tomara que tenha bombado. Os quadrinhos precisam de muitas ocorrências deste tipo para se promoverem, aquecer as vendas, público renovado se encontrando e tal, mas definitivamente - e paradoxalmente - não é lugar pra mim.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

RAPIDINHA.


Só pra não deixar a sexta-feira passar em branco, fica aí um esboço rápido do meu caderninho.
Obrigado a todos pelas visitas e um bom final de semana.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

ZOO 2


Meu amigo Nestablo Ramos Neto já está de malas prontas para viajar pra São Paulo (eita, inveja!) para o lançamento de seu segundo álbum ( Zoo 2 - Jogos de Predadores ) no Festcomix. Colaborei com ele neste novo trabalho desenhando uma pinup. Zé Gatão também faz uma participação nesta história, ainda não sei direito qual é.

Bem, aos que estiverem em São Paulo, cheguem até o evento, o Netão além de grande artista é um cara muito boa praça, vocês irão gostar de conhece-lo. Aqui as duas capas do livro.

Boa tarde a todos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

ZÉ GATÃO - MEMENTO MORI FINALMENTE CHEGOU!



Caríssimos e caríssimas, tenho um novo livro na praça. Bem... mais ou menos. A gráfica mandou alguns exemplares para a Devir Editora ontem, e o Leandro (editor) me mandou algumas fotos da chegada (vocês conferem em primeira mão). Até o fim de semana a editora deve receber todo o estoque, aí começam as divulgações e distribuição. Penso que até a próxima semana este álbum já esteja a venda em todas as livrarias.




Ainda nem tenho meus exemplares, deve demorar mais um pouco até que receba, mas agora é o de menos, o importante é que Zé Gatão, mais uma vez volta a rugir, sim, nada de miados, é rugido mesmo! Agora não tem mais jeito, agora é caveira! É fogo na caixa d´agua!!!!

E ainda tem a GRAPHIC PADA 01 ESPECIAL ZÉ GATÃO, uma tiragem limitada só com HQs curtas do felino editada pela PADA, que vocês encontram aqui:
http://www.bodegadoleo.com/

Evidentemente deverei voltar com novidades sobre este lançamento. Tudo a seu tempo.
Agente segue se falando.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

JORGE E O DRAGÃO.

Amadas e amados, boa noite, passo aqui pra dar um alô, dizer que não há novidades dignas de nota, continuo ansioso pelo novo livro do Zé Gatão (que deve estar chegando por estes dias), o calor marca sua presença agora com mais intensidade, as ruas poeirentas e as calçadas infestadas com bosta de cachorro. Realmente nada novo.

Estou com os dois livros restantes da coleção dos clássicos para ilustrar, o que agora vai me tomar bastante tempo, sendo assim não estranhem se eu der uma sumidinha daqui, mas vou tentar postar pelo menos alguns esboços rápidos pra manter nosso contato atualizado.

Traços ligeiros como este de hoje. Este é um rascunho mal feito de uma ideia que tive faz tempo, queria fazer uma aquarela, aí rascunhei para ver se era viável. Desisti depois de um tempo pelo mesmo motivo que o da série dos Lobisomens Gigantes, pintar isto para quê? Para depois ficar guardado num envelope qualquer? Quem liga pra este tipo de coisa? Mas, sabem, se o bom Deus permitir, assim que der vou fazer esta aquarela, arte pra mim também é diversão, antes eu fazia algumas pinturas só pelo prazer de velas prontas, ainda que somente eu apreciasse, então não vou deixar este prazer de lado só porque a idade vai me tornando mais amargo, acho que vale a pena.

Não sei se vai dar pra aparecer aqui amanhã, o Senhor sabe, mas caso não, desde já, desejo a todos um bom feriado.

domingo, 9 de outubro de 2011

BICO DE PATO


O que está acontecendo com as mulheres? Não, a pergunta correta é: O que está acontecendo com ALGUMAS mulheres? É sabido que os modismos vem e vão. Se formos olhar para os grandes mestres do passado, veremos aquelas modelos todas gordinhas porque aquele era o padrão de beleza daqueles tempos, algo que pelo que percebo, durou até fins do século XIX (atenção, não falo com conhecimento de causa). Hoje vivemos a ditadura da magreza - pobres dos vermes, não queremos dar muito alimento a eles quando formos desta para melhor (ou para pior). Vejam bem, não estou falando daqueles casos onde a gordura é um risco à saúde de alguém.
Mas não é só de magrinhos que a grande mídia tem se alimentado, mas também da fealdade, das inversões de valores (e quando digo valores, falo de todos os tipos), mulheres bombadas, cheias de silicone nos peitos, na bunda, na panturrilha, os ídolos da música pop são aqueles tipos frágeis, andróginos que fazem as fãs, que ainda deveriam brincar de boneca, irem ao delírio.

Piercings e tatuagens por todo o corpo ( tá, eu sei que isto é até milenar em algumas culturas, mas não consigo me acostumar).

Contudo, o que tem me causado espécie é este enchimento que algumas mulheres tem colocado nos lábios dando um "efeito bico de pato". Cara, fica horrível! Outro dia destes vi uma jovem com os beiços assim, num eterno bico, como se tivesse tomado picadas de marimbondos na boca.
Rascunhei apressadamente alguns exemplos de como eu vejo estas intervenções cirúrgicas, tão em voga, para tentar demonstrar o quão ridículo fica (pela minha ótica, claro), mas confesso ter falhado, não ficou nem de longe estranho como já vi em algumas pessoas.


Que fique claro, meu reacionarismo não chega ao ponto de negar o benefício que a medicina pode prover a um indivíduo com problemas de auto estima. Então, se alguém tem orelhas de abano, um nariz muito farto, uma arcada dentária que o torne alvo do ridículo, nada mais natural que faça uso da ciência para corrigir o "problema", mas não me conformo com o exagero. Por exemplo, bonita como sempre foi, que necessidade tinha a Nicole Kidman de se parecer com a namorada do Pato Donald?


Bem, no final das contas eu nada tenho a ver com isto, não é? Mas fica aí a minha opinião (como se fizesse diferença).

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

CARPE DIEM

- E então, almoça comigo hoje? - Pergunta o rapaz para a moça que está sentada atrás da maquina de datilografia na seção de pessoal.
- De novo? Almocei na sua casa ontem, fico sem graça com sua mãe, eu indo lá todos os dias...
- Ah, minha mãe gosta quando você vai lá, e depois não seria em casa, mas num self-service na 104.
- Não sei, acho que você não devia gastar seu dinheiro.
- Ah, deixa disso, vamos ou não?
A garota olhou o rapaz de forma um tanto cismada, pensou no estômago vazio, na grana que precisava economizar para pagar suas dívidas, daí falou: - Certo, passa aqui ao meio dia.

Tempos depois eles caminhavam lado a lado pelas calçadas quebradas das entre-quadras de Brasília, ele, de tênis, trajando seu jeans e camisa esporte que deixavam eminente seu físico atlético, ela, uma mini-blusa e uma saia branca longa, com bolsos grandes que escondia seus quadris generosos, pernas bem torneadas e sandálias baixas. Entre eles uma espécie de muro invisível se erguia tornando-os quase estranhos um ao outro. O rapaz tentava criar coragem para perguntar o que estava saindo errado. Meses atrás ela parecia tão apaixonada, a ponto de ir atrás dele na faculdade, de praticamente sequestra-lo, levando-o para os motéis do Núcleo Bandeirante quase todos os fins de semana. Mas ele tinha medo de precipitar os acontecimentos, temor que ela uma vez encostada na parede, dissesse que o amor morrera, que era melhor permanecerem amigos apenas. Na verdade nas últimas semanas, era isto mesmo que acontecia, amigos que praticavam sexo. Pagar o almoço, emprestar dinheiro que nunca aceitava de volta e coisas do tipo, para ele era uma forma de dizer que a amava, que era um fiel companheiro de todas as horas, que valia a pena estar ao lado dele.

- Rapaz, hoje eu estou peidando muito - disse a garota quebrando o gelo.
- Eu hein!!!
- É sem cheiro seu bobo, só vento.
Esta era uma coisa que ele também gostava nela, esta espontaneidade, uma simplicidade quase infantil para falar de certos assuntos. Para ele, quase um alívio por ela demonstrar assim uma intimidade que sempre os uniu, uma cumplicidade construída ao longo do tempo.

Chegaram ao restaurante, fazia um clima tépido, um tanto incomum para a cidade naquele meio de ano.
Ela fez seu prato, arroz, purê, peixe e salada; ele, arroz com brócolis, bife grelhado, grão de bico, legumes e muitos ovos de codorna. Estes ovinhos difíceis de descascar, rico em albumina não podiam ser desperdiçados. Ele só comprometeu sua refeição exagerando no molho rosé.
Comeram em silêncio.
A moça olhava o varão, parecia admira-lo, o físico definido, de barriga dura como rocha. Gostava da forma educada como ele comia. Queria ter coragem para falar a ele daquilo que a angustiava, seu anseio por liberdade, buscar um rumo que a afastasse da mediocridade que era sua vida, mas tinha que fazer isto sozinha.
O rapaz queria casar, era talhado para o casamento, seria excelente marido, ótimo pai, mas não com ela, já tinha sido casada, um inferno em vida. Para ela bastou. Ele ficaria sabendo desses sentimentos ruminados através da irmã dela muito tempo depois.

O jovem observava discretamente a moça mastigar, os olhos grandes e vivos, o narizinho bem afilado, os fartos cabelos castanhos num corte que em anos vindouros chamarão de cafona. Lá, no íntimo, ele sabia que já a havia perdido, estava ciente de que não era amado. O que queria ela? Alguém mais alto? Com mais dinheiro? De olhos claros? Sentiu tristeza. Sentiu pena. Pena dela. Pena por ela. Num mundo mau como este em que vivemos, quem iria apoia-la, ouvi-la e protege-la?

Ele nada podia fazer, apenas aproveitar pequenos momentos ao lado dela enquanto ainda era possível.
- Eu ainda acho que você devia economizar seu dinheiro, eu faria um lanche lá na cantina da repartição, você mora perto do trabalho, podia almoçar em casa.
Ele nada respondeu, apenas levantou-se e pagou a conta.

Caminharam lado a lado de volta ao serviço. O muro invisível entre eles agora parecia mais alto que nunca.

ESTA HISTÓRIA É VERÍDICA E ACONTECEU EM 1988.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

HOJE O INCONVENIENTE SOU EU ( E MAIS SARGENTO DE MILICIAS )


No post de ontem comentei sobre alguns "malas", estes tipos "sem noção" que nos pegam no pé, muitas vezes sem se dar por isto. Assim que saí do computador comecei a refletir sobre o assunto e cheguei a conclusão que em muitas ocasiões eu também protagonizei este papel.

O frade acima é uma das ilustrações criadas para Memórias De Um Sargento De Milicias, parece descoroçoado, né? Ele lembra a mim mesmo em algumas situações, vamos a uma delas:

Excetuando o índio que pensou que fosse meu amigo, a maioria dos tais malas na minha vida foram pessoas que admiravam minha pessoa ou meu trabalho. Vendo por este prisma, com certeza eu já fui inconveniente uma pá de vezes. Por exemplo, no início dos anos 90, eu ia ao estúdio que o Arthur Garcia dividia com seu saudoso sócio e amigo João Pacheco em pleno horário de trabalho e ficava lá por horas a fio atrapalhando os caras. Eita mala sem alça e sem rodinha!

Já fiquei na casa do Gualberto Costa até tarde da noite, e abusei da generosidade do Franco de Rosa. Mas o fato mais gritante se deu com um dos maiores quadrinistas deste país, vou omitir o nome, ok? É mais saudável a todos.

Conheci este artista muito badalado por público e crítica ainda na Gibiteca  Henfil, em tempos nada aprazíveis. Como achei que nossas formas de criar HQs eram muito similares (não na forma, mas no conteúdo), tentei fazer amizade no melhor estilo Gasparzinho. O cara nunca ficou a vontade comigo, mas achei que era só coisa da minha cabeça, então sempre que uma oportunidade se apresentava, lá estava eu tentando entabular uma conversa. Ele era muito agradável, chegou a me ligar umas duas vezes, uma delas inclusive para repassar um trabalho, mas eu sentia que alguma coisa não estava certa, havia sempre a sensação de que eu queria me impôr na vida dele. Não havia nenhum interesse da minha parte, só a de ser chegado mesmo, por admirar o trabalho e me identificar, em parte, com sua história de vida.
Num dos festivais de HQ que era realizado no Recife (pena que não tem mais) ele foi um dos convidados e lá estava eu. Ele foi bastante cordial e como eu estava desenvolvendo um novo álbum, levei alguns dos originais para ele dar uma olhada. Fomos até o seu quarto de hotel onde ele leu atentamente uma das histórias e me despedi quando ele se dirigia para umas das suas palestras. Na verdade eu colei no cara, hoje penso que deve ter sido um alivio para ele quando me despedi.
O encontro seguinte foi no apartamento dele em São Paulo numa manhã, levei um dos meus álbuns de anatomia assinado (que ele pediu). Conversamos bastante e ele riu um monte com alguns relatos picarescos da minha vida. Me mostrou um álbum ainda em andamento, desenhos (alguns pornográficos) nunca publicados, todos sensacionais. Como eu não dava mostras de ir embora ele disse que teria que sair dali a pouco; neste ínterim, a esposa dele chegou, me cumprimentou, ficou sentada na cozinha e de lá não saiu. Meu desconfiômetro começou a se regular e eu pedi pra ir ao banheiro antes de ir embora. Me despedi e me mandei. De novo penso que o cara deve ter suspirado de alívio. Liguei para ele um certo dia e notei frieza. Desisti. Nunca mais o procurei. Amizade é uma coisa que não se impõe, se conquista, e a dele eu nunca tive, hoje sei disso.
O curioso é que eu NÃO sou do tipo muito sociável, mas se gosto de alguém, pareço aquele cão fiel.

Bem, chega de dar a cara a tapa por hoje.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

TALKING ABOUT THE WEATHER E SARGENTO DE MILICIAS ( 03 )



Depois do texto pesado de ontem, que tal uma conversa, ainda que rápida, sobre temas mais amenos?
Sobre o que falaremos? Sobre o desenho de hoje? Certo, é mais um do livro clássico, Memórias De Um Sargento De Milicias. Nanquim sobre papel opaline, não há muito o que acrescentar. Podemos falar do tempo, que tal?

O calor voltou. Parece aquele amigo mala que surge sem aviso. Passa dois meses, acaba com seu sossego, sua geladeira e depois vai embora reclamando que o problema dele é que só tem amigo pobre. Parece exagero né? Coisa de comédia hollywoodiana ou sitcom americano. Nah, eu minha família já passamos por situações do tipo. Uma vez apareceu uma certa advogada lá em casa recomendada por um juiz amigo do meu pai, e o que era pra ser uma estada de três dias acabou sendo quase um mês. Uma pessoa inconveniente toda vida, dando palpite em assuntos alheios. O pior é que a tal mulher acostumou e uma vez a cada, sei lá, quatro meses, ela reaparecia quando tinha que resolver alguma coisa na Justiça de Brasília. Constrangidos por ela ser amiga de uma pessoa a quem meu pai tinha estima, a gente aguentava calado. Fiquei sabendo mais tarde por outra pessoa, que ela falava mal de nós.

Em São Paulo havia um conhecido meu que aparecia nas horas mais improváveis, cedo ou tarde, pra ele não fazia diferença. E falava palavrão alto. Cara, meus pais estão aí, abaixa o seu volume - dizia eu, Ô, desculpe, respondia ele, e no segundo seguinte lá estava o cara bradando suas bobagens. Passei a evita-lo como a uma moléstia contagiosa, cada vez que ele aparecia eu dizia que estava de saída, botava uma roupa e me mandava pra um lugar qualquer. A que ponto cheguei.
Não sei dizer se estas pessoas são mesmo cara de pau, ou não percebem o quão inconvenientes são.

Mas o pior de todos foi um cara que cismou comigo, quer dizer, cismou que era meu amigo, quando na verdade era só um babaca que eu conhecia no colégio. Parecia um autêntico índio saído de alguma tribo lá no Xingú. Não sei como o  cara conseguiu meu endereço, talvez através de outro conhecido da sala de aula, o caso é que um dia de manhã ele me aparece lá em casa. Viera de bicicleta desde o Guará. Entrou, sentou, conversou fiado, peidou na sala (sério!), e minha paciência se esgotando.
Certa tarde eu chego em casa e minha mãe me fala que um amigo meu estava me esperando. Quem?!? E lá estava o cara sentado no sofá, todo refestelado assistindo TV. Chamei-o pra fora e fui taxativo: Cara, quando eu não estiver em casa nem ouse entrar, fui claro? O individuo se fez de ofendido e se mandou, logo no dia seguinte ele se associou a outro dois elementos pra me provocar no pátio da escola, mas aí já é outra história.

Pensando bem, o calor não é como estas pessoas. Definitivamente não. Ele é só um amigo mais intenso.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

UMA IMAGEM MARCANTE.


Ao me deparar com a tela do computador hoje, como das vezes anteriores, fiquei me perguntando qual seria o tema da postagem. Na maioria dos casos o que dá mote ao texto é o desenho que o acompanha, outras vezes (mas muito raramente) crio uma arte qualquer de última hora só para ilustrar a mensagem.
Sempre tenho a cabeça cheia de idéias, o que me falta é tempo e quase sempre minhas preocupações bloqueiam meu raciocínio, melhor dizendo, criam estáticas, e não filtro minhas emoções de maneira adequada; como hoje, logo de manhã já recebi ligação de uma das editoras que me dão serviço, e lá vem mais obstáculos para transpor;  hoje, prevejo um dia cheio, daqueles que não trazem nenhuma palavra de alento. É fácil reconhece-los. Esta talvez seja a única vantagem de envelhecer, conhecer de cor e salteado o enredo e o final de determinados filmes.

Com o clima assim, não seria de bom tom falar sobre tragédias, ou para ser menos dramático, de coisas que nos incomodam, mas se temos que enfrentar os nossos medos, então vamos lá.

A primeira lembrança que tenho de ver um corpo humano aos pedaços, foi na região do Taboão em Guarulhos, quando morei com minha avó. Um garoto havia sido atropelado por um ônibus. Não sei que idade eu tinha, 4, 5 ou 6 anos, não era mais que isto. Mas nada me causou um impacto tão forte como a pintura do "Tiradentes Esquartejado" (google), obra do pintor clássico paraibano Pedro Américo.
Era início dos anos 70, e eu morava em Pirituba, na mesma rua onde aquela cor amarelovermelhoalaranjada dos longos cabelos da boneca na mão da garotinha me deslumbrou, e para provar que tudo nesta vida possui um certo equilíbrio, para uma grata lembrança, temos outra funesta, e quão trágico parece ser que esta última se sobreponha à primeira, como a tormenta ocupa o lugar do agradável horizonte límpido que a precedeu de forma brutal.

Eu estava na escola, era próximo do dia 21 de abril, o trabalho era para se fazer cartazes para as comemorações do dia do Tiradentes, e ali estava, em todas as suas cores a figura que tinha sido recortada do primeiro fascículo da coleção "Grandes Personagens Da Nossa História". Um cartaz com várias gravuras mostrando os distintos momentos da vida deste que foi eleito o maior "herói" nacional". Mas apenas uma viria marcar - vai saber se para o bem ou para o mal - boa parte da minha vida. Ainda lembro do comentário irônico de um garoto japonês sobre a perna fincada na estaca.
Naquele dia eu cheguei em casa taciturno, sem apetite para o almoço. Não era medo, tampouco nojo, era uma forte impressão que tomou conta de mim e que nos anos posteriores viria se tornar um espectro que me tiraria a paz. Soa forte? Não sou bom com as palavras, se fosse, eu traduziria nas letras o que se passava no meu íntimo para que alguém pudesse entender. Só entender, nada mais. Certas coisas na vida não se explicam, tampouco tem remédio, elas são o que são, como são, e a única coisa a fazer é lutar contra o monstro que te devora, e só se faz isto levantando a cabeça e seguindo em frente. Se pararem pra pensar, Zé Gatão tem a ver com isto, a dura luta diária pela sobrevivência num mundo repleto de violência, luxuria e mensagens negativas. Levantar a cabeça e seguir em frente tentando manter a sanidade e discernir a linha tênue entre o bem e o mal. Repare que no universo antropomorfo que criei não existe lugar seguro, nas cidades, no mar, na floresta ou no deserto, ali está a pressão, a ameaça. Parece familiar pra você?

A imagem do Tiradentes esquartejado, parecia-me mais abjeta que do garoto atropelado de uns anos antes talvez porque ali tinha acontecido uma fatalidade, algo que, sei lá, não seria possível evitar. No caso do Joaquim José da Silva Xavier, me parecia inconcebível que um ser humano pudesse fazer aquilo com outro. Tá, a coisa não se deu, provavelmente, como mostra o quadro, mas a mensagem permanece.
Como é comum à qualquer criança, aquilo não durou, logo estava de novo brincando de Tarzan com os amiguinhos ou descendo as ladeiras em carrinhos de rolimã.

Uns dois anos depois, estávamos instalados no centrão velho de Sampa, na Rua Aurora, eu estudava no Instituto Escolar de Educação Caetano de Campos na Praça da República, e de novo, próximo das comemorações do dia 21 de abril, na sala de aula, amplo debate sobre a inconfidência mineira e suas consequências. Então novamente me deparei com o espectro do "herói nacional", só que agora ele tinha tomado um aspecto maior, mais escuro, mais assustador. Logo entendi porque, não era mais somente a figura dele esquartejado, mas toda a sordidez que envolvia a história, a forma como ela era contada. Tudo aquilo começou a formar em mim um sentimento de desprezo absoluto por tudo o que se relacionava com a história do Brasil. Todos os absurdos gloriosos me davam asco. Eu não conseguia tirar da mente as visões que se formavam, os detalhes sórdidos, como por exemplo, o carrasco montando nas costas do enforcado para que o suplício não se prolongasse.
Aquelas sombras tomaram conta do meu universo e mente, me envolveram como uma bruma negra. Os dias frios e cinzentos, a garoa fina e intermitente tão peculiar de São Paulo naqueles dias só faziam multiplicar aquela onda de terror que me acometia. Eu não tinha fome, nem conseguia conciliar o sono. Só dormia depois de muitas horas me revolvendo na cama e ainda assim era tomado por sonhos estranhos e perturbadores. Eu buscava de forma obcecada saber tudo a respeito do drama da conjuração mineira, e quanto mais sabia, mais odiava aquilo tudo. Eu quase admirava o traidor da "causa", Silvério dos Reis. No meio disto tudo acabei conhecendo um certo Felipe dos Santos que uns anos antes liderou uma revolta semelhante em Ouro Preto. Ali, a coisa se adensava, uma vez que este coitado teria sido esquartejado atado entre quatro cavalos bravos (hoje especula-se que isto seja um mito) e minha cabeça um tanto doente com estas visões macabras ameaçava fundir-se irremediavelmente (pelo menos a mim parecia). O lado bom desta história é que tirei nota máxima por este trabalho, aliás, devo acrescentar aqui que durante o meu primário (hoje ensino fundamental) eu fui um ótimo aluno, só vindo a ser um estudante medíocre no ginásio, ou segundo grau, ou ainda ensino médio.
Eu me sentia triste e sozinho, apavorado por algo invisível e além da compreensão, afinal, ali não havia nada a temer; porque então eu tinha uma sensação de que os espíritos dos inconfidentes viriam me arrastar para aquele passado sórdido com eles, para ser degredado na África ou subir o cadafalso e ser enforcado?
Cheguei a conversar com minha mãe (com meu pai nunca houve diálogo) mas como ela poderia dar crédito a algo tão impalpável?  Logo aquilo iria passar dizia ela. No escuro do quarto algo parecia me observar. Naquela época eu não conhecia a Cristo, nem Sua palavra, não sabia do poder da oração. Meus irmãos, sempre os melhores amigos, eram tenros demais.
Se eu tivesse tempo e espaço, contaria algumas coincidências envolvendo a macabra pintura do Américo, mas pensando bem, melhor não falar disso. Deixo o passado no passado.

Um ano ou dois mais tarde Brasília vinha me saldar com seus horizontes amplos, sua iluminação quase célica e a verdura de sua rasteira vegetação. Aquelas emoções conturbadas pareciam ter ficado para trás. Por pouco tempo. Aprendi com isto que não importa para onde se vá, se não resolve-lo, o problema segue junto com você. Contudo parecia que no céu o mesmo problema tinha uma cara, no inferno outra pior. Talvez na adolescência as impressões nefandas tomassem outro corpo. De qualquer modo o resultado era era o mesmo. Uma terrível sensação de desgraça eminente que me tiravam o prazer da vida. Pra contra atacar eu desmerecia a figura do "herói nacional", dizia que era uma farsa, o cara era um escroto, a história toda era uma mentira. Me diverti de forma forçada quando certa vez a revista Mad retratou alguns célebres personagens históricos. Lá estava o Tiradentes enforcado com a cara do Alfred Newman de lingua de fora e ainda com aquele sorriso imbecil - Estes caras não respeitam nada, nem o único herói que possuímos - disse um amigo de escola. Eu não tinha coragem de olhar a pintura dele esquartejado, quando de forma inadvertida ela me saltava aos olhos, eu tinha palpitações e sudoreses. Afirmava que ela era mal feita, não retratava fidedignamente o local onde a tragédia se deu, como se eu soubesse do que estava falando. Qual o quê, a obra é brilhante, corajosa e ousada, hoje reconheço, embora ainda me cause desconforto.
Pra piorar meus nervos, houve quem falasse que eu poderia ser a reencarnação de um dos inconfidentes, quem sabe do Silvério, até mesmo do Joaquim. Cheguei a frequentar centros espíritas na época e finalmente me dar conta da grande bobajada que é o espiritismo e suas práticas. Resumo tudo em duas únicas palavrinhas: foi horrível.

A história do Brasil pra mim ainda é uma lástima, mas noto como ela vem sendo recontada de diferentes formas conforme a música que é tocada no momento. Fontes modernas e mais confiáveis afirmam que a conjuração mineira não foi bem como aprendemos na escola. Uma nova versão, dizem, bem documentada, afirma que o Tiradentes sequer foi enforcado, que um ladrão foi morto em seu lugar em troca de benefícios à sua família e blá, blá, blá. Pra mim tanto faz.

Como venci isto tudo? Não venci meus amigos. Cristo Jesus venceu por mim. Ontem eu era criança, hoje sou velho, as marcas das inúmeras lutas hoje não passam de meras cicatrizes.

A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE COMENTADO PELO ESCRITOR E POETA BARATA CICHETTO

 O livro que tive o prazer de trabalhar ao lado do ficcionista Rubens Francisco Lucchetti intitulado A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE, ...