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domingo, 30 de dezembro de 2018

FELIZ 2019!!!!


2018 foi um ano cruel para mim, não tenho como negar. Houve momentos em que pensei que a vida chegaria ao fim e.....até desejei isso. Como disse o apóstolo Paulo em uma de suas cartas: "....houve momentos em que até da vida desesperamos...." Contudo, parafraseando o mesmo apóstolo, Deus sempre enviou socorro, graça e misericórdia.
Temos esta tendencia.....temos, não, vou falar apenas por mim; então me corrigindo: tenho a tendencia a pesar mais os fatos negativos da vida na balança, aqueles que machucam mais, e me esqueço dos momentos bons. Isto porque os acontecimentos prazerosos parecem não marcar tanto como os nefandos, haja visto que muitos não conseguem rememorar com precisão um pique nique em família na juventude, mas não esquece um trauma de guerra, os beijos da mulher amada não embalam de forma tão doce um sonho ao passo que um pesadelo trazendo de volta um trágico acontecimento nos derruba da cama. Um passeio numa tarde tépida em um belo jardim de mãos dadas passa depressa e em contrapartida os instantes na cadeira do dentista parecem demorar uma eternidade. Este ano, claro, teve momentos memoráveis, visitei Brasília em duas ocasiões, em fevereiro e outubro, estar ao lado da minha mãe é algo que não há ouro que pague. Mas não vou cansar vocês com minha filosofia medíocre.
Era minha intenção fazer um balanço mais detalhado deste ano que vai embora, comentar um pouco sobre política mas estou cansado demais para isto, eu e Verônica sempre trabalhamos mais nos dias de festa.


Um acontecimento que merece registro foi a publicação de A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE, biografia em quadrinhos do poeta escrito por R. F. Lucchetti e ilustrado por este vosso anfitrião. Os que me acompanham a muito tempo sabe do que se trata, conhece o drama de ter que trabalhar em um projeto em meio ao caos, sempre com a pressão cotidiana da luta pelo pão de cada dia. A demora em vir a público em um país que não conseguiu consolidar um mercado para este tipo de arte.


Mas tudo tem seu tempo certo para acontecer. É difícil esperar mas ouso fazer uso do clichê que afirma que é com dificuldade que saboreamos melhor o gosto da vitória.


Meu exemplar chegou às minhas mãos na sexta última e não me decepcionei, a edição está caprichada, com um excelente acabamento gráfico. Capa dura, tamanho grande, papel de qualidade, 180 páginas. Enfim, vaidoso e orgulhoso.


Os interessados podem adquirir neste link:
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Penso que com este livro eu encerro um ciclo na minha vida. Talvez - eu disse talvez - ele seja o último que eu publico por uma editora. Planejo doravante me auto publicar.

Falando como artista, o que me trará o ano que chega? O NCT? O BICHO QUE CHEGOU À FEIRA? ZÉ GATÃO - SIROCO? Nada? Não sei, tudo pode acontecer.

O certo é que até este momento eu e Vera temos conseguido, com a ajuda de Deus, vencer as correntezas contrárias com nossos remos. Espero que assim continue.

DESEJO A TODOS VOCÊS, MEUS FIEIS LEITORES, AMADOS AMIGOS E AMIGAS UM 2019 CHEIO DE REALIZAÇÕES, SAÚDE, PAZ INTERIOR E MUITA GARRA PARA VENCER OS INEVITÁVEIS INIMIGOS.

Obrigado por sempre me acompanhar por aqui.

Forte abraço!









  

domingo, 23 de dezembro de 2018

ENTÃO É NATAL.

Conheço uns caras que são bem legais, eles me mandam cartões de Natal por e-mail, cartões que eles mesmos desenham e pintam, como bons artistas que são. Eu, envergonhado, retribuo apenas com votos. Já pensei diversas vezes em fazer uma imagem bacana, bem transada, com palavras de incentivo para postar aqui todo ano por ocasião do aniversário de Jesus, mas nunca me lembro em tempo hábil, sei lá. A verdade é que ando sem inspiração para isto. Quem sabe ano que vem?

A correria e algumas desditas destes últimos tempos me impedem de acessar amiúde este blog, mas ontem dei uma olhada nas estatísticas e reparei que as visualizações tem diminuído drasticamente. Meu recorde, até anotei aqui, foi de 825 acessos em um único dia. Já tive 700 e 600 e poucos, mas a minha média comum variava entre 150 e 300. Eu sei que os blogs caíram de moda faz tempo, deram lugar às redes sociais mas ainda tenho alguns leitores aqui, bem, leitores não sei, talvez muitos cheguem aqui de para-quedas por causa de alguma arte ou procurando algo sobre algum livro clássico. O fato é que nesta última semana as visualizações variaram de 8 a 30. Oito? Sim, isto mesmo, neste sábado só oito pessoas vieram aqui. Ok, eu sei que quantidade não conta e sim a qualidade, mas começo a me questionar se vale mesmo a pena eu perder tempo com devaneios. Textos longos muitos não gostam, ou tem preguiça ou não tem tempo, já vi caras com canais no Youtube dizendo que não farão mais vídeos que excedam 8 minutos, expectadores acham vídeos de 30, 40 minutos muito longos. Sinal dos tempos. Hoje um filme é todo picotado porque não pode passar a marca de uma hora e quarenta, no máximo duas. Os melhores filmes que vi (Ben Hur, Poderoso Chefão, Três Homens em Conflito, Era Uma Vez No Oeste e outros) tinham mais de 3 horas.

Bem, gosto de números redondos e minhas postagens ainda não chegaram a mil (mas está perto) e pretendo ainda falar mais um pouco sobre meu passado e escrever mais uns contos. Falando nisto, meu old pal Luca escreveu um conto do Zé Gatão em 2016 e eu nunca publiquei. Estou fazendo algumas ilustrações para finalmente trazer mais uma aventura do Felino pela hábil pena do velho companheiro. É aguardar.

A arte de hoje? São duas personagens criadas pelo brother Elton Borges para um vídeo game de luta, esta é minha visão delas.


DESEJO A TODOS QUE ME VISITAM AQUI, UM FELIZ NATAL, COM HARMONIA E ALEGRIA JUNTO AOS SEUS.

Volto a falar com vocês antes do ano terminar, se Deus quiser!

domingo, 16 de dezembro de 2018

AMOR POR ANEXINS E OUTROS CONTOS ( 06 ).


Sobre o que falar? Sobre o calor insuportável que anda fazendo, principalmente a noite? Ligamos o ventilador e ficamos na dúvida se não abrimos o forno. Não, já comentei sobre isso inúmeras vezes aqui. Sobre as frequentes quedas de energia? Também não. Sobre o meu cansaço físico e mental sempre presente? A respeito da crescente idiotia daqueles que não querem alternância de poder? A mediocrização irreversível da cultura? Cadê as boas músicas? Os bons filmes? Perdidos, escondidos no meio de toda a tralha que se produz atualmente com grana que daria para construir um belo hospital totalmente equipado? Nah! Já escrevi sobre tudo isso. Parece que não tenho mais assunto. Talvez eu devesse discorrer sobre as maravilhas de Deus, a beleza do amanhecer, do por do sol, dos pássaros e flores ou da inocência das crianças. Sim, seriam bons temas, mas acho que não estaria sendo sincero, o Senhor sabe. Para falar sobre a nobreza das violentas vagas do mar, o aconchegante barulho da chuva na janela, preciso estar em sintonia, o que não é o caso. Este ano de 2018 foi particularmente cruel.

Mas a arte ajuda, tenho criado coisas interessantes sob encomenda (isto paga as contas, o que no fundo é o que importa), de quebra ainda faço um desenho pra mim, bem maluco, nos intervalos.

As articulações dos dedos da minha mão direita (minha principal ferramenta de trabalho) doem pacas. Tento deixar no gelo e fazer alongamentos mas parece não estar surtindo efeito. Ir a um reumatologista? Sim, claro! Mas tudo o que eu ganho é para pagar as contas básicas. Saúde é importante mas o estômago reclama prioridade. Não sei, continuo vivendo um dia de cada vez, será assim até que meu corpo suportar.
Ingratidão e injúrias enfermam a alma. Mas não entristeçamos com esses assuntos.

Assisti a série de terror (terror?) "A Maldição da Casa Hill". Gostei? Não sei, acho que não. Gostei de algumas coisas, a maior parte achei chata demais. Vi também a terceira temporada de Demolidor, da Marvel. Apesar do herói cego continuar apanhando como um cão sem dono eu curti muito.

Estou lendo O Morro dos Ventos Uivantes, o clássico (gótico?) de Emily Bronte, o que prova que tudo tem seu tempo certo.

De quadrinhos, eu leio nos intervalos de trabalho, Fragmentos do Horror, mangá de Junji Ito, o papa nipônico da bizarrice. Quem disse que hq de terror bem feita não perturba de verdade? Esses japas são foda, quando criam algo legal não há quem os supere.
Releio também a excelente série Escalpo, da Vertigo.

Não tenho escutado muita música, mas quando ouço é só aquelas coisas antigonas.


Mais uma cena deste clássico para vocês - aliás, este livro é um dos vinte e tantos que a editora ainda não publicou - e me despeço por hoje.

Fiquem todos bem.


domingo, 9 de dezembro de 2018

A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE FINALMENTE PUBLICADO!!!!


Boa tarde a todos!

Pensem em um cara cansado: esse sou eu!

Hoje acordei perto de 5 da matina; acordei não, me acordaram. As lutas do dia a dia - e noite a noite -  não cessam. Mas ok, vamos seguindo sempre em frente.

Esta é a coleção do Matheus Garcia, que escreveu a minha biografia e a do Lucchetti no livro do Poe.

A boa notícia é que a campanha pela biografia do Edgar Allan Poe em quadrinhos foi muito bem sucedida, a meta foi triplicada, graças a Deus! O livro já está impresso, só não recebi ainda, deve demorar um pouco, mas a editora já começa o envio para as pessoas que contribuíram.

Uma coisa quero que fique bem clara, a campanha foi feita pela Editora Clepsidra, não por mim, então, não respondo por isto.

Mais uma etapa vencida na minha vida, glórias a Deus!

Ainda existem álbuns de quadrinhos com minhas artes a sair, estou aguardando e trabalhando em uma nova aventura do Zé Gatão (que está estacionado de novo).

Por hoje é isto.

Abraços e beijos pra vocês!

domingo, 2 de dezembro de 2018

A VELHA GUARDA.


Houve uma manhã esta semana, não lembro exatamente qual, acordei com o dia raiando, os primeiros lumes do sol expulsava a madrugada. Precisava ligar a bomba d´água, Vera toma banho logo cedinho. Caminhei até o portão, vinha um vento fresco oriundo da praia que fica a umas três quadras de onde moro. Observei o céu que prometia mais um dia quente e me veio à memória as palavras do salmo 121: "Elevo os meus olhos para os montes; de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor que criou os céus e a terra".
Preciso deste socorro estes dias mais que nunca. Mas tenho que esperar com paciência, tudo acontece no momento certo.

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Qual será a música mais famosa dos Beatles? Yesterday? Hey Jude? Help? Eu diria que é Yesterday. E dos Rolling Stones? Satifaction? Lady Jane? Angie? Eu penso que seja Satisfaction.
Vou falar abreviadamente de música hoje, uma das poucas coisas, além do desenho, que me acalmam a alma. Mas não de música gringa, mas das canções que ouvi quando moleque.

Minha avó ouvia sertanejo de raiz, Tonico e Tinoco, Trio Parada Dura, Cascatinha e Inhana e muitos, muitos outros. O rádio de pilha vivia ligado. Ela acordava muito cedo, tipo as 4 da manhã para fazer café e era nestes momentos que eu ouvia as músicas de viola caipira com mais frequência.

Eu falei de Beatles acima não foi? Pois bem, acho que em 1968 eu ouvi Hey Jude. O longo refrão "Hey Jude, da, da, da, dá...." vinha de alguma casa onde o rádio estava ligado na maior altura. Lembro de ouvir também o Brucutu na voz do Roberto Carlos, aliás, quase tudo que tocou dele e de outros da Jovem Guarda.
Durante os anos 70, além dos gibis eu era viciado em rádio, ouvia de tudo, os bregas eram muito frequentes naquele período: Vanderley Cardoso, Jerry Adriani, Nelson Ned, Odair José e etc. Houve uma invasão muito grande de músicas internacionais no Brasil no período de regime militar, não só de língua inglesa mas muita coisa francesa e italiana, muita mesmo.
Acho que isso desenvolveu em mim um gosto bastante eclético, não tenho preconceito em relação a este ou aquele estilo musical, existe sim a música que nos soa bem à alma e outras nem tanto, refinamento é algo muito particular.

Mas quero comentar aqui sobre os anos de 1975 e 1976 onde tocava muito na vitrola de casa alguns discos que meus pais gostavam de curtir. Minha mãe ficava com Ângela Maria, Orlando Silva, Ataufo Alves, Sergio Bittencourt, Agnaldo Rayol, entre outros e meu pai com Nelson Gonçalves, Noite Ilustrada e mais alguns que me fogem da memória agora. Eu gostava também daquelas letras cheias de romantismo e poesia. Eram cantores de verdade, não os enganadores da chamada MPB (se bem que eu gostava do Caetano e do Gilberto Gil). Mas teve uma época em que comecei a ouvir rock pra valer em que eu reneguei isso tudo. Coisa de adolescente descolado que se julgava antenado e essas velharias era coisa de gente quadrada.
Certa vez meus pais deram uma festa em casa para seus amigos (nossa casa na SQS 202 era frequentada pela nata da política brasiliense, até um ministro não sei das quantas aparecia em nosso apartamento. Era muito comum receber visitas ilustres, aqueles coroas com sua mulheres distintas, perfumadas e cheias de joias para tomar uma sopa de cebola que fez minha mãe famosa entre eles). Em muita dessas ocasiões eu e meus irmãos ficávamos no quarto com minha avó vendo tv.  Bem, o caso é que nesta festa em particular o som era alto, os sofás foram afastados e a dança rolava solta na voz de caras como Cauby Peixoto. Era comum a moçada mais nova entrar de penetra onde rolava uma festinha na quadra. Então eu vi uns caras que eu conhecia entrando pela porta sorrindo debochadamente do estilo musical que rolava. Caramba, pensei, esses caras vão me sacanear pelos séculos dos séculos, doravante. Morri de vergonha. Não ficaram muito, logo se mandaram. Nos dias seguintes ninguém comentou nada, provavelmente não se ligaram que era a minha casa.
Sendo bem sincero, eu não ouço mais essas músicas, só gosto de me ligar em algumas criações do Lamartine Babo que sempre achei um gênio. Mas sei que artistas como aqueles hoje não existem, não há lugar para eles, letras e melodias como aquelas não fazem mais. O axé, o funk e o sertanejo universitário tomaram conta de tudo.

Os nordestinos tiveram um papel importante nos fins de 70 na minha vida: Luiz Gonzaga, Zé Ramalho, Ednardo, Belchior, Fagner, Raul Seixas (bem, Raul veio bem antes).

Neste fim de ano de fel eu quis relembrar aqueles tempos mais amenos. Só isso.

Apesar de tudo, meu trabalho prossegue, executo uma pintura de matizes bem complicados para um amigo e o resultado tem me agradado bastante.

O desenho de hoje foi uma encomenda, um lápis simples.

 

domingo, 25 de novembro de 2018

ZINE CABAL


Ah, fazer tudo que planejo, tomara fosse possível! A mente não para, não repousa, elabora coisas, imagens, palavras.... os vendavais de sentimentos que pedem um corpo na branca imagem do papel (ou da tela). E onde encontro tempo para que estes fantasmas ganhem alguma estrutura? São tantas pequenas coisas do dia a dia, a labuta pelo pão nosso....e a fadiga preenche tudo!

Tenho tirado o pé do acelerador...não vale tanto a pena o esforço praticado. Arte, pra maioria das pessoas, não acrescenta nada. E o que é verdadeiramente arte? Aquela que disputa os olhares das pessoas nas paredes dos museus, podemos dizer? Guardando as devidas proporções, o que falar dos desenhos postados em blogs ou páginas de redes sociais? Eu realmente não sei.

Como posso, da maneira que posso, minhas ideias vão ganhando carne, compleição, robustez ao lado dos trabalhos que colocam comida na mesa. Sei que muitas dessas quimeras se perderão com o tempo, como foi com tantas outras ao longo dos meus anos, algumas viraram almas penadas que as vezes vem me assombrar, mas estão fragmentadas demais para que eu possa reconstituí-las, dar a elas uma imagem a ser visualizada por alguém.

As vezes eu paro na estrada em que caminho, olho em redor, não há nada além de mim (nem poderia). Observo às minhas costas, o caminho longínquo, cheio de junções se mostra difuso, embaçado, perdendo totalmente o colorido. À frente, apenas vislumbres do que poderá ser, em meio a escuridão. Prossigo, com extremo cuidado um passo após o outro.

Comentava com um amigo que seu eu pudesse pleitear algo em particular agora que vou entrando nos dias de velhice, seria um pouco menos de pressão na lida cotidiana, um tempo para mim, para pintar minhas telas a óleo, produzir algumas esculturas em argila, um lugar sossegado para ler meus livros e gibis, um toca disco para ouvir meus vinis. Pode não parecer, mas eu acho que é pedir demais.



Existem muitas vantagens de ser um ilustrador querido por algumas pessoas, além do carinho das mensagens para meus desenhos, recebo presentes em casa. Livros, revistas e prints.


CABAL é um fanzine muito caprichado. Material de ótima qualidade, não só na impressão como no conteúdo. É um quadrinho que me lembra muito umas publicações que eu via em bancas nos anos 70. Naquelas edições, fosse a narrativa de faroeste, detetive ou terror, a única preocupação era contar uma boa história, nada de ideologias; os desenhos, uns muito bons, outros mais amadores, deixavam entrever o esforço do artista em se mostrar claro ao leitor. Hoje muito disso se perdeu, infelizmente.


O responsável pela publicação é o Clodoaldo Cruz - a quem agradeço o carinho em me enviar as edições - e, como não podia deixar de ser, é uma publicação mix; tem de tudo um pouco, ficção científica, terror, noir, pin ups e entrevistas com autores e desenhistas veteranos e novos (teve uma edição muito boa com o lendário Júlio Shimamoto).


O carro chefe da publicação tem como tema histórias detetivescas em uma cidade chamada CAT'S CITY, onde um felino assassino é o protagonista. Não há outros antropomorfos, apenas gatos. Há um "Q" de Zé Gatão ali? Pode ser. Mas o tema é diferente, a filosofia da coisa é diversa.


O fanzine, na verdade uma revista que poderia muito bem ser vendida em bancas do país, é muito bem editada e conta com roteiristas e desenhistas muito competentes. Como eu disse, ela me recorda as HQs de um tempo menos corrido e concorrido.


Tem um um e-mail no expediente da revista, imagino que se alguém se interessar possa escrever para lá. É: zinecabal@gmail.com


MEUS PARABÉNS A TODOS OS ENVOLVIDOS NA PRODUÇÃO DA CABAL e que ela tenha longa vida e possa chegar às mãos de mais pessoas.

E vamos em frente!

sábado, 17 de novembro de 2018

COMENTANDO NOVAMENTE SOBRE A HISTÓRIA DA ÁGUA.


Na minha existência eu fiz inúmeras tentativas de viver dignamente da arte. Numa outra vida - porca vida - eu pintei uns pequenos quadros de paisagens e cavalos em sua vida selvagem e temas religiosos em papel camurça para vender na Praça XV, no Rio de Janeiro. Neste mesmo tempo, executei cenários e paisagens nas paredes de casas e igrejinhas evangélicas. Nunca levei mais que alguns trocados.

Pintei retratos por um tempo mas foi um serviço muito inglório, além de nunca pagar muito. Fora os trampos que fiz de graça para ver se eu "aparecia" para o público.

Trabalhei também para agências de publicidade, naquela época, meados dos anos 80, como eu era amador nunca recebi um salário digno, eu era sempre o "auxiliar de desenhista", ou arte finalista, como queiram chamar, além de ser um ofício dos piores que já enfrentei, um dia conto com mais detalhes, UMA POSTAGEM PRÓXIMA SOBRE ISTO PODE SER UMA BOA!

Pintei enormes painéis de mulheres em poses sensuais em cinemas que exibiam putaria no centro velho de São Paulo e só me renderam fadiga e uma grana minguada.

Quadrinhos? Isso não dá dinheiro no Brasil, já disse e repito: eu só faço por ser uma eficaz forma de desabafo.

Eu me saí melhor ilustrando livros. Isso deu um dinheiro razoável e quando se tem tempo e liberdade para fazer é algo prazeroso, mas durou pouco.

Nunca tive competência para me vender ou autopromover.

Fiz também algumas tentativas de mercadejar material didático para empresas governamentais. Uma delas foi para a Compesa aqui de Pernambuco. Não deu certo também. Mas ainda acho a ideia muito boa.

Fiz uma postagem sobre isso lá nos meus primórdios deste blog (19 de maio de 2010, pra ser exato), que reproduzo abaixo.

O mais triste disso tudo é que os originais que criei como modelo do que eu tinha em mente foram perdidos na burocracia desta merda toda. O que ficou foram as imagens em baixa resolução exibidas aqui.

Beijos a todos e até semana que vem, se eu ainda estiver vivo!

A HISTORINHA DA ÁGUA

"Nunca me senti a vontade trabalhando com material infantil. Acho extremamente delicado, e tem sempre um monte de pedagogo dono da verdade dando pitaco. Geralmente essas pessoas subestimam a inteligencia dos miúdos e não entendem nada de arte.
 Mas indo ao que interessa, recebi uma proposta de criar um gibi educacional para a cia. de águas aqui de Pernambuco. O empreendimento envolvia criação de personagens e tal. Bem, mergulhei de cabeça na ideia e fiz estas quatro modestas páginas e alguns esboços de personagens pra ver no que
dava. Não é nada novo, mas achei legal a ideia da própria água vir defender o seu peixe. Minha concepção para o programa, era de um gibi de vinte paginas exortando para os perigos do desperdício e sugerindo formas de se preservar o meio ambiente. Teríamos também passatempos e etç.
 As quatro páginas vistas aqui eram apenas um layout do que seria o trabalho como um todo.
Infelizmente, como tantos outros intentos, este também não aconteceu.
Mas se tivesse dado certo provavelmente a personagem água não teria tantas curvas,"os donos da verdade" alegariam que não é legal pra molecada ou que ela é muito agressiva em suas argumentações.  Estariam eles certos?"






terça-feira, 13 de novembro de 2018

ECOLINE (revisitado)



Atire a primeira pedra aquele que nunca usou material ou equipamento da empresa em que atuou para fazer um trabalho pessoal. Quê?!? Você nunca fez isto? Putz, então eu devo ser o único!

 Foi assim, eu sempre tive vontade de trabalhar com ecoline mas este produto era caro demais (não sei se ainda é), nunca pude comprar. Durante quatro anos atuei como desenhista numa empresa em Brasilia e lá no departamento de arte, aqueles vidros de ecoline ficavam olhando pra mim como quem olham para um abismo, implorando pra serem usados, para cumprirem a função para a qual foram criados e eu resistindo a tentação. 
Perguntei para o meu chefe quando iriamos usar o ecoline e ele displicentemente respondia que um dia qualquer quando houvesse uma arte em que ele fosse necessário. Obviamente aquilo nunca ia acontecer pois o máximo que eu fazia era ilustrar apostilas, criar cartazes , folders e mala direta. Nunca criava um desenho artístico pra valer.

Certa tarde, sozinho na sala, não suportei mais e parti pra cima do ecoline. Com roupa e tudo. Bem, o resultado da travessura foi a arte que vocês conferem nesta postagem. Divertido e ao mesmo tempo desafiador, um tanto complicado, devo admitir.

O rosto do tiozinho foi feito com guache, no total acho que levei uma meia-hora pra terminar. Foi a unica vez que usei esse material. 

Senti que por isso merecia registro.

EXCELSIOR!


ADEUS, STAN!

BOM DESCANSO, MEU CARO!



domingo, 11 de novembro de 2018

REFLEXÕES SOBRE ANGÚSTIA, MEDO E MORTE ( parte um de dois ).


Ed Palumbo tinha mais de sessenta anos, era desenhista, ele mesmo não sabia se era dos bons ou daqueles que se achavam bons e na verdade não passava de um merda como muitos que ele conhecia. Muitas vezes ele pensava que era ruim porque nunca obteve o sucesso comercial e vivia na pindura, mas por outro lado conviveu com muitos artistas medíocres que fizeram sucesso e tinham fama e grana. Sabia que esse negócio de grana e fama era algo relativo e não tinha como ser medido, mas na profissão dele, triunfo era viver sem pensar nas contas, ser convidado para eventos internacionais, viajar, ser tratado com respeito e isso nunca aconteceu com ele. Palumbo nunca foi mencionado nos canais direcionados às novelas gráficas, nos sites especializados e tutti quanti. Teve, em tempos passados, quando publicou alguns quadrinhos de aventuras, notas nos jornais, quando estes ainda tinham seu prestígio, mas as novas gerações não estavam nem aí. Talvez estivessem certos. Fosse como fosse, para ele não fazia mais diferença. O que o permitia viver sem mendigar em alguma esquina era um grupo de fãs dos seus traços e cores, pessoas que o acompanhavam de longa data e encomendavam artes particulares a um preço que o permitia seguir sua existência.

Ed vivia num pequeno apartamento de um pequeno prédio sombrio situado numa pequena rua deserta de uma cidadezinha decadente. Neste período do ano entrava pela fresta de sua janela um vento gélido que o fazia pensar nos tempos difíceis, no aluguel, na morte e contas atrasadas. O antídoto contra isto era se sentar em sua minúscula prancheta e trabalhar em seus desenhos, sempre ligado a um pequenino aparelho de som e ouvindo músicas românticas antigas, jazz de outrora e música clássica. Tinha um aparelho de televisão mas raramente assistia alguma coisa, a programação das tvs abertas eram uma bosta e ele já tinha perdido tempo demais na vida.

O seu edifício era composto de um térreo e mais dois andares. Ele morava no segundo. No terceiro vivia um casal de idosos, que eram os síndicos e viajavam muito. No térreo morava um bonachão aposentado chamado Bonifácio, que vivia só e não se metia com ninguém, raramente era visitado por sua filha e um casal de netos que eram umas pestes e faziam uma algazarra maldita, mas como já foi dito, muito raramente. Ou seja, um ambiente perfeito para o ilustrador que sempre foi misantropo e nunca se adequou a um meio.

Num certo dia ouviu movimentação no apartamento defronte ao seu. Muito barulho, móveis arrastando e pessoas subindo do térreo para o segundo andar quase a tarde toda. Morador novo, pensou Ed, tomara que sejam pessoas que não acabem com o resquício de paz que aquele imóvel possuía.

Naquela mesma noite ouviu o som de uma música, cuja batida era frenética, as guitarras totalmente distorcidas, sem acordes definidos e um som gutural saindo da garganta de algum roqueiro careca, barbudo, gordo, cheio de piercings e tatuagens com cruzes de cabeça para baixo. Era assim que Ed supunha pois já conhecera bandas podreiras desta natureza. Mal sinal, pensou ele.

Ao sair pela manhã para fazer umas compras, a tal música continuava, a porta do apartamento defronte estava aberta, ele não olhou para dentro e desceu as escadas rumo ao portão da rua. Parado, lá estava um cara de uns trinta anos, rosto de bom aspecto, cabelos muito curtos, espessa barba, físico privilegiado, pernas bem grossas, camiseta sem mangas, bermudas e chinelas. Fumava um cigarro. O cara o olhou. Ed cumprimentou-o e passou pelo portão. O rapaz respondeu e estendeu a mão:
- Falaí, prezado, pode me chamar de Psico!
Ed apertou a mão frouxa e suada do barbudo.
- Prazer, eu sou Ed Palumbo.
- Tua cara não me é estranha, já te vi em algum lugar, já teve na cadeia?
- Não!
- Bem, com certeza eu já te vi....porra, mas onde? Vou me lembrar...
- Ok, desculpe mas tenho que ir.
- Vai pela sombra, mermão! Nos falamos depois! Putz, onde já te vi?
Por algum motivo além do óbvio aquilo não causou boa impressão no desenhista. Afastou-se apressadamente dali com as batidas do maldito rock metal podreira martelando seus ouvidos.

Compradas as coisas que necessitava para aquela semana o velho ilustrador retornou para casa. Entrou, colocou dois ovos para cozinhar e água para fazer um chá. Estava separando os pães para sua torrada quando ouviu sonoras batidas na porta. Quem, raios, poderá ser? se perguntou. Abriu a porta e lá estava o tal de Psico.
- Falaí, cara! Já sei de onde te conhecia, rá, nunca esqueço um rosto! Dizendo isto o cara colocou uma revista de variedades na mão de Ed e foi entrando.
O velho ainda um tanto surpreso folheou a revista e lá estava uma matéria de uma página com uma entrevista que fizeram com ele há muitos anos atrás. Na foto onde ele aparecia, o rosto não havia mudado tanto, apenas os cabelos longos e o cavanhaque não eram brancos. O texto falava sobre caricaturas e ilustrações para embalagens de cereais que Ed criara e que fizera muito sucesso outrora. Quanto tempo tinha isto? Trinta, quarenta anos? Ele nem sabia mais.
- Como isto foi parar nas suas mãos? indagou ao rapaz.
- Meu velho tinha coleção de gibi e revista de desenho, havia um monte de bagulho teu lá. Ed Palumbo! Ele curtia muito teus desenhos. Pessoalmente acho tudo isso perda de tempo, coisa de criança ou de adulto retardado como meu pai, mas na boa, não tenho preconceito.
- Puxa, que alívio!
Diante da observação irônica de Ed, Psico fitou-o de modo sério por uns segundos.
- A matéria da revista pinta você como um cara muito foda, do tipo que faz sucesso e muita gente idolatra. O que aconteceu? Como veio parar neste cu de mundo?
- Não sei, acho que escolhas erradas, pensar na arte como coisa romântica e não comercial, não me prostituir para o sistema...realmente não sei.
O cara se sentou na poltrona e ligou a tv. Ed continuou em pé.
- Sei como é. No rock também é assim. Sabe, tu tem cara de quem estudou um bocado para ser bom. De que adianta isso se hoje qualquer pau no cu ganha um grana preta borrando qualquer merda em uma tela? Pra que estudar música se tem neguinho fazendo funk carioca?
- Você é músico?
- Bem que eu tento. Toquei baixo em algumas bandas de metal de garagem, mas de boa, os caras achavam que eu era louco e indisciplinado demais e me expulsaram. Bando de cuzões! Escuta, tu tem cerveja?
- Não, não suporto álcool. 
Psico fitou Ed sombriamente de novo.
- Porra, tu não tem tv a cabo? Só esse lixo?
- Não gosto de televisão, tenho essa aí porque minha última namorada gostava de novelas.
- E onde está ela?
- Terminamos faz tempo, ela se foi e deixou o aparelho. Escute, Psico, não é? Desculpe, mas vou tomar banho, comer algo e trabalhar.
- Tá, saquei, foi mal aí se te atrapalhei. Pode ficar com a revista. A gente se fala.
O moço saiu com ar de contrariado sem olhar para Ed.
Ainda perplexo com a visita repentina, o artista lavou as mãos, descascou os ovos, fez torradas, preparou o chá e comeu sem vontade. O roqueiro tinha de fato estragado sua noite.

Após um péssimo sono Ed levantou-se cedo para desenhar, no entanto sua mente estava inquieta, os esboços não respondiam, tímidos, relutavam em dar forma ao que o ilustrador tinha na cabeça. Lá fora a luz do sol não chegou, no lugar dela uma nuvem negra descarregou suas lágrimas. As gotas batiam com força na janela. Ele se sentiu estimulado a voltar para a cama mas não conseguiu dormir, pensava muito no passado, numa época em que tinha todas as esperanças no futuro: trabalhar firme, constituir família com a mulher dos sonhos, ter muitos filhos e netos, uma boa aposentadoria e terminar seus dias num lugar aprazível fazendo suas pinturas e esculturas em argila. Não parecia pedir e ansiar muito mas nada disso aconteceu por mais que ele tentasse. Cochilou por um tempo e foi acordado pelo som do celular.
- Ed?
- Ele mesmo!
- Tudo bem, cara?
- Tudo. Quem fala?
- É o Vlad.
- Opa, como vai?
- Tô de boa. Olha, finalmente arrumei uma grana e vou poder te pagar por aquele quadro do Krazy Kat.
- Sim, uma boa notícia!
- Deposito naquela conta de sempre?
- Claro, por favor!
- Vou querer outra encomenda, desta vez é o Sobrinhos do Capitão, óleo sobre tela. Capricha!
- Pode deixar, faço uns sketches e envio por e-mail pra você aprovar.
- Beleza. Vou transferir a grana. Abraço e desculpa a demora!
- Sem problema, abraço!

Realmente este dinheiro vinha mesmo a calhar. Turbinado por esta boa nova o desenhista tomou um banho, aparou o cavanhaque grisalho, amarrou os longos cabelos esbranquiçados em rabo de cavalo e resolveu fazer os esboços dos Katzenjammer Kids. Já riscava uma ideia legal no papel quando ouviu um alto som de rock pesado. Puta merda, pensou, já a esta hora???? Tentou ignorar e continuou seus traços quando bateram de forma deseducada na porta. Deve ser aquele maluco, intuiu, não vou abrir nem fodendo! As batidas se tornaram mais fortes e isto, por algum motivo o deixou apreensivo. Esse cara não é normal, já conheci muitos doidos, mas tem algo neste que não me desce. Procurou fazer silêncio. Uma forte trovoada estremeceu o prédio, a chuva caiu com mais intensidade e em seguida as luzes se apagaram. Comum nesta região. Tempestades provocam a queda de energia.
- Porra, que merda! Vociferou do lado de fora a voz peculiar de Psico, em seguida entrou em seu apartamento batendo violentamente a porta.
Aquilo tudo tinha expulsado a inspiração de Palumbo, sem fazer barulho ele foi para o quarto e deitou-se tentando se desligar da estranha situação de angústia que o dominava. Sentia-se oprimido, vazio, uma tristeza que desde sempre o acompanhava se instalou em seu peito e ali ficou meio que dificultando sua respiração. Pouco a pouco o barulho do aguaceiro caindo lá fora trouxe uma réstia de paz e ele dormeceu.

Despertou com sons de risadas. Confuso, notou que elas vinham do apartamento de Psico, ele falava alto e era respondido por uma gargalhada feminina. A chuva tinha parado e a luz tinha voltado. Quando tempo estivera dormindo? Consultou a hora na tela do celular: quase 16 horas! Dormira muito! Mas ele precisava deste repouso. Sentia fome, estava com pouco dinheiro mas ficaram de fazer o depósito para ele, então decidiu comer na rua. Colocou suas roupas surradas e abriu silenciosamente a porta. O som de guitarras distorcidas vinda do apartamento em frente não abafava os ruídos de sexo, era um tum, tum, tum de uma cama batendo contra a parede.
- E aí? Tá gostando? Tá bom assim?
Tum, tum, tum.
- Aaaah, sim, vai...mais forte....assim...vai, vai....
Tum, tum, tum
- Isso, cavalga, cavalga!
Tum, tum, tum, tum, tum!

Notou que a janela de Bonifácio estava fechada, o que não era comum. Teria ele viajado? Não, dava pra ver que havia luz dentro do apartamento e o som de tv ligada bem baixinho, o que também não era comum. Pensou em bater na porta e perguntar se ele precisava de alguma coisa da rua, mas desistiu, tinha fome e por algum motivo inexplicável ele queria evitar chamar a atenção do novo vizinho.

Na rua empoçada um vento lúgubre o encontrou, sentia-se estranho. Ao chegar na avenida que o conduziria a um hipermercado onde haviam os caixas eletrônicos viu um mendigo revirando lixo. O vento trouxe às suas narinas o odor daquele indivíduo, suor, fezes e mijo concentrados à décima potência. Bradava altos palavrões enquanto retirava os sacos com os dejetos dos containers e os lançava na rua, chutava e rasgava os sacos e espalhava o lixo na rua e na calçada:
- Veados filhos da puta! Vão todos tomar no cu! Seus filhos da putaaaaa!
E toda aquela imundície espalhada pelo chão.

A única vantagem de ficar velho, pensava Palumbo, é já ter visto este filme centenas de vezes. Vivia-se atualmente na época da relativização, do politicamente correto, não existia o bem, assim como o mal, esses conceitos eram relativos. O caralho, pensou o ilustrador, ele sabia muito bem que existiam pessoas boas, capazes de atos de misericórdia inexplicáveis e existiam pessoas más, que praticavam maldades contra seus semelhantes, maldades contra crianças, velhos e mulheres. E isso independia de posição social, sexo ou nacionalidade. Aquele mendigo era uma pessoa má. Tom de cinza? Foda-se o tom de cinza, aquele indivíduo, que era pura revolta, era como tantos outros que ele testemunhara no passado, indivíduos, que cortavam os outros com cacos de garrafas quebradas, que esmagavam crânios com tijolos de construções. Párias castigando outros párias por pura maldade, por saberem que a lei não os atingiria, quem se importa com o que um desgraçado sem identidade faz com outro?

Ainda com essas conjecturas, entrou no mercado, sacou o dinheiro, foi à lanchonete do local e serviu-se de um belo sanduíche com batatas fritas e suco de melancia. Depois comprou algumas coisas para a casa, produtos de limpeza e higiene. Comprou também um rolo de salaminho para Bonifácio, sabia que o velho gostava.

Chegou no prédio e logo bateu à porta de Bonifácio. Não houve resposta.
- Vamos Boni, abra a porra da porta, sei que você está aí. Está se escondendo do quê?
- Ed?
- Sou eu, vai abrir ou não?
A porta se abriu e o idoso fez um gesto para que ele entrasse rápido.
- Algum problema, Boni?
O macróbio falou quase num sussurro:
- Shhhh! Não quero que aquele maluco saiba que estou aqui. Ele me assusta!
- Qual maluco? Fala do novo morador?
- Sim, sinto medo daquela criatura, Ed, juro por Deus!
- Ele te ameaçou ou fez alguma coisa?
- Não, mas só a presença dele já me arrepia todo. Ele é um sociopata, eu sinto isso.
-Tenha calma, Boni, não é pra tanto.
- Liguei pra minha filha e pedi pra ficar com ela uns tempos. Ela disse que virá, mas só poderá na semana que vem.
- Hei, isso é bom, ficar um tempo com sua filha.
- Não é não, gosto de ficar no meu cantinho assistindo minhas novelas e meus filmes, mas não quero ficar aqui enquanto este indivíduo estiver no prédio.
- E como vai fazer? O contrato dele deve ser de pelo menos um ano.
- Sei lá, vou ganhando tempo.
- Bem, vou indo, tenho trabalho para fazer. Tome, comprei este salame para você.
- Oooh, obrigado, Ed, você é um bom amigo!
- Imagina. Até mais!
- Ed, tome muito cuidado com esse rapaz, por favor!
- Ok, deixa comigo. Te cuida!

Pobre Bonifácio, mas Palumbo sabia como ele se sentia.

Ao retirar sua chave do bolso, a porta vizinha se abriu e surgiu Psico só de bermudas, exibindo um ventre generoso de cirrose e muitas tatuagens pelo corpo, estava abraçado a uma moça de uns vinte anos, gordota, cabelos multicoloridos e também muitas tatoos e piercings. Usava saia jeans bem apertada, uma miniblusa preta com estampas de caveiras e nos pés um All Star preto de cano longo.
- Grande Ed, como tu tá, meu nobre? Falou Psico visivelmente embriagado.
- Vou bem, disse Palumbo abrindo a porta. Não teve tempo de fechar e foi seguido pelo casal.
- Cara, tenho te procurado e você não atende!
- Mesmo? Não devo ter ouvido, tenho o costume de trabalhar ouvido música com headphones. Com licença, tenho que ir ao banheiro, estou apertado. Na verdade ele não estava, mas falou isso para ver se eles se mancavam e davam o fora. Fechou a porta e ouviu:
- Psico, quem é esse velho?
- Um desenhista famoso.
- Desenhista? Isso é profissão?
- Claro que é gata, tô pensando em pedir a ele para pintar um retrato seu.
- Mas olha essa casa, cheira a papel velho, olhas essas revistas empilhadas, esses gibis todos são desse cara? Adultos leem essas porcarias? Ele não tem mulher?
- Parece que não. Ei, que tal a gente apresentar ele para aquela sua tia solteirona?
- Tia Magda? Nah, ela gosta de foder hard, com machos de verdade e este velho tá caindo aos pedaços! E ela curte grana também, esse cara aqui parece totalmente falido!
- Kkkkkkkkk, porra tu é má, hein baby!
Ed deu a descarga e saiu do banheiro.
- Escutem, tenho muito o que fazer e não posso perder tempo, se me derem licença....
- Hei cara, não seja um babaca!
- Não, na verdade estou sendo muito gentil. Estou pedindo educadamente que saiam pois preciso trabalhar.
Psico o olhou com firmeza, de forma rancorosa, mordeu o lábio inferior contendo uma fúria interna.
-Vamos embora, este velho não quer a gente aqui, disse a gordinha.
Psico deu uma cuspida no chão em sinal de desprezo, encarou o desenhista e deu meia volta.

Sentindo um certo alívio Ed limpou o cuspe do rapaz de seu assoalho, sentou-se na sua prancheta, colocou seus fones e botou antigos sucessos gringos pra rodar e viajar no tempo enquanto fazia seus esboços.

Depois de algumas horas ele já tinha material suficiente para apresentar ao cliente. Os olhos ardiam e as costas também reclamavam. Resolveu ir para a cama. A temperatura ambiente estava agradável, pedia um bom cobertor. Comeu uma maçã, colocou uma colher de sopa de bicarbonato de sódio em um copo de água, bebeu e arrotou. Foi ao banheiro, mijou, deu descarga, lavou as mãos, escovou os dentes, despiu-se e se enfiou debaixo das cobertas. Ficou imaginando que era um desenhista famoso e discutia com produtores e um diretor de renome sobre um documentário sobre sua vida e assim o sono o envolveu pesadamente.

Foi acordado por gritos furiosos do lado de fora de sua casa.

- Puta do caralho!!!! Sua putaaaaa! Eu vou te quebrar de porrada, sua puta! Cadela sem vergonha! Volte aqui, volte aqui, porraaaa!

Os outros sons eram de porta batendo, soluços, respiração ofegante, passos na escada! Isso tudo em meio aos berros de um selvagem.

Ed ouvi-o gritar até o portão que dava acesso à rua. Depois os sons de quem retornava para casa. Um homem chorando e soluçando. "Aaaaaah! Aquela puta....quem ela pensa que é, porra?"

Depois de um tempo, o silencio. Mas Ed pressentia que Psico estava parado no corredor. Então um estrondo em sua porta. Uma forte batida, seguida de várias outras.

- Abra, seu merda! Abre essa porra! Quem tu pensa que é, seu merda! Seu arrombado! Quem tu pensa que é? Acha que é superior a mim pra me expulsar de sua casa? Seu arrombado de merda!!!!

Ed se vestiu, mas não era louco de abrir a porta para um bêbado descontrolado. Os fortes chutes na sua porta continuaram juntos com os insultos.
- Abre, seu covarde!!!! Não é homem para me enfrentar? Seu desenhista de merda! Seu bosta! Arrombado!!!!!

Quando o trinco começou a ceder, Ed pegou o celular para ligar para o 190, mas o aparelho estava com 1% apenas de bateria. "Merda", pensou. Teclou os três dígitos mas antes que chamasse, o telefone morreu.

- Sei que tu taí, filho da puta! Arrombado! Venha me enfrentar, covarde, diga na minha cara que é superior a mim, que não sou digno de entrar na sua casa! Venha!!!!

 Como se fosse vencido pelo cansaço a voz foi morrendo e as batidas ficando mais fracas.
Ainda gritava enquanto descia as escadas: "filho da puta, covarde, desenhistazinho de merda! Fracassado! Covarde!!!"

As injúrias agora eram debaixo da sua janela. Uma forte pedrada ecoou mas por sorte o vidro não quebrou.
- Desce aqui, seu bosta! Venha me enfrentar! Vou te espancar tanto que você vai me pedir de joelhos para eu parar de te surrar! Arrobado de merdaaaa!!!!

Um minuto de silencio e ouviu o troglodita falar: "e você aí ô vovozinho noveleiro! tá espiando o quê? Quer levar porrada também?" Então começou a esmurrar a janela de Bonifácio. Sorte que tinham grades do lado de fora senão tinham se partido no primeiro golpe.
Diante desta covardia, Ed abriu a porta e desceu descalço, de camiseta e bermudas.
- Deixe ele em paz, é um pobre idoso que sofre de hipertensão!
- Ah, o desenhista fracassado de merda apareceu! Ficou valente agora, filho da puta? Dizendo isso o enorme homem veio com tudo para cima de Palumbo numa velocidade impressionante para um cara embriagado, sem tempo de reagir, o ilustrador se viu imprensado entre o agressor e a parede. Dois violentos socos pipocaram no concreto ao lado de seu rosto.
- Acha que pode comigo velho?!? E se ao invés d'eu esmurrar a parede fosse em sua cara de merda, hein?! Hein?! Quero você de joelhos me implorando perdão, seu arrombado! Tu acha que pode comigo? Tu não passa de um velho!!!
O bêbado deu uma grossa cusparada no rosto do desenhista.
Nisto, a porta se abriu, Bonifácio, trêmulo surgiu com um telefone sem fio na mão.
- C-cha-chamei...a a po-po-lí....cia....
- Boni, volte para dentro! gritou Ed.

Psico olhou furioso para o ancião mas não fez nada, estava bêbado mas não era burro. Deu um violento chute nas costelas de Palumbo que se dobrou para a frente sem ar.
- Isso não acabou! Não acabou! Só acaba quando um de nós morrer!!! E evadiu-se dali.

- Venha, Ed, acha que quebrou alguma coisa? Você está pálido!
- N-não, tá meio...difícil de respirar mas penso que não quebrei nenhuma costela, senão eu estaria bem pior.
Bonifácio o deitou em seu sofá, "vou pegar água e um analgésico."
Ed tomou o remédio e ficou deitado, aos poucos a respiração foi voltando ao normal, uma dor forte na lateral do corpo foi o que ficou da agressão, mas nada mais grave.
- Porque aquele homem te odeia, Ed?
- Sei lá, esse filho da puta é louco!
Nisto ouviu-se uma sirene de polícia no portão. Ainda um pouco tonto, Palumbo se levantou e foi até eles. Um cabo e um soldado muito educados ouviram todo o relato.
- O senhor não sabe onde pode estar o indivíduo? Poderia ter ido para a casa de algum conhecido dele?
- Cabo, eu mal conheço o cara, ele se mudou a uns dias atrás e cismou com a minha fuça, é só o que sei.
- O senhor gostaria de prestar queixa?
- Com certeza.
Os policiais o levaram até uma delegacia num município vizinho. Ed fez o B.O. Conduziram-no até o IML para fazer exame de corpo e delito. Uma feia mancha roxa nas costelas e era só.
Os mesmos agentes da lei o trouxeram de volta. Eles conversavam nos bancos da frente da viatura, o rádio a todo momento soava uma ocorrência naquele som típico, monótono.
Amanhecia, pássaros gorjeavam anunciando um dia de sol, o desenhista estava alheio a isto tudo, um vazio do tamanho do firmamento o consumia, não havia mágoa, desilusão nem expectativa, só era lembrado que vivia pela dor ainda presente nas costelas.
Lembrou-se da infância pobre mas com muitas esperanças num amanhã, da medalha que ganhou aos oito anos na escola por ter feito uma bela redação ilustrada com um desenho elogiado por todos os professores, inclusive pela diretora. Veio-lhe à mente as mulheres que amou e que o fizeram infeliz, os tempos de faculdade onde ele nunca se sentiu adequado, as primeiras exposições de pinturas a óleo e nenhum quadro vendido, as primeiras revistas em quadrinhos publicadas mas com pouco sucesso.....tudo passou tão rápido! O que são seis décadas? Dez vezes seis, parece que é muito, mas não é nada! Pouco tempo para ser feliz e muito tempo para sentir solidão e desamparo.
Chegaram finalmente, os policiais deram uma busca no prédio, bateram na porta do Psico. Nada! Bonifácio disse que não teve sons suspeitos durante aquelas horas. O pobre idoso estava trêmulo e com olhos fundos.
Os PMs disseram que iam dar uma busca nos arredores baseados na descrição feita do marginal, voltariam com certeza mais tarde para uma nova abordagem.
Ed os levou até o portão. Agradeceu e se despediu. Não era intenção dele ficar ali enquanto não prendessem o maluco. Tinha que ir embora daquele lugar, mas primeiro deveria levar o Boni até a casa da filha.

Entrou em casa, não havia fome, despiu-se. Tomou um longo banho. Arrumou os longos cabelos grisalhos em rabo de cavalo. Colocou um jeans surrado e uma camisa branca de mangas dobradas quase até os cotovelos, calçou sua bota preferida, pegou a carteira, verificou os documentos e o dinheiro. Deu uma boa olhada na sua sala com suas estantes de livros e gibis, nas revistas empilhadas em diversos lugares, na cômoda onde estavam centenas de artes originais e suspirou profundamente.
O plano era chamar um Uber e levar Bonifácio até a casa da filha, depois ele decidiria o que fazer da sua vida dali em diante.

Fechou sua porta e quando virou-se em direção à escada viu Psico parado fitando-o com um olhar maligno e um sorriso malévolo, tinha uma garrafa de cachaça na mão direita. Antes que ele pudesse esboçar movimento o grandalhão, rápido como um bólido, atingiu o artista em cheio na cabeça. O casco não se quebrou, mas abriu um enorme veio no crânio por onde jorrou um sangue espesso que num instante cobriu todo o rosto de Ed, que tombava como se estivesse em câmera lenta.
Ao ver o corpo do desenhista desabar de frente sonoramente no chão, o sangue ainda sendo esguichado de sua cabeça, o agressor puxou um ruidoso catarro da garganta e cuspiu no corpo já sem vida. Em seguida desceu as escadas e desapareceu.

******                                                       *************                                                       *******

Não havia quase ninguém no enterro de Ed, apenas Bonifácio e sua filha com o esposo, os síndicos e só.  Era uma manhã chuvosa.

O assassino nunca foi localizado.

Passado uns dias, a filha do desenhista, que morava na Inglaterra com o marido e não via o pai há muitos anos, chegou com olhar impassível, conversou com o médico que lhe dava o atestado de óbito. Ele dissera que se Ed sobrevivesse à pancada, ficaria tetraplégico, pois a força do golpe tinha esmagado duas vértebras cervicais. Ela nada respondeu. Doou os livros, quadrinhos, CDs, DVDs e artes originais para uma biblioteca pública e vendeu os poucos móveis para pagar as despesas do apartamento.
Nenhum obituário no jornal ou em redes sociais.
Foi ao pobre cemitério local e divisou a pequena cruz branca com o nome de seu pai e as datas de nascimento e falecimento escritos com tinta vermelha por alguém que mal sabia o português. 
Caía uma garoa fina. A bela moça não verteu lágrima, apenas suspirou profundamente e afastou-se dali. Tinha toda uma vida feliz para viver num outro país.

domingo, 4 de novembro de 2018

DIAS RUINS.



Hoje me sento aqui apenas para não passar mais uma semana sem postagem, mas não é um bom dia para me expressar. São momentos, de fato, muito complicados. Quem sabe amanhã tudo não melhora?
Hoje, porém, tenho que me manter quieto, falando com Deus.

Agradeço a todos a gentileza de sempre comparecer aqui.

Espero na próxima semana vir com um texto melhor e maior.

Fiquem bem.

domingo, 28 de outubro de 2018

A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE CHEGANDO.



Me afastei das redes sociais por duas semanas e praticamente três, deste blog. Na verdade quase não conferi nem e-mails. Eu precisava me recolher e me afastar de tudo um pouco. Arejar a mente do excesso de informações, principalmente nos dias de hoje, era necessário, embora eu saiba que é uma medida paliativa. Estou ciente de que as dificuldades que enfrento na vida em sua maioria são frutos das minhas escolhas e o que plantamos, colhemos. Apesar da fadiga física e mental, sigo em frente. Isto posto, vamos às novidades.

A biografia em quadrinhos sobre Edgar A. Poe, criada por mim e pelo R. F. Lucchetti está a um passo de finalmente chegar ao público numa caprichada edição. Sairá pela Editora Sebo Clepsidra num livro em capa dura com papel de excelente qualidade. Claro que ainda não vi nada disso, toda a prévia está nas mãos do editor, que, pelo que tenho visto, está fazendo um ótimo trabalho.

O álbum está em campanha pelo Catarse para ir aquecendo os motores, é bom para divulgação e direciona para o público alvo. A promessa do tomo pronto é para dezembro.

https://www.catarse.me/poe?fbclid=IwAR1d_olzz5e1cyq8vceijZ3h_lEQ98ncF11ks3UyzZ5kR1hMrGzICI12mqI

Se puderem ajudar apoiando ou mesmo divulgando estarão fazendo muito.

Quem faz a gentileza de me acompanhar por aqui desde a muito, sabe como foi complicado terminar de ilustrar este projeto e como fui enrolado por outra editora, mas a batalha está quase vencida, graças a Deus.

A todos um grande abraço!

domingo, 7 de outubro de 2018

AMOR POR ANEXINS E OUTROS CONTOS ( 05 )


Domingo agitado, um trabalho que deveria ter concluído hoje e que certamente terá que ficar para amanhã e eu preciso de dinheiro urgente. Sempre.

Dia de votação, frustração e esperança. Estas duas últimas palavras parece que resumem minha vida. É difícil não olhar para o fundo do abismo em momentos assim e não se sentir tragado por ele. Vimos acontecer com outros países. É sempre assim, nunca pensamos que vai acontecer conosco...até que acontece. Eu vejo tudo isto ocorrendo e é como se as pessoas olhassem para um abacateiro e dissessem: não, estes frutos não são abacates, são bananas, ou poderiam ser maçãs, nunca abacates. Eu penso nos profetas do Antigo Testamento advertindo ao povo de Israel. Se eu fosse sozinho nem ligaria tanto para toda essa merda, este é um mundo condenado mesmo, mas tenho família para cuidar, pessoas que me são caras, esposa, mãe, irmãos, filha, sobrinhos ainda pequenos....bem, chega, estou cansado. Tanto que não tenho paciência para escrever.

O desenho de hoje é mais um que faz parte do livro de contos do Artur Azevedo.


domingo, 30 de setembro de 2018

VELMA E DAPHNE.



Amadas e amados, boa noite!

Pra ser bem sincero minha postagem de hoje era pra ter sido um conto com tons autobiográficos onde reflito um pouco da dificuldade que tenho em viver neste mundo, no entanto não consegui finalizá-lo esta semana. Foram dias corridos e tensos. Uma boa carga de trabalho, tempo mal administrado e pequenas responsabilidades que roubam as horas preciosas do dia. Desenho é assim, me encomendam, eu tenho que fazer. Devaneios, sejam eles desenhados ou escritos, tenho que ter uma certa paz interior e ambiente livre de estáticas para criar como preciso. Frescura? Sim, é possível, mas é assim que é.  Dito isso a tal narrativa virá quando eu puder fechá-la.

O que dizer hoje? Bem, esta semana, na minha página do Facebook eu deixei público qual a minha intenção de voto este ano e eu sabia que estaria exposto. Pedras vieram quase imediatamente, me bloquearam e um bocado de gente (mas um bocado mesmo) deixaram a minha página. Aquilo virou um campo de guerra com pessoas que compartilhavam minha visão e os que se diziam decepcionados e falaram que minha arte não estava acima dos valores deles e por isto estavam deixando de me seguir. Isto mostra o quanto algumas pessoas tem a mente primitiva e que democracia e civilidade são palavras inócuas. Mas no dia seguinte eu senti como uma espécie de depuração, muitos partiram (na verdade nem sei quem, só contabilizei pelos números do próprio Facebook) mas outros chegaram solicitando amizades e me adicionando em grupos bem legais - pena que não tenho tempo para me inteirar mais.

Pela quarta vez sou citado e usado como referência para um TCC. Grupos e orientadores gostam do que eu faço. Isso é bem legal, né?
Em contra partida este desenho das minas do Scooby Doo gerou mal estar em um cidadão no Facebook (que nem chegado é) dizendo que eu fazia mal em sexualizar personagens que o embalaram na infância e recomendava que eu fosse para a puta que me pariu. O cara nem me conhece e ofende minha mãe. E assim vamos vivendo neste mundo seco e debilitado de cães raivosos com pequenas doses de gentileza e humanidade.

Eu confesso a vocês que estou muito cansado, muito mesmo, é um cansaço acima de tudo mental que deixa a vontade e os membros, frouxos, uma indômita vontade de não levantar da cama pela manhã, só que eu tenho que pagar as contas, então procuro energias extras no íntimo e faço de conta que está tudo bem, que sou um velho cheio de energia e vou à luta. E graças a Deus Pai por isto, e se eu não tivesse trabalho?

Minha leitura de quadrinhos e livros estão paradas, a noite tiro um tempinho para ver Masterchef na tv às terças-feiras e também a segunda temporada de Luke Cage (tô gostando!), a história é melhor desta vez,  fotografia e música muito boas e o climão dos filmes blaxploitations mais evidenciados.

Por hoje é só.

Beijos a todos!

 

domingo, 23 de setembro de 2018

ENTRANDO PELO CANO.


Ok, me sentei aqui e não sei o que vou escrever. Não pensei a respeito. Na verdade até pensei, mas as ideias meio que se perderam ao longo das horas. Eu sempre acho os tempos complicados, constantemente tem algo ou alguém para estragar o maravilhoso dia que Deus nos dá. Faz parte da vida, do contrário Jesus não teria dito que neste mundo haveriam aflições, mas tem certas coisas que nos pegam de surpresa. Este era pra ser um domingo tranquilo de trabalho, preciso entregar uma arte que já era pra estar pronta a tempos, tem mais algumas na fila, mas uma danada de uma torneira do tanque aqui da área de serviço resolveu me aporrinhar. A três dias atrás ela começou a gotejar. Imaginando que fosse uma carrapeta (aqui chamam por outro nome) fui até o armazém de material de construção. Eu teria que levar a torneira para verem qual era o produto indicado à mesma. Porra, tirar a torneira? Ok. Tentei desligar o registro geral mas foi impossível, estava oxidado de um jeito que nem o Hulk conseguiria. Tive que esperar a caixa d'água secar (e isto só foi possível porque havíamos apenas nós no prédio, sei lá eu onde estavam os vizinhos), tirar a torneira e correr ao armazém. Feita a compra passei um veda rosca e girei a torneira de volta. Liguei a bomba d'água e tudo ok. Na manhã seguinte vimos uma mancha na parede da sala. Um vazamento de água com certeza. Tiramos a torneira mais uma vez e recolocamos. Nádegas, a mancha de água só aumentava. Hoje a coisa começou a ficar feia. Conseguimos, no domingo, um encanador miraculoso para resolver a parada. Era quase na hora do almoço quando ele apareceu. Ele tentou também fechar o registro sem sucesso. Prédio velho é uma merda, concordamos. A bomba de água é acionada automaticamente? Era, não é mais, agora ligamos quando a água começa a ficar fraca. Já ligaram hoje? Não. Tem mais alguém no prédio? Não sei, não vi movimentação, então é bem possível que tenham viajado. Ótimo, então não deve demorar para a caixa esvaziar. Dito e feito, em pouco tempo a água começou a ficar fraca e ele ligou sua furadeira e botou pra detonar em volta da torneira. Ah, eu imaginei, o joelho está rachado. Joelho? Sim, esta parte do cano que une a torneira com o ducto da parede. Acho que quando o senhor rosqueou a torneira, forçou demais e rachou esta parte. Ah, ok, não pensei que isso fosse tão fraco. Pois é. Vai dar pra arrumar? Claro, tenho essa peça comigo.
Neste momento Vera veio me dizer que alguém abrira a porta no apartamento ao lado. Corri escada abaixo a tempo de falar com a vizinha, uma mocinha de uns 22 anos, talvez, que já estava com a tomada na mão para ligar a bomba. Por favor, poderia esperar uns 10 minutos? Estou com um problema na encanação mas o concerto já está quase no fim. Ela me olhou com a cara amarrotada de sono como se eu fosse um cagalhão de cachorro: mas eu queria tomar banho, disse ela com voz fina e manhosa. Só dez minutos e está tudo bem. Ela saiu com ar de desagrado, neste momento o encanador falou: pode ligar! Liguei. Tudo resolvido. Paguei e ele agradeceu. Não, eu que agradeço. Qualquer coisa pode me chamar. Obrigado!
Almoçamos e eu me sentei para trabalhar. Nah, necas, nada! Enrolei e nenhuma ilustração saiu, nem uma finalização de lápis já pronto. Minha internet hoje estava lenta, as páginas não abriam, imagens se negava a aparecer.....tudo isto deu-me um cansaço mental terrível. Dia perdido, infelizmente. Mas....vamos ao exemplo do Cândido de Voltaire, o lado bom de tudo, minhas desditas do domingo me renderam esse texto quando eu não sabia o que dividir com vocês.
O trabalho fica para amanhã, terminando este post vou ler um pouco ou ver mais um episódio da segunda temporada de Luke Cage (estou achando melhor que a primeira).


A arte de hoje ''e a minha visão sobre o Moon Knight da Marvel, foi encomendada por um amigo e fã. Nunca li um gibi do personagem, mas falam que é muito bom. Tenho que conferir assim que for possível.

Semana, que vem, se Deus assim permitir, teremos mais textos. Até lá!







 

domingo, 16 de setembro de 2018

AMOR POR ANEXINS E OUTROS CONTOS (04).

Não sei exatamente como me definir, só sei que não sou uma pessoa boa, até que eu tento, procuro ser, mas no fundo no fundo eu me engano. Não fui bom filho, não fui bom pai, não fui bom irmão e não sou bom marido e nem um bom amigo. Sim, eu cumpro as minhas responsabilidades, luto para não deixar nada faltar em casa, pagar minhas dívidas e tento tanto quando possível ser educado e atencioso com todos que tem para comigo uma atitude de respeito e carinho, no entanto eu sei que isto não me torna uma pessoa boa. Eu tenho minha própria definição do que é ser bom e não vou traduzir aqui, não importa e dentro da minha definição, eu não me enquadro. Talvez por isto os bons moços, os bem sucedidos nunca me interessaram (meus irmãos não contam, meu amor por eles fala mais alto, eles sim são pessoas boas, tanto que me ajudam até hoje).
Sempre me senti menos desconfortável ao lado dos perdedores, dos refugos, não exatamente vítimas, mas aquelas pessoas que debaixo da casca de normal é um ente excluído. Vejam bem, não falo aqui de mendigos,  aleijados, negros ou homossexuais, estas coisas não me importam, não presto atenção nisto, gente é gente, não importa opção, cor ou deficiência, eu me refiro àqueles que não se enquadram no sistema cotidiano de vida, falo daqueles que nunca são convidados para as festas e fotos.
Tenho um profundo desprezo por drogados, bêbados, pedófilos, ladrões, valentões, assassinos e toda a sorte de filhos da puta. Eu conheci alguns e por força da circunstâncias tive de conviver por algum tempo mas só de ouvi-los falar já me embrulhava o estômago. Os altivos, os arrogantes, engravatados, que se orgulham do seu dinheiro e título de doutor eu sempre quis distância. Boa parte da minha adolescência eu vivia cercado de tipos assim, os meninos mimados, gordinhos filhos da vovó. Adoravam exibir seus brinquedos caros, suas roupas de marca, suas viagens ao exterior, mas ao levar um escorregão e esfolar o joelho choravam aos berros como se a perninha estivesse sendo amputada.

Hoje eu me lembrei do Jerry. Em 1978 meu primeiro ano do segundo grau foi um dos períodos mais estranhos que eu tive na vida. Antes éramos aquele grupo de três ou quatro que não fazia parte dos bem sucedidos e sonhávamos com nosso futuro brilhante ao lado das meninas que cada um estava a fim, e elas, claro, nem sabiam que nós existíamos mas nós nos enganávamos que éramos amados por elas. Já no segundo grau era diferente, na idade de 16, 17 anos, a inocência nos abandonava, já dava pra discernir mais ou menos como eram de fato aqueles que nos circunvizinhavam e noventa e nove por cento me causavam repúdio. Foi o primeiro ano em que estudei em um colégio pago, era o Santa Rosa de Brasília e era uma empresa de freiras. Foi um inferno na minha vida (não pelas freiras, que fique bem claro). Eu vivia com vergonha pois as mensalidades estavam sempre atrasadas, meu pai em sua dureza habitual não conseguia dar conta de atualizar, mas eu sempre era chamado na diretoria para levar carta de cobrança pra casa.
Em algum post passado eu comentei que naqueles tempos o segundo grau no Brasil era "profissionalizante", se me recordo bem haviam três modalidades a escolher: enfermagem (parece brincadeira), contabilidade (era isso mesmo?) e desporto. Como eu gostava de artes marciais (embora fosse bunda mole), levantar pesos e correr, optei por este último. Todos os esportes ensinados e praticados eram os de equipe: futebol, voleibol, basquete e handebol. Eu odiava a todos. Nunca me dei bem em grupo. Eu e a bola sempre fomos inimigos um do outro. Talvez eu tivesse algum problema de coordenação motora, sei lá, mas eu não conseguia dominar aquele objeto esférico em nenhum dos esportes onde ela era o foco. Eu era muito ruim e não sabia trabalhar em equipe por mais que eu tentasse. Sempre era um dos últimos a ser escolhido para os times e rezava para que a maldita bola não viesse até mim, quando acontecia eu procurava me livrar dela o mais rápido que podia, jamais conseguiria uma finalização então não me metia a besta. Meu time quase sempre perdia, embora ninguém me acusasse - afinal eu era um zero para eles - eu me sentia culpado por não contribuir efetivamente. Raramente haviam provas de circuíto ou corrida de longa distância, sempre que íamos para a quadra ela para pegar na bola e para mim isto era um tormento. Havia uma piscina lá mas nunca se falou em natação, não sei porque. Outra tortura era aprender as regras daquilo tudo, afinal o profissionalizante era um antepasso para a faculdade de Educação Física. Dividiam, claro, os times em masculinos e femininos.

Eu só tinha dois amigos, bem, amigos é modo de falar, eles colaram em mim, meio que nos atraímos uns aos outros, dois perdedores e imbecis como eu, um deles que quase não falava com ninguém, um tipo meio índio que apesar da baixa estatura tinha um físico privilegiado e jogava futebol muito bem, podia ser um dos garotões populares se não fosse meio doido da cabeça. Num dia conversava normal, no outro parecia zangado e amuado como se algum de nós tivesse feito mal a ele. Era burro demais pra estudar e vivia colando nas provas, ele conseguia escrever capítulos inteiros dos livros em minúsculos papeis que ele colocava entre os dedos. Sempre tirava notas boas (menos em matemática) e nunca sabia nada de coisa alguma. Eu já citei este cara em posts passados. O outro sujeito definitivamente era um fodido na vida, baixinho, magrelo, óculos de grau, falava muito mas nada que fosse relevante. Todos nós usávamos moletons esportivos com tênis e ele vinha com sapatos vulcabras. Era zoado até pelos moleques do primário. Eu, se possível fosse, ficaria invisível na sala. Sentávamos nas últimas carteiras. Éramos os desprezados. Lógico, haviam outros Zés Manés, mas existem muitos tipos de medíocres, nem todos combinam entre si.

Certo dia surgiu o Jerry. Bom aspecto, falante, parecia inteligente e com boa educação, logo se tornou a atração da sala, as meninas sentavam perto dele e logo se enturmou com o "bocão", "camelo", "minotauro", Marco e Paulo, esses os fodões do primeiro ano (não recordo dos demais). Tinham duas meninas que se destacavam na sala, a Márcia e a Chilena, obviamente a chamavam assim por seu país de origem, era magra e tinha um lindo rosto e cabelos negros longos e lustrosos, ela nunca sequer olhou na minha cara. Márcia era mais baixinha com quadris largos, cabelos castanhos bem claros na altura dos ombros. Ela, por motivo que desconheço, gostava de conversar comigo. Sempre que ela vinha falar, eu discretamente colocava uma das mãos à frente do nariz para não sentir seu forte hálito matinal.
Certa manhã ela bocejava muito e exibia um aspecto de fadiga.
- Tudo bem, Márcia?
- Que nada, não consegui dormir.
- Porque?
- Passei a noite cagando! Comi um sarapatel e não caiu bem, fiquei a madrugada toda mijando pela bunda!

O Jerry se ufanava de ser bom nos esportes e tudo mais, no jogo de futebol ele vinha todo paramentado, com uniforme de seu time, joelheiras, caneleiras e chuteira oficial. Nunca acertava um drible, um passe, muito menos um gol. Eu lembro bem que ao tentar uma jogada de craque ele conseguiu dar uma bolada na própria cara, até hoje rio sozinho rememorando o fato. Pouco a pouco as pessoas foram percebendo a farsa do Jerry. Suas bravatas e mentiras. Em suma, ele chegou todo cheio de banca mas não passava de um bosta. Não demorou para o desprezarem. Não era mal aluno, mas em pouco tempo ele migrou das primeiras carteiras para as últimas onde ficávamos. Me dava bem com ele. Com o mínimo de conversa não precisei ser psicólogo para perceber que apesar de ser classe média aquele garoto era carente. Filho único, não tinha atenção dos pais. Não era a minha situação mas eu me identificava com ele, muito mais do que com o Paulo ou o Marco, caras que falavam comigo mas eram de uma outra linhagem, dos populares e bem quistos pela maioria. Jovens que tinham um futuro meio planejado. Aposto que viraram funcionários públicos ou bancários. Eu não jogava neste time, no time dos que iam às reuniões de família ou confraternizações de fim de ano da firma.

No final daquele ano minha vida iria piorar muito. Eu iria embora de casa para me aventurar no Rio de Janeiro atrás da primeira namorada. Mas esta história eu já contei.


A arte de hoje é mais uma do livro de contos do Artur Azevedo.

Boa noite e boa semana a todos!

domingo, 9 de setembro de 2018

FAMOUS MONSTER E O MUSEU NACIONAL.



Abro esta postagem com meu mais recente Famous Monster: O Misterioso Caso do Doutor Jeckill e o Senhor Hide. A matéria prima para minha releitura foi o clássico filme de 1932 interpretado por Fredric March. No cinema tivemos boas adaptações da obra de Robert Louis Stevenson (se você não leu o livro, corra atrás) mas de longe, a de 32 foi a que mais me marcou embora eu lembre muito pouco deste filme, afinal eu vi na adolescência.
Ressalto que na minha página do Facebook esta arte foi a que menos teve likes e comentários, não sei porque. Coincidentemente vou perdendo o gás para outras homenagens, mas quero ainda fazer mais umas quatro ou cinco, acho que elas merecem.

De um modo geral estou totalmente sem inspiração para realizar as minhas artes pessoais, luto para fazer um pouquinho cada dia da nova HQ do Zé Gatão - a ser publicada de forma independente, se Deus quiser - e não está fácil. Penso que é uma fase passageira, talvez provocada pela aridez da vida nesses últimos tempos. Felizmente sou um profissional e continuo dando o meu melhor nas artes encomendadas, breve teremos novidades por aqui, incluindo um novo Zorro.

O PASSADO E A CULTURA VIRARAM CINZAS.

Estou de luto pelo povo brasileiro que aprecia história e cultura, o Museu Nacional do Rio de Janeiro incendiou e seus inúmeros itens, incluindo vasta biblioteca e pinturas, viraram cinzas. Nem sei bem o que dizer, tenho certeza que muitos escreveram sobre o assunto nos inúmeros meios de comunicação que a internet oferece hoje em dia e eu sou apenas um desenhista emotivo e ignorante. O que tenho a dizer são duas coisas:

1 -  Nem tudo foi ruim no período que morei no Rio de Janeiro. Vi bons filmes nos cinemas de lá e ia sempre à Quinta da Boa Vista em São Cristóvão. Eu chegava de trem, era fácil. Foi lá que beijei a primeira mulher que amei de verdade na vida, aos dezesseis anos, debaixo de uma chuva fina. Foi um beijo tímido, um encostar de lábios apenas, mas que me marcou até hoje.
Ir ao museu era uma constante e eu, muito mais que as ossadas dos dinossauros, me impressionei com as múmias que existiam ali, em particular uma, conhecida por Kherima, que dizem, já provocou alucinações nas pessoas. O que me chamava a atenção nela, era que seus pés não eram enfaixados. A última visita ao lugar foi no início dos anos 80 quando minha mãe e irmãos foram me visitar. Eu
sempre planejei voltar se uma oportunidade se oferecesse. Sempre que retornei ao Rio foi um tanto as pressas para visitar a filha e nunca tive ocasião. Agora nunca mais. Lamentável.
Li em algum lugar que o Museu do Louvre, em Paris, recebeu muito mais visitantes brasileiros que o Museu Nacional.
A Pinacoteca do Estado em São Paulo me trás boas recordações também, espero que não esteja entregue às traças como muitas casas de cultura Brasil afora.

2 - Raramente uso minhas páginas virtuais para pregar minha fé e inclinações políticas, as vezes não consigo evitar. Um amigo do Facebook me perguntou se eu não recebia convites para os grandes eventos de cultura pop do país por sofrer embargo das empresas sendo eu reaça de direita (palavras dele) e ser cristão. Respondi que não era nada disso, eu não era convidado por ser um total desconhecido de todos eles. As grandes figuras que são a nata deste meio nem sabem que eu existo e pra mim está tudo bem.
Contudo, hoje vou comentar aqui que acho que não é por acaso que o responsável pela manutenção do Museu Nacional é o reitor da UFRJ, um indivíduo que afirmou em vídeo que o MST pulsa cultura - e dá, assim, seu irrestrito apoio ao movimento - está ligado ao mesmo partido em que esteve vinculado o marginal que esfaqueou um candidato a presidência da república esta semana. Se não estamos nas mãos de uma quadrilha então não sei o que é. Desvio de verbas públicas e violência. Detenção de poder por todos os meios. Protegem bandidos e sacrificam cidadãos. Essas pessoas me lembram muito aquelas citadas em Isaías 5:20, 21.

Deixo com vocês um vídeo que mostra um pouco do que nós perdemos e que a maioria da população brasileira nem sabia que existia. A TODOS VOCÊS, UM GRANDE BEIJO e obrigado por me visitarem aqui!





















 

domingo, 2 de setembro de 2018

A TRISTE FIGURA DE UM PROFESSOR.


Era um amigo do meu pai. Nós o conhecíamos como Professor Sérgio. Se não estou enganado ele era italiano de nascimento, um homem culto e educado, artista dos bons. Este senhor é uma das minhas lembranças taciturnas de uma São Paulo fria e cinzenta. Todos os anos que passei lá na primeira metade da década de 70 hoje me são rememoradas com cores opacas, mortiças, como uma gravura que estivesse muito tempo exposta ao sol e seus pigmentos tivessem desbotados.
Hoje não lembro mais a origem do Professor Sérgio, como ou de onde meu pai o conheceu. Era da idade, talvez, de uns 40 anos, sua tez era morena, bem bronzeada, cabelos lisos e escuros com grandes entradas, nariz aquilino, lábios finos. Corpo bem magro. Não era muito alto e não tinha boa postura, sempre meio encurvado para a frente. Duas coisas nunca esqueci naquele homem, seus imensos olhos escuros tristes, de uma tristeza que comovia e as mãos grandes, um tanto deformadas. Ele era um bom artista, semanalmente nós o recebíamos em casa pois era lá que ele deixava algumas de suas obras que eram expostas na chamada "feira hippie"que acontecia na Praça da República aos domingos. Ele, se me lembro bem, morava na Lapa e seus quadros eram bastante pesados para trazer em ônibus, então, possivelmente, a convite dos meus pais, os deixavam num canto do quarto onde eu dormia com a minha avó materna e os irmãos mais novos. A técnica dele era a seguinte: ele elaborava seus temas num papel e os reproduzia desenhando com papel carbono azul sobre grandes chapas de metal - cobre, se não estou enganado - depois com um instrumento de ponta grossa ele forçava aqueles traços de forma que eles ficassem em relevo do outro lado da chapa. Eram detalhes minuciosos e que exigiam grande esforço, motivo pelo qual seus dedos eram meio tortos dando à mão um aspecto de deformidade. Lembro da Santa Ceia do Leonardo Da Vinci que ele reproduzia nesta técnica, não só Leonardo, aliás, mas muitos temas religiosos de outros grandes mestres, em cobre, assim como cavalos correndo pelo campo e escudos (destes que as famílias tradicionais colocavam em suas paredes). Se a memória não me trai a venda dessas obras era sua única fonte de renda e ele não vendia tão bem. Meu pai ajudava a divulgar e transacionar aqueles quadros metálicos entre seus contatos no ministério.
Todos os domingos pela manhã, lá estava o professor nos saudando com seu sotaque forte já preparado para pegar aqueles quadros pesados e eu, um gurizinho, o ajudava a levar até a praça. Me recordo que aquele lugar aos domingos era tomado por uma multidão de pessoas onde mal se podia andar. Muitas vezes eu ficava por ali assistindo ele comercializar seus trabalhos. Não era uma vida fácil, assim como a da nossa família também era cheia de aflições.
Numa dessas ocasiões, sofri um assédio por parte de um senhor baixinho que usava chapéu e tinha uma cicatriz de lábio leporino. Ele me disse bem baixinho: deixe eu ficar encostado em você, não fale nada pra ninguém e eu te dou um cruzeiro e ficou colado em minhas costas, comprimindo algo entre minhas omoplatas, me seguia por aquele caminho até o local onde o professor tinha seu espaço de exposição. Claro que naquela época eu não sabia do que se tratava aquilo, para mim era apenas um cara chato que não desgrudava onde quer que eu fosse e o compacto bloco daquela procissão facilitava tudo para ele. O professor ia à frente, suando, levando seus pesados quadros, eu, com os objetos menores um pouco atrás e o lábio leporino logo desapareceu. Nunca contei isso a ninguém, por algum motivo aquilo me pareceu muito errado. Hoje a petizada sabe de tudo, mas eu, naqueles dias, era um total ignorante em relação a quase tudo. Muitos anos depois eu vi aquele sujeito em Brasília, no Setor Comercial Sul, bem em frente ao Shopping Pátio Brasil com uma barraquinha de doces, bem envelhecido, de chapeuzinho e a cicatriz debaixo do narigão. Tentei não pensar mais naquele assunto até que me lembrei hoje.

Algumas vezes fomos visitar o professor em sua casa, eu, minha mãe, avó e irmãos pequenos. A esposa dele era uma mulher problemática, meio louca, até. Falava muito e falava alto, ao contrário do marido que era circunspecto. Eles tinham um filho pequeno, quase da idade do meu irmão Gil - talvez mais velho um pouco - chamado Gino. Um pirralho magrinho com uma enorme cabeleira toda cacheada que chegava até as nádegas. A mãe fizera uma promessa a um santo de não cortar as madeixas do menino até que ele completasse uma determinada idade. Um troço bem doido.
Numa dessas visitas àquela casa eu desenhei uma figura do Super-Homem num caderno e aquela senhora me passou um longo sermão, como se aquilo fosse um pecado, dizia que o desenho nunca me traria felicidade se eu continuasse nesse caminho. Durante um tempo eu fiquei sofrendo de culpa por gostar de desenhar.
Parece, não tenho bem certeza, que o Sérgio tinha sido padre - ou fazia seminário - e abandonou a batina para se casar.
Bem, era visível que aquele homem não era feliz. Muitas dificuldades financeiras, nunca reconhecido por seu talento e cultura, sem sex apeal e uma relação conjugal infeliz.

Eu sempre me senti pressionado, solitário, poucos amigos e muito bullying na escola. Em casa vivíamos tensos por causa do humor tempestivo do meu pai. Naquela época eu brincava com soldadinhos de Fort Apache ao lado de um garoto (não sei se seria legal citar o nome dele, acho melhor não). Era um menino vivaz e muito comunicativo, muito protegido pela mãe, o pai frequentemente chegava bêbado em casa. Soube uns anos mais tarde que aquele senhor morrera atropelado por um ônibus.
A mãe do menino mantinha a casa impecavelmente limpa. Na hora de almoçar, claro, parávamos a brincadeira, eu, as vezes era convidado, as vezes, não, mas ficava ali ao lado observando ela colocar a comida na boca de um pirralho que já tinha idade mais que suficiente para comer sozinho. Numa dessas situações ela o deixou com um copo de limonada e foi para a cozinha. Em dado momento, acidentalmente, o copo virou e molhou todo o chão. Temendo a surra que a mãe lhe daria tentou ajeitar a merda que fez pegando um pano no banheiro para limpar a sujeira. Tinha piorado, era visível a mancha no soalho encerado. Ele colocou um tapete em cima (era o couro curtido de um bovino malhado, lembro bem) e achou que tudo estava ok. A brincadeira continuou. Logo a gorda senhora veio pegar o copo para lavar e, lógico, notou a travessura. "Fulano, o que foi que você fez?" O pivete ficou pálido como se a vida lhe faltasse, sem delongas a mulher pegou-o pelo braço, sacou seu tamanco e deu-lhe com fúria na bunda e nas pernas. Eu fiquei petrificado ouvindo os berros: Aaaaaiii, mãe!!! Não, mãe...aaaaaiiii! Num me bate, mãeeeee, aiiiiii!!!!! Me levantei e saí da casa com o choro gritado do menino soando pelos corredores daquele prédio soturno.

Acho tudo isso muito triste. Triste como a figura do professor Sérgio.

Nos mudamos para Brasília e nunca mais ouvimos falar dele.
Meu pai, em meados dos anos 80, certo dia, recebeu uma carta do professor Sérgio - até hoje não sei como ele nos localizou, talvez algum amigo em comum - e a mensagem era tão triste quanto sua figura, nela ele falava um pouco de sua vida, que continuava a mesma luta inglória, pedia que meu pai respondesse a ele. Não sei se ele o fez. Uma segunda carta com apelos mais desesperados onde se lia: "Por favor, escreva...escreva...escreva...por favor, escreva!" E depois, nunca mais.

Não sei porque me lembrei do professor Sérgio nesses dias. Há em mim uma sensação de ocaso. De fim da linha, embora eu saiba que o porvir só a Deus compete. Eu sei que obtive mais sucesso que o triste professor, mas não consigo evitar de me comparar a ele, de me solidarizar com sua história. Acho que ela merecia registro aqui. Não sei se o Sérgio vive ainda, provavelmente não. A ele minha admiração e minha homenagem. Até um dia, professor!
           









A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE COMENTADO PELO ESCRITOR E POETA BARATA CICHETTO

 O livro que tive o prazer de trabalhar ao lado do ficcionista Rubens Francisco Lucchetti intitulado A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE, ...