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sábado, 31 de dezembro de 2022

ADEUS 2022 E FELIZ 2023 !

 Boa noite a todos!

Pelo horário que marca aqui no meu notebook, daqui há umas duas hora e quarenta minutos o ano de 2022, pelo calendário ocidental, se despede. E para mim, não deixa saudades. Isso porque todos os anos após os eventos nefastos de fevereiro e abril de 2021, que roubaram as cores e o brilho da minha vida, serão iguais, com seus altos e baixos, mas sempre iguais. 

Não faço balanço dos eventos do ano aqui, apenas venho falar brevemente com vocês em respeito e gratidão por estarem sempre me prestigiando com suas visitas à espera de algum texto ou desenho. 

Foi um ano de lutas, como sempre, mas dessa vez mais cansado e um tanto mais calejado e, talvez, alheio a tudo. 

Queria ter concluído os projetos iniciados com os parceiros roteiristas mas não foi possível. RASTREADORES DE ALGURES faltando uma única página para fechar a primeira parte (queria ter consumado hoje mas os eventos desta manhã e tarde me impediram). O trabalho com o cineasta Claudio Ellovitch tarda mas segue firme e no momento compete com os roteiros do editor e roteirista Reginaldo Carlota (vem coisa forte por aí).  Mas felizmente Os Mitos Gregos para a Ciranda Cultural vão de vento em popa. TESEU E O MINOTAURO e OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES já foram entregues e sigo labutando em DÉDALO E ÍCARO.

A despeito disso tudo, o dinheiro pago por esses empregos não é suficiente para sanar as minhas dívidas, boletos e juros são mais poderosos que meus esforços; minha saúde segue declinando, minhas costas parecem frágeis, tem dia que está ok e no outro quase não posso dobrar meu torço. Meus pés estão inchados e há uma fadiga mental e física onipresente provocada não só pelo excesso de trabalho mas pela pressão cotidiana.

No campo pessoal eu tive esperança que as 30 cópias (sim, só 30 cópias!) de ZÉ GATÃO-SIROCO fossem publicadas esse ano mas está provado que o caminho desse felino é forrado de pedras, cardos e abrolhos. Nada resta a não ser esperar.

Se há algo a acrescentar, eu diria que o ano de 2022 me convenceu de que o crime compensa e o mal triunfa. Isso é desalentador, mas os familiares que me restam e os poucos amigos que conto na minha mão direita estão bem, isso equilibra tudo e sou bastante grato ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. 

Dito isso, mais uma vez agradeço a todos que vem aqui para ler um pouco dos meus desabafos e ver meus desenhos e desejo de coração que Deus, no ano de 2023, os mantenham firmes e íntegros, com saúde e disposição para as batalhas que estão por vir e que proteja a seus familiares e amigos.

Rastreadores de Algures em uma agradável tertúlia entre uma aventura e outra. 

E gratidão aos que torcem e oram por esse pecador que vos escreve.

Beijos a todos e até o ano que vem!





quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

O NATAL DE 2022 E MAIS DESENHOS PARA UM LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS NUNCA PUBLICADO


 Antes de mais nada deixa eu informar aqui que digito esse texto com uma violenta dor na região lombar; sim, mais uma vez um acidente besta e os que me acompanham há tempos já me leram nesta mesma situação, pareço ter os músculos dessa região fracos, ou isso ou devo ter algo errado entre as minhas vértebras, segundo suspeita de um preparador físico conhecido meu. Segundo ele eu deveria investigar; claro, mas cadê o dinheiro para consulta e exames? E o pior é que eu não posso ficar esticado na horizontal para repousar, tenho um prazo aqui se quiser ter dinheiro para janeiro. É a história de sempre, deixa pra lá. Talvez eu melhore logo, talvez não.

O desenhos de hoje fazem parte de uma série criada para um livro didático de ensino médio que nunca será publicado. Os dois foram feitos para se complementarem, um seria na página par e outro na ímpar. 

Pois é, o Natal, né? O que dizer sobre o Natal que eu já não tenha dito em anos anteriores? Aliás, nem lembro do que escrevi sobre esta data no ano passado. Posso afirmar que os natais dos quais lembro não foram lá muito felizes. Meu pai sempre dava um jeito de estragar tudo por coisas bobas, era do temperamento autocrático dele querer tudo da maneira dele, na hora dele em descompasso com minha mãe que queria cear na hora certa com todos ao redor da mesa. Havia em casa sempre que possível uma árvore de natal, uma mesa farta (ela sempre foi um primor de cozinheira) mas invariavelmente tudo acabava em alguma discussão que afugentava o espírito natalino. Por isso eu e meus irmãos nunca tivemos esse ânimo para comemorar ou dar a importância devida. 

Espremo o cérebro aqui e não lembro de muitos natais, mas não posso esquecer o do ano de 1974,eu acho. Passamos na casa do professor Abreu, um velho amigo do meu pai, com a família dele em Santana, SP. Recordo do clima de harmonia e uma certa paz estranhamente inédita.  Outro inesquecível foi no ano de 1987 em Brasília, por estar apaixonado por uma mulher que no ano seguinte me desprezaria. 

Os anos 1990 em São Paulo, claro, também, entre altos e baixos ficaram presos na memória mas não tem nenhum fato marcante, exceto talvez o do ano de 1998, onde depois de muito tempo conseguimos reunir toda a família, meus pais, todos os irmãos e minha filha. Verônica (na época, minha namorada) estava junto.

Os últimos natais tem sido mais frios. Por esta razão é que ao lembrar daqueles anos passados, apesar de momentos sofridos, eu me dou conta do quanto eu fui feliz (e eu tinha consciência disso) pois eu, meus pais, meus irmãos, estávamos todos juntos, éramos jovens e havia muita esperança em algo intangível, algo que nem mesmo sabíamos o que era, mas estávamos dispostos a lutar por ele. Esse algo, era possivelmente um trabalho, viver dignamente dele, formar família, ter um lugar na sociedade e fazer a diferença. Os anos avançaram e cada um de nós tomou algumas decisões erradas e pagamos o preço por isso, mas sempre lutando para não esmorecer e não nos acomodarmos a uma situação desconfortável. Algumas contendas vencemos, outras perdemos e assim é a vida.

Hoje, claro, não é mais possível eu ser feliz (digo, plenamente dentro do possível), ou ter um Natal feliz, pois neste quebra cabeças da minha existência faltam duas peças muito importantes, peças centrais que não podem ser repostas: minha mãe e meu irmão. A ausência deles torna, como já asseverei aqui, a vida sem cor nem sabor. 

Mas mesmo insossa e em preto e branco há uma vida a ser vivida (não tenho escolha) e lembro do que minha mãe me disse certa vez, é o aniversário do Salvador do mundo, mesmo que a data não tenha sido exatamente o dia 25, foi a data escolhida pelos homens e portanto, deve, sim, ser comemorada. Pouco importa que a maioria nem se dê conta disso e use a data para alavancar o comércio, é o momento em que, quem pode, se reúne com amigos e familiares. Concordo com ela, eu brindo a Ele no meu silêncio e na minha solidão (falo da solidão da minha alma individual, lógico, fisicamente, Verônica está sempre ao meu lado), minha oração a ELE é sempre de gratidão por tudo e pela promessa que ELE fez de que eu nunca estaria só e nada me faltaria, juramento esse, eu sei, sempre cumprido apesar de todas as minhas falhas.

FELIZ NATAL A TODOS VOCÊS! 

Obrigado a todos pela gentileza de vir aqui e ler as coisas que escrevo.

Até a próxima!






  

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

ARTES ESQUECIDAS ( 1 )

 Boa tarde a todos!

Sim, é isso mesmo, eu demoro a vir aqui e gostaria que esse nosso encontro fosse semanal, mas está difícil! O motivo, lógico, é sempre o mesmo: trabalho, trabalho e trabalho. Só parando para comer, tomar banho, dormir (pouco, devo acrescentar) e eventualmente ir à rua para comprar algo ou pagar algum boleto. Agora sei como o mestre Jack "the king" Kirby se sentia ao trabalhar diuturnamente em suas páginas de diversos projetos para sustentar sua família. Sei disso porque li uma biografia dele em quadrinhos faz um tempo. Pelo menos imagino que ele ganhava melhor que eu por sua rica produção. Ele acabou tendo um infarto que encerrou sua prodigiosa carreira aos 76 anos; terei eu o mesmo fim? Fui informado que as chances de sofrer um ataque cardíaco é maior em pessoas que trabalham muitas horas sentado. Noto meus pés inchados e escuros....essa tristeza que teima em me acompanhar todos os minutos do meu dia (e noite). Ah, sei lá, tanto faz.

Como se não bastasse eu estar comprometido com três projetos simultâneos, acabei arrumando mais um cliente para poder dar conta das minhas despesas, mas não consigo acelerar o processo, então as contas chegam mais rápido do que os pagamentos por minhas páginas de quadrinhos e os juros, como bolas de neve, sempre me colocam no fim da fila. 

Isso não seria problema se o preço por página fosse alto, mas é inútil falar sobre isso, as seis décadas recém completadas no último dia cinco me lembram de que certas coisas nunca mudam.

Bem, é isso, a boa notícia é que tem material desenhado por mim para ser publicado em algum tempo no futuro: Rastreadores de Algures (primeira parte quase no fim), o projeto que envolve cinema (na metade), Os Mitos Gregos (devagar e sempre) e esse novo que o editor e roteirista pede segredo. A má notícia é que meu último trabalho pessoal - Zé Gatão Siroco - continua no limbo, nenhuma notícia por parte da Atomic. Continuo aguardando. 

A borrasca que de quando em vez teima em naufragar a minha nau deu uma trégua, mas as nuvens negras continuam no horizonte.

Bem, falemos de uma novidade bem velha: eu procurava alguma coisa que agora não lembro mais em uns envelopes antigos e me deparei com um material que tinha me esquecido totalmente. No período que ilustrei os clássicos da literatura brasileira para a Editora Construir (antes que alguém me pergunte, eu respondo: NÃO! A editora nunca mais entrou em contato para falar sobre os 23 tomos restantes nunca publicados!) fiz também várias ilustrações para um livro didático de português.

Segundo os editores, esse livro foi abortado (por sei lá que motivo) embora eu tenha sido pago pelos desenhos.

Gosto bastante desses traços, são mais soltos, cartunescos. Uns eu mesmo desenvolvi a partir dos textos, outros foram sugeridos pelos professores. Na verdade não lembro mais dos detalhes nem o que cada ilustração remente a quê, mas depois de tantos anos acho que posso publicar aqui.

Pretendo fazer breves postagens divulgando alguns deles futuramente.

A primeira é esta que mostra dois ícones da televisão. Conseguem identifica-los?

Beijos a todos e até a próxima!










sábado, 26 de novembro de 2022

CORPO E ALMA (um conto por Eduardo Schloesser)

  Ele acordou. Finalmente tirado de um sono onde o despertar parecia impossível, uma impressão de que estava inconsciente há décadas. Em sua mente não havia lembrança de absolutamente nada. Um vazio total.

Não abriu os olhos; nos segundos posteriores - sem que planejasse - valeu-se dos outros sentidos para entender sua situação. Estava ao ar livre e devia ser de tarde pois sentia a luz do sol lhe aquecer o lado esquerdo rosto, a língua seca revolveu o interior da boca experimentando um gosto azedo, ao mesmo tempo amargo. Sentiu-se nauseado; farejou um cheiro de algo familiar mas indecifrável. O silêncio à sua volta quebrado por um barulho peculiar e irritante que ele identificou no preciso momento em que algo pousou em seu rosto: moscas! Centenas delas; provavelmente foi o som que o desadormeceu.

A ponta de seus dedos tocaram uma superfície áspera, rugosa. Entendeu que estava deitado de barriga para cima sobre uma extensão dura e de consistência desigual. Subitamente tomou consciência de que cada centímetro de seu corpo doía como se tivesse levado uma surra. Não conseguia abrir os olhos, as pálpebras não lhe obedeciam. Pensou, com certo desespero, que podia ainda estar desacordado e era vítima de um sufocante pesadelo.  

Imagens confusas passavam por sua cabeça, suplícios, lágrimas, escárnio e muito ódio. Foi quando encontrou forças para desselar as vistas e divisar um céu reluzente que o obrigou a apertar as pálpebras uma vez mais e tornar a abri-las devagar em tempos iguais até poder fixar o firmamento de maneira franca. Um azul límpido que ocupava todo o seu campo de visão e pela posição do sol devia ser por volta de quatro horas da tarde. Olhou parcialmente em volta de si, estava  estendido numa estrada asfaltada. Afinal o que acontecera? Outra mosca pousou em seu nariz e ele moveu os braços por puro reflexo e gemeu de dor, não exatamente de agonia mas um incômodo por ter ficado, sabe-se lá quanto tempo, em um local tão inadequado.

Tentou se levantar mas a algia cansada nos membros o afligiu, parecia colado ao asfalto negro. Sentou-se com dificuldade e sorveu o ar que vinha da relva maculado por aquele odor desagradável. À direita e à esquerda da estrada onde ele se encontrava havia uma vegetação baixa e se estendia até o horizonte como um mar verde. Contudo mais a leste árvores frondosas quebravam o equilíbrio daquele magnífico panorama.

Ficar em pé foi um esforço hercúleo onde os músculos das pernas estavam fracos e trêmulos. Ereto, com os pensamentos em desordem, tentou compreender o que havia se passado. Que lugar era aquele? Como ele foi parar ali? E acima de tudo, quem era ele? Como se chamava? Nada! Não conseguia se lembrar de absolutamente nada!

Olhou para si mesmo, trajava jeans, camisa branca e um paletó surrado. Nos pés um sapato preto de ponta quadrada. Os bolsos vazios, nenhuma carteira, documentos, papéis, algo que pudesse dar uma pista sobre sua pessoa.

Neste momento, por puro instinto, olhou atrás de si, para o lugar onde vinha a concentração das moscas e notou horrorizado que não estava sozinho. Ali, a poucos passos dele, um corpo, tão horripilantemente mutilado que ele não identificou de imediato como uma figura humana. Havia algo pavorosamente familiar naquela figura esquálida mas no meio de tanto sangue não conseguiu perceber o que era. O morto tinha o rosto parcialmente esmagado, a cabeça rachada deixava entrever miolos e ossos partidos. O esquisito era que o finado estava em decúbito dorsal mas as nádegas também estavam voltadas para cima como se tivesse sido violentamente torcido, as vísceras esparramadas na lateral por onde se via uma abertura de carne lacerada. A perna direita estraçalhada onde o pé se misturava ao tecido da calça e ao couro do sapato. O cheiro, agora ele sabia, que o incomodava, era do sangue; o zunido das moscas, tudo somado, revoltou-lhe o estômago de tal forma que o vômito veio repentino, indômito e com tal intensidade que saiu-lhe pela boca e narinas em grandes golfadas. O ato quase fê-lo desmaiar, uma vertigem dobrou seus joelhos, grossas gotas de suor brotavam de sua testa. "Deus, de quem é este cadáver? Quem sou eu? Procurou pensar de forma racional, ponderada, puxar de dentro de si uma lembrança que pudesse arranca-lo desta situação grotesca.

"Calma - disse para si mesmo - você está em choque, acabou de acordar, não se desespere, as lembranças vão voltar, apenas não se desespere."

Olhou para o vômito diante de si, pensou confusamente que tudo poderia mesmo ser fruto de um pesadelo sobrenatural do qual não conseguia acordar; qual a alternativa? Ele deitado numa estrada deserta ao lado de um morto sem uma recordação sequer de sua vida! Loucura!

O sol brilhava morno no horizonte, breve ele se poria, o pensamento de que logo a noite chegaria e o encontraria ao lado daquele defunto sórdido o encheu de terror. Precisava evadir-se dali, encontrar quem pudesse ajudá-lo, a polícia, talvez. 

Trêmulo, ficou de novo em pé. Decidiu pela direção das árvores, mas ao dar o primeiro passo, uma dor aguda na junção do osso da perna que se liga ao tronco o fez berrar. "Que diabo, mais esta!?" Nesse instante, um grito estridente, como que saído das profundezas do inferno, invadiu seus ouvidos e machucou seu cérebro.  

Aterrorizado, ele se voltou para a direção do falecido para quase tombar ante o absurdo que se apresentava diante dos seus olhos: aquele vulto banhado em sangue urrava e lutava para se hastear! Mas...então ele não estava morto! Impossível, uma pessoa naquelas condições não poderia se mover, mas....era isso que tentava a todo custo fazer! O ser bizarro fitava-o com o único olho que lhe restava. Da boca - se era possível chamar aquilo de boca - soltava gorgolejos agudos mesclados a grunhidos que ele não discernia se era de dor ou de raiva.

A sensação de que havia algo familiar naquela criatura persistia. Seria um parente? Um amigo? Petrificado ele observou a agonia e o vigor daquele ente para ficar em pé, o braço direito todo lacerado estendido como se pretendesse agarra-lo. Vencendo a dor que o acometia na perna conseguiu dar alguns passos para longe daquele zumbi.

O inacreditável acontecia, a repulsiva entidade, conseguiu se erguer, as vísceras pendentes se esparramaram pelo chão com um som que lembrava sacos de água estourando. Com dificuldade, retorceu o corpo, ouviu-se o barulho incômodo de ossos estalando; com esse movimento o morto ficou quase de costas para ele, ao tentar virar-se a perna estraçalhada não pode se apoiar e caiu com grande estrondo, a cabeça se chocou com violência espalhando pelo asfalto o restante do cérebro e sangue coagulado. No entanto não desistiu, junto a berros de palavras ininteligíveis fez novo esforço para se erigir.

O desmemoriado não pode mais suportar, vencendo o indizível horror de que era possuído ao visualizar algo tão improvável, juntou todas as suas forças e deu meia volta para fugir do local. Era quase impossível aguentar o sofrimento decorrente da lesão mas o desespero deu-lhe ânimo. Com os dentes trincados, mancando, afastou-se dali bem a tempo, pois ao olhar para trás divisou o odioso falecido com os braços estendidos em sua direção e pulava em apenas uma perna lutando por alcança-lo. Era uma cena patética.

A dor agora parecia mais suportável e ele procurou tomar distância.  Olhava às suas costas e notava o ser repugnante cada vez mais longe. Seus uivos de frustração eram de enregelar a alma.

Com pouco tempo ele alcançou as árvores. A folhagem seca, como um detestável tapete cinza, fazia um barulho ensurdecedor ao ser pisada. Temeu que este som o denunciasse pois a bizarra silhueta havia sumido atrás da densa vegetação.

Suando em bicas, ele procurou desordenadamente correr, agarrava-se à vantagem tão sofridamente conquistada. Tropeçava nas raízes das árvores cobertas pela folhagem opaca, levantando-se para tornar a cair mas nunca desistindo, o medo que sentia era superior a tudo mais.

Depois de um quarto de hora neste suplício, ele avistou uma casa escondida atrás de uns bambuzais. Uma típica habitação do interior, feita de madeira e barro batido, telhado de sapé, com um poço e um filete de fumaça saindo de uma chaminé. Alívio, não estava abandonada, seu coração se encheu de alegria e ele parou para tomar fôlego. Escurecia e o único ruído audível era dos grilos na mata. Certamente o tal morto perdera seu rastro.

"Ó de casa!" Gritou. Aproximou-se da morada. Silêncio. Tornou a gritar. A voz saiu fraca, estava sedento. 

Um cão ladrou debilmente e apareceu saindo porta afora. Era um animal velho, doente, de cor escura, o corpo esquelético, poucos pelos, a pele tomada por uma sarna asquerosa.

"Ei, totó, tem alguém nesta casa?" Como que entendendo a pergunta o cachorro entrou e depois de um segundo surgiu um ancião alto, sinistro, de magreza assustadora, o cabelo crespo de um branco encardido caindo em desalinho pelo cachaço, o peito desnudo exibindo uma execrável psoríase que se estendia pelos ombros e ganhava parte das costas, a derme estava cascuda e ferida. Trajava apenas uma bermuda velha que parecia que ia cair a qualquer momento. Contudo, o rosto ossudo sorriu mostrando uma boca de poucos dentes amarelos e imensas covas ao redor dos olhos fundos.

"O sinhô tá perdido, moço?"    

A voz profunda do velho trouxe uma certa tranquilidade à alma conturbada do homem.

"Eu...eu...sim, estou. Eu me perdi....na mata."

"Ah, acontece muito nessas banda. Mas se achegue pra perto do fogo. O amigo não repara não, que é casa de pobre." O semblante do idoso fez cara de dó: "O amigo tá mancano? Se machucô?"   

"Eu creio que sim, devo ter caído, pra falar a verdade nem mesmo sei direito." Disse isso tentando entrar na casa que rescindia a fumo de corda. Evitou discretamente a ajuda do velho.

"Poderia me arrumar um copo d´água? Tenho muita sede."

"Craro! O moço me parece muito cansado!"

"Estou, de fato, andei a esmo por horas nesta mata!" Sentou-se ao lado do fogão de lenha. Uma casa modesta como era de se esperar de um domicílio daquele tipo.  No canto do aposento uma mesa rústica com utensílios de barro em cima.

"Tá aqui, moço, fresquinha do poço." O anfitrião lhe oferecia uma concha feita de cabaça. O líquido desceu-lhe pelas entranhas  devolvendo parte das forças.

"Como se chama o amigo?" Neste ponto o rapaz ponderou: Poderia este senhor depauperado entender seu drama? Como contar que não tinha memória? Como dizer que fugia de um corpo que de tão destruído não poderia estar vivo, mas o perseguia implacavelmente? Como fazê-lo crer em algo que ele mesmo julgava inexequível? Melhor seria omitir os fatos.

"José, meu nome é José da Silva - respondeu resoluto - e o senhor?".

"Celestino, às suas ordem. O que te aconteceu, José?"

"Comigo? Eu, bem....meu carro quebrou na estrada, como não apareceu ninguém resolvi procurar ajuda na floresta, foi quando caí de um barranco e machuquei a perna, então, encontrei sua casa." Surpreendeu-se com a facilidade com que mentia. Era como se tivesse feito isso a vida inteira.

"Ocê deu sorti, não tem ninguém nessa região."

"Não tem ninguém como? Quer dizer, o senhor é o único habitante dessas redondezas?"

"Isso mesmo."

"É...poxa, isso é mau! Eu contava com a ajuda de alguém...quero dizer, alguém que tivesse um telefone. Não há um posto telefônico aqui perto?"

O ancião riu.

"O amigo me adiscurpe, mas não tem nada disso por aqui, não. Vivo sozinho nessas mata há muito tempo."

"Caramba, por essa eu não esperava! Tem certeza que...."

"José - interrompe Celestino  - num se preocupe cum isso agora. Amanhã nóis pensa mió, agora só pense em recuperá suas força. Aí no fogo tem um feijão com toicinho que daqui a pouco vai tá pronto. Ocê janta, discansa, e vai vê como tudo vai si ajeitá!"

Nisso o homem se abaixou para pegar um banco e foi possível divisar em sua omoplata esquerda um buraco horrendo, daria pra por um dedo inteiro dentro; berne, provavelmente. 

Os dois homens jantaram feijão, farinha e linguiça de porco. "Péssimo acompanhamento pra alguém que tem uma micose tão feia pelo corpo como este velho"- pensou. Depois tomaram um copinho de aguardente.

"Bem, já tá tarde. Ocê pode discansá naquela cama ali. Eu vô confiri umas armadilha pra paca. Mais tarde tô di vorta."

"O senhor vai dormir onde?" 

"Ah, eu durmo numa rede aqui fora,  se preocupe comigo não. Agora discanse."

A velha cortesia interiorana trouxe alento ao jovem amnésico, entretanto hesitou deitar no colchão indicado pelo idoso, aquela dermatite era desagradável até de se ver. "Ah, dane-se - pensou - para quem fugiu de um ´presunto´ naquelas condições...." Sentiu um frio no estômago ao lembrar disso. Novamente a apreensão, não devia ter deixado Celestino sair, poderia ter inventado um pretexto qualquer para não ficar só. Mas pensando bem, depois de tudo, não teria ele imaginado aquilo, como uma alucinação louca?  

Ele se deita no ruidoso colchão de palha. O travesseiro tem um suave cheiro de marcela (ou macela, como chamam alguns). Havia um silêncio agônico na casa. Põe-se a pensar: estaria ele caminhando na estrada com alguém e ambos foram atropelados? Sim, só pode ter sido isso! No choque o companheiro ficou destroçado e ele provavelmente bateu a cabeça e perdeu a memória, isso também explicaria a lesão na perna.

Neste momento sente algo úmido lhe lamber a mão. Senta-se aterrado. O cão sarnento entrou tão sorrateiro que ele nem notou. Certamente dormia sob a cama. O animal repugnante aproxima-se mas é repelido com um chute, "sai, bicho imundo! Passa!" Neste ato, sente a perna magoada - "aaaah, droga!" - o pobre cão sai do aposento com o rabo entre as pernas. Para evitar que ele volte, o rapaz fecha a porta e coloca a trava transversal. Aquele quarto não tinha janelas, "melhor assim - pondera - ficarei mais seguro."

Novamente deitado, tornou a refletir sobre sua situação. Se ele tivesse batido a cabeça como supunha, deveria ter algum ferimento, um galo, um corte, qualquer coisa, mas não sentia nada, apenas aquela dor incômoda na junção da perna com o tronco e um cansaço mortal.  Tudo era muito esquisito. Aquela estrada sem viva alma, ele ali, desmaiado e  acima de tudo, aquele zumbi que lhe parecia tão familiar. Não, não podia estar morto, do contrário, como poderia se levantar e persegui-lo? No entanto viu-o estatelar-se no chão e o cérebro esparramar-se no asfalto, ainda assim continuava sua luta por se mover na sua direção como se precisasse desesperadamente tocá-lo. Sentiu arrepios só de pensar! 

Procurando afastar aqueles pensamentos, ficou no escuro olhando o teto feito de mato seco, as ripas de madeira de proporções desiguais, então as pálpebras começaram a pesar, não lutou contra o sono que chegava qual um lenitivo para sua mente conturbada.

Porém o descanso tão almejado não se fez presente; foi bombardeado por imagens confusas e fragmentadas de si, manietado, encarcerado. O sonho inquietante mostrava um tribunal inclemente e diversos rostos com expressões odientas e escarnecedoras. Dedos em riste e uma mão descarnada, com uma pena de abutre, a escrever com sangue em sua testa uma palavra que sabia, aplicava-se a ele: PEDÓFILO!

Gemendo de agonia ele acordou. Ainda sob os eflúvios do pesadelo, tentou concatenar as imagens terríveis, monta-las como um quebra-cabeças para daí extrair alguma lembrança de si. Seria um criminoso?

Não pode continuar suas conjecturas , notou mais alguém na escuridão do ambiente. Um forte cheiro de sangue invadia o local, o mesmo odor da estrada, o gorgolejar sinistro do cadáver a anunciar sua presença nefanda! O homem sequer teve tempo de se perguntar como aquele ser entrou no recinto, tampouco pode se levantar da cama quando o morto pulou em sua direção. Um grito inumano escapou-lhe da garganta. Foi a única coisa que pôde fazer quando o defunto o abraçou e ele sentiu aquele corpo como um ferro em brasa a queimar-lhe as carnes. Pavor, desespero somada a uma dor titânica foram as únicas percepções presentes quando sentiu seu espírito abandonar-lhe o corpo. O resto foi escuridão.  

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E ele acordou de repente. Tirado de um sono onde o despertar parecia impossível. Uma impressão de que estava inconsciente há décadas. Em sua mente a lembrança de haver cumprido sua pena e por fim ganhado a liberdade quando dois guardas da sua ala na prisão o intimaram, sob a mira de pistolas, a entrar num carro. Duas horas de viagem em completo silêncio até aquela rodovia recém asfaltada. Uma bela manhã de primavera, um dia límpido e a ordem de caminhar pela via sem olhar para trás. O ronco do motor e as confusas sensações que misturaram choque, surpresa e dor ao sentir, numa fração de segundos, as pesadas rodas do veículo  a estraçalhar seu corpo. Depois, trevas.

Abriu o único olho que lhe restava. O azul  do céu continuava magnífico, seu corpo estava esmagado e retorcido. Não havia dor, estava morto. Ao seu lado, sua alma jazia deitada, enleada. Observou-a levantar-se e olhá-lo incrédula e horrorizada sem nada entender. Provavelmente pelo choque da separação entre matéria e espírito. Com muito custo conseguiu se por em pé e procurou uma vez mais agarrar seu ente espiritual. As vísceras e miolos se espalharam pelo chão. Torceu o corpo e pulou na direção daquela que debilmente procurava escapar, ela mancava e gemia. Saltando sobre o único pé que o sustinha, conseguiu por fim abraçá-la para juntos, de novo, cumprirem a última etapa do destino. Ela gritava para se libertar, mas um uivo medonho a fez calar. Ali, diante dos dois, um cão velho, sarnento, de magreza assustadora, com um profundo buraco sobre o dorso, aguardava o momento em que serviria de guia.

A alma se conformou, acomodou o corpo destruído às suas costas e seguiu o cachorro naquela estrada que conduzia ao inferno.









           

       

     











  


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domingo, 20 de novembro de 2022

A PRIMEIRA VEZ QUE APARECI NA TELEVISÃO.

Personagem pouco amigável de ZÉ GATÃO - SIROCO (ainda inédito).
 

Eu vivo prometendo a mim mesmo ser mais frequente neste blog, principalmente agora que as visualizações diárias aumentaram substancialmente, como já disse aqui reiteradas vezes, no início eu tinha de 200 a 500 verificações, depois fiquei entre 100 e 200, até que foi diminuindo, diminuindo até chegar ao ponto de verificar só seis entradas. Raramente passava de 50. Nas últimas semanas isso mudou, recebo, 150, 200, 300, 450 até 1.300 diariamente, o curioso é que no gráfico as páginas verificadas são postagens antigas, geralmente as que tratam de ilustrações para livros clássicos, Iracema, principalmente. Mas ok, o bom é que pessoas vem aqui e arte e texto chegam a um número maior de leitores (se não forem sempre os mesmos, mas espero que não). Mas o caso é nesses últimos tempos nunca consigo paz na alma para sentar e refletir com vocês sobre as coisas da vida, meus pesadelos (externos, os internos eu tento exorcizar com oração e arte) impedem, são maiores do que tenho sido capaz de suportar, e acreditem, se não acabo com tudo é por puro amor ao próximo. Só por isto.   

Mas vamos ao que interessa, quem me conhece bem sabe o quanto eu odeio exibir fotos minhas, não as tenho em redes sociais, as que circulam pela internet são as que os editores exigiram para figurar nos livros, as vezes sou obrigado aparecer em alguma live, mas é para falar sobre trabalho, se isso puder ajudar na divulgação.

Eu nunca quis aparecer na televisão e já dei as caras lá algumas vezes, geralmente sendo entrevistado em redes locais para falar sobre algum projeto, agora com canais no YouTube não dá pra fugir se estou presente em algum evento. Há uns anos, poucos anos atrás, se não me engano, a HBO fez um documentário em vários capítulos sobre quadrinistas brasileiros, deram depoimentos os mesmos de sempre, os que sempre estiveram aí, com mais cara de pau e muita vaidade, vaidade pouco equivalente ao seu talento (quando falo talento, não é só no traço, mas naquilo que faz um artista completo ser o que é). Um amigo meu perguntou se eu estaria no tal programa, eu falei: nunca! Os produtores só conhecem esses caras de sempre, esses mesmos caras que estão aí há mais de 30 anos e nunca conseguiram, ou tiveram intenção, de criar um mercado. Eles nunca ouviram falar de mim e ainda bem, eu não tenho nada relevante, nada para acrescentar e principalmente, odeio aparecer em televisão.   

Mas a primeira vez que eu apareci, eu quis sim, estar lá. Explico: no fim dos anos 70 eu fui morar no Rio à revelia dos meus pais (já narrei aqui no blog como foi essa triste história) e lá eu vivi uma vida de merda, com tiranetes colocando mais peso na cruz que naturalmente eu tinha que carregar - isso se repete na minha vida em Pernambuco - mas voltemos ao papo sobre tv. Os dias amarulentos na cidade maravilhosa foram mais suportáveis com a presença dos livros clássicos, dos gibis de faroeste (Tex e Ken Parker) e músicas nas raras vezes que pude assistir aos programas de clipes que passavam na tv dos despotazinhos. Notem: uma era muito antes da MTV. Um desses programas, se me recordo bem, da Tupi, era feito na praia, um apresentador abordava um passante e perguntava se ele queria ouvir uma música no programa e o cara pedia tal música e a tal música rodava. Havia muita coisa que eu curtia e, claro, muita bosta também, mas em geral davam as caras as bandas que eu gostava: nem tanto Beatles, mas ex Beatles, como Lennon, Harrison, MacCartney (Ringo era muito raro), muito Queen, ABBA, Blondie e etc. Pois bem, o apresentador falou certa vez que o próximo episódio seria na praia do Arpoador em frente a tal lugar, tal dia, entre tal e tal hora. Putz, a tentação foi grande, eu queria muito ver o vídeo de Hey Jude ou Strawberry Fields Forever, ou poderia ser I´m The Walrus (todos dos Beatles, caso alguém ainda não saiba) ainda não tinha me decidido, mas eu pretendia estar no local, só não podia deixar os opressorezinhos ficar sabendo, senão iriam dizer que aquilo ia me lavar para o inferno. 

No tal dia, acho que era um domingo (de muito sol, pra variar) eu disse que iria à praia com um certo fulano (esse fulano era um canalha que eu pensei que fosse um amigo, mas é outra história) e lá fomos de busão ao Arpoador. A praia não estava cheia, andamos um bocado até chegar ao local indicado e não vimos nada, pensei que o tal apresentador tinha nos feito de bobos até que de longe (bem longe mesmo) vimos um cara com uma câmera na mão, hei, pode ser os caras. Corremos até eles e reconheci o rapaz da TV (acho que o nome dele era Aires), eu, nervoso e trêmulo como um chihuahua perguntei se não eram da televisão e tal. Ele disse sim e conversamos um pouco. Afirmou que já iam embora pois o dia não estava bom para gravar, poucas pessoas na praia e a maioria, quando via a câmera, caiam fora. Demos sorte então. Eu queria pedir uma música dos Beatles. Ih, irmão, não tem Beatles na lista hoje. Lista? Sim, sempre temos uma lista da músicas do dia que vocês podem escolher. Putz, é sério? Sim, veja a lista.  Vi a lista e imediatamente falei: ok, quero esta aqui, Start Me Up, dos Rolling Stones. Ih, broder, essa já pediram, veja outra aí. Na tal lista só tinha cantor que eu desconhecia ou não gostava, as boas já tinham sido escolhidas, sobrou Oh, Suzie do Secret Service. Ok, fico com o Secret Service. 

Acertado isso o cara me pediu para assinar um papel autorizando o uso da minha imagem no vídeo e fingir que eu passava por ali para ele me abordar e me cumprimentar e perguntar se eu queria ouvir uma música no programa, eu diria que é um enorme prazer e que queria ouvir Oh, Suzie do Secret Service. Ponto. O simpático Aires me agradeceu e disse que o programa iria ao ar dia tal.

Chegado o dia a tv estava sendo usada para assistir um programa qualquer de auditório, fui obrigado a dizer que na praia passavam uma produção de tv e me perguntaram se eu queria ver um clipe de uma banda. O programa estava para começar. Ouvi um sermão sobre vaidade e o perigo de tal coisa. Mas vimos o tal programa. Assisti sem prazer algum, eu queria curtir sozinho, não ao lado de pessoas que odiavam aquilo. Rolavam bandas boas e bandas merdas, sempre com comentários de reprovação. De repente aparece o Dudu com uma voz que não parecia a dele dizendo simplesmente: gostaria de ouvir Oh, Suzie com Secret Service. E a música rolou. Eu tinha sido entrevistado (de onde era, se curtia música, se conhecia o programa e tal) durante uns cinco minutos, e na edição eu mal abri a boca. Muito melhor assim. 

E foi isso. Ah, não pensem que eu desdenhei, eu gosto do Secret Service, mas queria ouvir Hey Jude.

Foi bom estar com vocês, agora volto para meu calvário.

Fiquem todos bem.

Outra personagem pouca amistosa de ZÉ GATÃO - SIROCO











 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

O GOSTO DO FEL

 Tenho vivido dias amargos. São uma série de coisas mas um fato em específico tem sido uma carga que minhas forças não são mais suficientes para segurar, isso atrapalha minha concentração para o trabalho, na verdade impede que eu o exerça. Não fosse o forte senso de responsabilidade que me esmaga, eu chutaria tudo para o alto e sairia sem rumo, sempre se pode recomeçar em algum lugar.

Nosso próprio país se vê numa situação que no momento não é possível mensurar. Por conta disso fiz uma breve colocação a título de desabafo na minha página do Facebook. Como seria natural nos tempos que vivemos, os comentários logo chegaram. Uns poucos, claro, concordaram e mandaram uma força, mas a maioria - "amigos" que nem sei quem são - usaram palavras odiosas, comentários irônicos, debochados. Pensei em deixar pra lá mas não consegui, removi a publicação e decidi dar um tempo dessa rede social (na verdade a única que uso), só volto lá para anunciar alguma possível publicação, afinal, ainda existem admiradores dos meus traços.

Não me resta nada a fazer, peço orações aos que creem, por favor. 

Minha saudosa avó dizia que não há bem que sempre dure e mal que nunca se acabe, mas há algo desiquilibrado na minha balança, os dias de bonança tem sido muito, muito breves, e os dias biliosos longos, longuíssimos.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

OS PRIMEIROS MESES DE 1975

 

 Eu me lembro.

Lembro da dolorosa viagem a um lugar desconhecido, o preâmbulo de uma nova vida. Lembro das nuvens que pareciam imensos chumaços de algodão contrastando com o azul anil de um céu tão claro que por vezes parecia ao alcance das mãos. Recordo da Catedral e do prédio que parecia um H tendo uma bacia de um lado e a metade de um ovo no outro. 

Lembro do pequeno quarto de hotel e da piscina oval. Lembro da copa onde se faziam as refeições e da TV a cores. Lembro do Almirante Nelson, do Capitão Crane e que pela primeira vez eu via o macacão vermelho do Kowalski. Lembro de Kwai Chang Cane em pés descalços em busca de seu irmão desconhecido em um oeste racista e violento.

Lembro do primeiro dia de aula, da bagunça, de meninos ameaçadores que não respeitavam as regras da escola, da sirene de entrada, recordo do bullying, não esqueço da saudade dorida da mãe, da avó e dos irmãos menores. Recordo das lágrimas.

Memoro Faisal, Mequinho e Raul Seixas.

Lembro do Ribamar, o motorista que o ministério designou para meu pai, o motorista que só falava putaria, não posso esquecer que ele via meu pai como um herói, e eu também, o herói que poderia - e deveria - ser o meu melhor amigo.

Lembro de dias luminosos após a aula a espera do motorista na entrada da quadra 104. Como esquecer o dia em que Peter Parker invadiu o Edifício Baxter tentando fazer parte do Quarteto Fantástico? Como não lembrar da comoção que senti quando o cientista que ajudava Tony Stark se sacrificou para que ele tivesse tempo de energizar sua armadura? Lembro de Steve Rogers enfrentando o Capitão América dos anos 50 enquanto Sam Wilson e Sharon Carter detinham um Bucky violento e implacável. Lembro de um Thor arrogante e do confronto entre Namor e o Tubarão Tigre. Rememoro o violento soco que o Rino deu na cara do Hulk e do Shang Chi invadindo os domínios de Fu Manchu, seu pai, para confrontá-lo.

Lembro de One Day In Your Life do Michael Jackson e dos Pholhas. Do garçom que tinha 21 dedos. Como me esquecer dá repulsa que senti ao ver a primeira revista pornográfica?

Recordo da boa comida, do Beto, da Cyntia e de Carry Ann. Lembro das noites sozinho na piscina e da má impressão que me causavam aquelas luzes submersas.  

Lembro sobretudo do dia 21 de Abril, aniversário de 16 anos da cidade, na rodoviária, onde minha mãe, avó, Gil e André (nosso caçula só nasceria em dezembro do ano seguinte) chegavam depois de longo tempo separados. Lembro do sorriso do Gil ao me ver pela janela do ônibus e de como ele ficou sem graça quando acenei para ele. Hoje ele não está mais aqui. Espero pelo aceno dele quando eu for ao seu encontro. Eu tenho essa esperança.









      

domingo, 9 de outubro de 2022

COMENTÁRIOS TARDIOS SOBRE "A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE" MAS SEMPRE BEM VINDOS.

 


 Boa noite, queridos e queridas.

Postagem breve, queria trocar umas ideias com vocês mas tenho páginas esperando para serem desenhadas e outras tantas à serem finalizadas. Enquanto descanso minha mão - e a cabeça, claro - aproveito para atualizar este nosso espaço.

A vida segue sem tréguas naquela aceleração que me obriga a não dar aquele telefonema para meus irmãos, nem aos amigos que há muito não vejo, fico teimosamente esperando o momento certo, aquele hiato de tempo mais adequado e ele nunca chega. Eu sei que o momento nós é que fazemos, mas se não sou eu, são eles que tem suas ocupações. Isso é irônico pois nos dias atuais basta discar um número num aparelho eletrônico e vemos, falamos e ouvimos a saudosa pessoa e no entanto parecemos mais e mais distantes. 

Minha depressão não dá sinais de que vá embora e o esporão no meu calcâneo continua me torturando ao lado dos boletos que não param de chegar, meu salário é impotente para debelá-los, mas não me acomodo, luto como é possível.

Os trabalhos seguem febricitantes, traços que acanhadamente vão se se formando no branco do papel, errando muito e tentando teimosamente encontrar o ponto certo. Fazer quadrinhos para mim é um desafio, muitas vezes uma batalha onde me vejo perdendo quase sempre. Os que me incentivam diriam que exijo muito de mim, eu digo que há muito o que melhorar e não sei como fazê-lo, me sinto como aquele burro conduzindo um cara que amarra uma cenoura numa vara e coloca um palmo diante da minha boca e eu cavalgo tentando alcançar. 

Essas reminiscências me reportam há uns anos atrás quando eu trabalhava no ambicioso projeto A VIDA E OS AMORES DE EDGAR ALLAN POE, com roteiro do Rubens Lucchetti, foi sofrido e parecia que eu nunca ia acabar. Até que um dia ficou pronto e depois de longo tempo ele veio a público em 2018. Foi quase que totalmente ignorado, eu tentei divulgar o máximo que pude mas o meu alcance é muito limitado. No entanto aos poucos ele vai ganhando uns novos leitores e alguns deles vão fazendo propaganda em suas redes sociais. 

Um desses bons comentários partiu do meu parceiro de crime Elton Borges (trabalho ao lado dele em Rastreadores de Algures), ele tem um canal no YouTube intitulado "Elbormes Magazine", onde ele sempre resenha alguma HQ nacional (a maioria novidade para mim). Vão lá, se inscrevam, comentem, curtam, tem coisa interessante ali.

No outro, o álbum é pautado por uma moça que é uma gracinha. 

Fico contente e tomara que com o tempo esse trabalho vá sendo mais conhecido. Assim como espero que o Zé Gatão um dia seja melhor compreendido.

Boa noite a todos e até a próxima, se Deus quiser.











   

sábado, 1 de outubro de 2022

O PROSCRASTINADOR


  Amadas e amados, é isso. Deu um bloqueio total, há uns três dias que não consigo avançar nas páginas dos projetos em que trabalho no momento. O novo capítulo de Os Mitos Gregos empacou na página 73 e não consigo resolve-la. Claro, já aconteceu antes, isso é comum, mas é desesperador quando estou com muitas dívidas e o dinheiro é algo urgente! Vai passar, só preciso respirar fundo, focar e fazer acontecer. Mas tenho que tomar cuidado, se forçar demais a coisa pode não funcionar. Me obriguei a trabalhar em uma página de "Os Rastreadores de Algures" e ela não ficou boa. Por causa de um único quadrinho que não ficou do meu agrado terei que retrabalhar tudo, ou talvez eu refaça apenas aquele quadro, embora eu deteste emendas. 

Estou com um conto aqui, esboçado, só tenho que sentar uma horinha do dia e escrever um pouco, mas não sinto vontade. As vezes penso que é o fim da linha pra mim. Ah, Deus, como eu queria ter uma aposentadoria pra não esquentar a cabeça a essa altura da vida! Me sinto liquidado.

Uma dor aguda no meu calcâneo está me maltratando furiosamente, é a terceira vez que sou acometido desta praga. Lembro que em anos passados eu escrevi sobre isto aqui (não lembro o ano) e houve até comentários a respeito. Na primeira vez que me ocorreu este mal eu até fiz uma HQ com o título de Esporão Calcâneo, que faz parte do álbum Phobos e Deimos. Das outras vezes a dor sumiu como apareceu: repentinamente. Espero que passe logo.

Bem, essas são as minhas notícias, não tão boas, mas estou melhor do que nas duas primeiras semanas de setembro desse ano. 

Como não tenho conseguido produzir nenhum material particular, posto duas artes que foram publicadas em manuais de desenho num período em que eu era outra pessoa. Os originais nunca voltaram para mim, então tive que fazer scans das próprias revistas.

Fiquem com DEUS!



terça-feira, 20 de setembro de 2022

AINDA NAVEGANDO NO MAR DA TRISTEZA



  Boa tarde a todos!

Passo aqui para dar notícias, dizer que ainda estou vivo, que tenho muitas coisas para falar (na verdade escrever) mas estou sempre em busca de um momento adequado e o instante nunca chega. Então temos que forçar, sentar e escrever, mesmo que seja um texto menos inspirado. As ideias estão sempre agitando-se em minha mente, mas meu corpo não encontra o espaço pacífico para dar vazão às palavras e os traços (sobre estes, falo mais adiante).

Nunca sei quando será a última vez que venho aqui, não que intencione abandonar este nosso espaço, mas me pego sempre com o pensamento de que a esta altura da vida tudo pode acontecer, principalmente a alguém que sofre tantas pressões como eu. Contudo minha vida está nas mãos de Deus, o que Ele decidir está ok. 

Minhas dificuldades financeiras não são novidade, nem minha depressão, nem minhas saudades, nem o quase total desinteresse por quase tudo. Pouco tenho visitado canais do YouTube que gosto de assistir, não abro mais as páginas de redes sociais de conhecidos e falo por telefone somente com dois amigos (estes sim, se revelaram verdadeiros amigos, que Deus abençoe a ambos). Evito falar de problemas para meus irmãos, eles tem suas próprias cruzes para carregar e eu, se não posso ajudar a levar, não quero agregar peso. 

Passamos, minha esposa e eu, por uns momentos bem ruins, nada novo, um pesadelo recorrente, mas agora nos vemos um tanto velhos e as feridas da batalha vão ficando mais difíceis de sarar.

Continuo trabalhando naqueles três projetos de quadrinhos mas sinto que os traços saem à fórceps, não ruins, pra falar a verdade, mas demorados, arrastados como se teimassem em virar formas no papel; me vejo apagando uma mesma cena dezenas de vezes até que me soem satisfatórias. É uma pena, já que hoje o tempo se encurta e há conceitos que gostaria de dividir com o público, sim, existem abstrações que ainda queria que virassem histórias publicadas e impressas. Mas não sei se vai acontecer, não com esta vida tão feroz e meu estado de ânimo tão precário. 

Não há notícias de Zé Gatão-Siroco, silêncio por parte da editora e uns dois apoiadores já me passaram mensagem perguntando. Isso é tão desanimador que toda a vontade de criar novos álbuns fenecem como gotas de orvalho ao sol.

É isso, meus queridos e queridas, esta breve postagem foi para dizer que ainda estou respirando e criando gibis.

Sketch de uma HQ veiculada a um filme de terror para o cinema.
 
Obrigado e até uma próxima, se o Senhor permitir, quem sabe, com um texto mais motivado.

RASTREADORES DE ALGURES

MITOS GREGOS (cores de Rafael Anderson).
















 

  


domingo, 28 de agosto de 2022

O SONHO MORTO.


  Dizem que não devemos desistir de nossos sonhos. Concordo plenamente. Mas as vezes tem o caso de amadurecer e ver que aquilo outrora tão ansiado não tem mais relevância nos dias atuais.

Quando bem menino, eu sonhava em estar deitado numa cama bem grande e confortável, num local escuro, junto da minha mãe, minha avó e o irmãozinho recém nascido, todos protegidos das maldades do mundo. Não sei bem porque, talvez inconscientemente eu desejasse voltar à segurança do útero (esta é uma razão para eu ser tão radicalmente contra o aborto). Ok, esse negócio da segurança do útero demonstra como eu sou medíocre em psicologia, vamos ao sonho seguinte: queria encontrar uma mulher que me amasse muito, que estivesse ao meu lado em todos os momentos, que nunca colocasse algo ou alguém (excetuando Jesus) acima de mim - eu visualizava essa mulher com o rosto tipo da Nastassja Kinski - e que tivéssemos uns quatro filhos.

 Minha quimera seguinte foi a de ter uma grande casa, com sala e cozinha bem amplas, quartos espaçosos, e moraríamos todos, meus pais, irmãos com suas esposas e filhos, que fôssemos bem unidos e nos reuníssemos sempre para aquela abençoada tertúlia.

Minha ilusão mais recente, já depois dos cinquenta, foi o de ter grana para comprar uma quitinete numa comercial qualquer da Asa Norte, em Brasília (de preferência que ela ficasse de costas para a pista e de frente para a quadra - quem conhece a Capital Federal sabe do que falo) e nela montar o meu estúdio de trabalho, com meus livros, um frigobar e um sofá bem confortável para tirar uns cochilos entre os projetos. Neste delírio, cada um dos meus irmãos teria uma chave e poderiam ir até lá sem aviso prévio e sentar no sofá, pegar um livro, ou quadrinho e relaxar de suas agitadas vidas. Nunca vai acontecer, infelizmente, um deles não está mais aqui para que o encantamento fosse completo.

Meu devaneio como artista, se posso me olhar como tal, era o de pintar quadros a óleo, expor em galerias e fazer esculturas em argila (na faculdade cheguei a criar coisas bem interessantes, meio ao estilo Rodin). Aventura e fantasia eram meus temas, influenciado pelas capas das revistas do Tarzan que eu via nas bancas de jornais. Depois conheci o Frazetta, Boris e os Hildebrandt Brothers na Heavy Metal, foi uma droga injetada na minha veia que me viciou por toda a vida. Claro, depois conheci outros muito talentosos. Essa coisa de fantasia na arte não é nova, mestres como Rembrandt, Rubens e tantos, realizaram obras incríveis com temas mitológicos.

Eu nunca estudei pintura formalmente, tinha medo dos pinceis e tintas, mas por força da necessidade, para não morrer de fome, me aventurei pintar uns murais nas casas de uns bacanas no Rio de Janeiro e também uns batistérios de igrejas, ganhei elogios e alguns trocados. Também pintei paisagens e cavalos com guache em papeis camurçados para vender nas feiras hippies da Cidade Maravilhosa, mas já escrevi sobre isso.

No entanto o que eu desejava mesmo era pintar como meus ídolos. Um belo dia, na primeira metade da década de 80, deixei o medo de lado e comprei uns pincéis, tintas e cometi "artes" em umas placas de madeira que haviam em casa. No começo eu reproduzi, como pude, algumas obras das capas das Heavy Metal, sempre com meu toque pessoal, claro, depois arrisquei as minhas criações. Eu era bem medíocre, pra ser sincero, mas com o tempo eu acho que fui melhorando. Como tudo na vida, a prática ajuda a apurar. Já mais para o final dos 80 eu comprava grandes telas e ia dando corpo aos meus devaneios, consegui fotografar algumas, como pode ser visto aqui (embora a resolução esteja péssima) e quando eu estivesse num nível aceitável eu tentaria alguma carreira como pintor, tipo Juarez Machado ou José Roosevelt; claro, nunca cheguei aos pés desses artistas. Talvez, quem sabe, se eu tivesse continuado?

O que me brecou na pintura a óleo foram dois motivos: 1- meu retorno a São Paulo, eu não tinha dinheiro para materiais e muito menos espaço dentro do apartamento. 2- descobrir que não havia mercado para este tipo de trabalho no Brasil. O grande Benício talvez tenha sido a exceção, pintando capas de livros, cartazes de filmes para o cinema e até rótulos de produtos medicinais. Não havia demanda como nos EUA onde desde o início do século vinte brotaram muitos talentosos artistas dando vida com traços e tintas aos textos de Conan Doyle, Bran Stoker, Robert Louis Stevenson, Robert E. Howard, Edgar Rice Burroughs e etc. Aqui, o máximo que chegamos perto, pelo que sei, foi a revista Dragão, especializada em RPGs e logo percebi que era um nicho restrito a um grupo seleto. Ainda assim, graças a indicação de uns amigos legais, como o Arthur Garcia, consegui fazer umas capas para revistas de games (também já escrevi sobre isto aqui), foi o mais próximo que consegui de realizar o sonho de viver como ilustrador com este tipo de temática.

Os primeiros quadros que pintei (como os que ilustram este post) sumiram, nem sei onde foram parar. Doei alguns para um grande amigo que reside em Brasília e os demais, desconheço. Numa das tantas mudanças de residência, meu irmão caçula me ligou dizendo que não havia espaço para muita coisa que eu havia deixado na casa da minha mãe, livros, vinis e as telas a óleo com imagens de índios, ciclopes e cavalos alados. Claro, ninguém colocaria quadros deste tipo na sala da sua casa, talvez algum roqueiro muito doido. Nem sei o que me irmão fez daquelas telas, se doou para alguém ou jogou fora. C´est la vie. 

Rembrandt ficou bem de vida aceitando encomendas, pintando retratos coletivos,  quando abdicou disso para explorar seus anseios acabou ficando na miséria.   

Por essas razões eu sepultei esse sonho, pintar meus quadros quando não tivesse mais que matar um leão por dia para sustentar a casa. Tenho calafrios de pensar que essa luta toda está longe de acabar e..... talvez só acabe com a morte.

Há um pesadelo recorrente na minha vida envolvendo uma pessoa próxima, eu e minha esposa sofremos muito com isso, essa aflição recomeçou hoje. Deus nos ajude.

Queria muito poder estar com meus dois irmãos que sobraram, mas cada um deles tem que lidar com suas próprias tormentas.

Ainda tenho os quadrinhos para fazer minha catarse, ainda posso escrever meus desabafos aqui, ainda existem uns poucos bons amigos com quem posso contar. A vida ainda vale a pena.

Fiquem com  Deus.  



quinta-feira, 18 de agosto de 2022

POE, UNBOXING E OVERVIEW.

  Amados e amadas, boa noite. 

Sim, eu sei, já faz mais de duas semanas que eu não apareço aqui para dividir umas ideias com vocês. Creiam, vontade não faltou, mas o tempo sim. Tudo anda muito corrido, boletos demais e dinheiro de menos (pra variar, mas dessa vez o caso é crônico, todavia já estive pior.) São muitas horas na prancheta, exaurindo a mente, cansando a ponta dos dedos, a mão, os músculos do antebraço, até chegar no ombro, onde ele parece estar inflamado. Sei que preciso fazer pausas mais frequentes, alongamentos e tals, mas acabo me empolgando com as cenas que vão criando vida no branco do papel que quando me dou conta, meus olhos estão irritados e minhas costas em brasa. Exagero? Tentem fazer isso de domingo a domingo todas as horas do dia, intervalando só para comer e ir ao banheiro. Ah, sim, sempre que posso eu dou uma cochilada de uns 40 minutos a uma hora depois do almoço, do contrário eu não conseguiria lavorar até duas, três da madrugada. E, claro, sou eu que vou à rua comprar pequenas coisas para casa e pagar alguma conta na lotérica. Fora isso é a rotina de sempre. 

E, sim, são os mesmos quadrinhos que seguem sendo trabalhados: RASTREADORES DE ALGURES (onde faço com mais vagar), o de terror que está associado a um filme em produção (também moroso) e OS MITOS GREGOS (esse priorizado, pois é o que paga as contas atualmente).  

Mas tenho fé que tudo vai melhorar, Deus está sempre no comando da minha vida.

Passo aqui para deixar com vocês um vídeo maneiro feito por um camarada muito legal, que tem um canal bacanudo sobre HQs. Gosto dele porque ele não se apresenta como muitos youtubers cheios de empáfia, donos da verdade e militância política. Passem lá, curtam, deixem uma mensagem e tal e tal. Prestigiem, ele merece.

Um beijo a todos e até breve, se Deus quiser!




domingo, 31 de julho de 2022

SEM O BRILHO DE OUTRORA

 

 O que escrever aqui para manter a brasa, a pequenina brasa deste blog acesa, foi algo que me incomodou durante alguns dias, eu sentava diante do computador com muitas coisas girando em minha cabeça mas as palavras não vinham, inclusive tenciono cometer um novo conto mas o tempo reduzidíssimo não me permite concentração. Talvez o bom tempo tenha passado, artes, escrita, algum projeto de pseudo felicidade, tudo parece ter ficado para trás, nada há mais de relevante para falar. Seria bom dividir com vocês mais alguns fatos pitorescos do meu passado mas acho que o momento não é bom, seria forçar uma situação e as letras não fluiriam espontaneamente, então melhor esperar, quem sabe, um raio de sol inspirador furar as nuvens escuras da depressão para assim voltar a falar sobre algum acontecimento relevante que fez alguma diferença na minha forma de ver o mundo e como ela corporificou artisticamente. 

Falando em nuvens escuras, esse mês de Julho foi legal, choveu muito trazendo um frescor inédito neste estado do nordeste, diria até que fez frio, algumas manhãs fui saudado por um tempo nublado, quase escuro, sem chuvas, e minha alma encontrou identificação. Claro, para contrapor, o aguaceiro frequente desabrochou mosquitos em profusão, mas foi para isto que criaram os repelentes, né? No entanto o calor, este inimigo - meu, pelo menos - já ensaia seu retorno tirânico, como se dissesse: aguarde, Dudu, você não perde por esperar! 

Vivo com se tivesse uma arma apontada para minha cabeça, o dedo suado pode apertar o gatilho a qualquer momento, os mais próximos a mim sabem do que falo. Será que um dia me verei livre dessa situação?

Meus trabalhos continuam, RASTREADORES DE ALGURES, MITOS GREGOS e aquele que envolve um filme de cinema do qual ainda não posso falar a respeito. Os traços saem quase naturalmente e eu deveria me sentir satisfeito mas não sei como categorizar o que faço. Não consigo afirmar se é underground (na falta de uma palavra melhor), uma coisa é bem clara, está longe de ser aquilo que chamam de mainstream - tanto o que fazem nos EUA ou na Europa - e sei lá se isso é bom ou ruim. Eu enfatizo esses pensamentos porque me pergunto qual a razão d´eu ainda não ter conseguido ganhar grana com isso, falo grana de verdade, não ficar milionário, mas para parar de pedir dinheiro emprestado aos outros. Essa semana tive que vender meu único exemplar de A Vida e os Amores de Edgar Allan Poe para poder completar o que faltava para pagar um boleto!

Não consigo mais fazer um desenho pessoal, há ideias mas eu mal consigo ler um capítulo de algum livro ou páginas de quadrinhos. Estou com vontade de fazer umas pinups de heroínas bem acima do peso, Mulher Maravilha, Capitã Marvel, Jean Grey, etc, no estilo Botero, só pra me divertir, mas me falta o tempo e cabeça fleumática suficiente.   

Eu me sinto cansado, pesado. A saudade da minha mãe e do Gil roubou aquela velha chama criadora que me fazia experimentar traços e cores, mergulhar fundo sem me importar a quem agradaria. Olho em volta de mim, respiro, miro em frente e continuo na jornada, sustentado apenas pelas poderosas mãos de Jesus, Senhor e Salvador.

Sobre os desenhos de hoje, foram criados pelo Celso Moraes, um amigo muito gentil que tem um canal no You Tube chamado Cultmix, onde ele posta uns vídeos muito legais, são curtos e bem divertidos, falando sobre quadrinhos, cinema, com curiosidades bem interessantes. Faço merchand para ele porque ele merece, se inscrevam e curtam (https://www.youtube.com/user/MrCelsomoraes). Nessas artes ele coloca o Zé Gatão contra o Blacksad em dois ambientes diferentes. 

O meu felino é uma espécie de primo pobre dos gatos antropomorfos que se destacaram nessa mídia (Leão Negro, Félix, Krazy Kat, Fritz, Omaha, Garfield e, claro, o próprio Blacksad) e eu fico contente que um cara como o Celso, que conhece bem o universo das HQs, se lembre do Zé Gatão. Obrigado mais uma vez, meu caro! Claro que você foi diplomático e colocou os dois em pé de igualdade, embora saibamos que o mestiço de lince daria uma surra titânica no gato preto espanhol.

Beijos a todos e eu espero estar mais inspirado numa próxima postagem.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE PHOBOS E DEIMOS

 

 Esta semana um querido amigo, médico, residente na minha saudosa Brasília me enviou um link de um canal do YouTube onde um rapaz dissecava uma HQ do Senhor Milagre, criação do eterno Jack Kirby. Segundo este meu bom amigo, a tal HQ lembrava a minha história de vida em muitos aspectos. Já tinha ouvido falar do tal quadrinho (acho que é de 2017) mas nunca li - pra ser sincero, conheço pouca coisa dos Novos Deuses, tenho curiosidade - e segundo o youtuber, a obra seria relativa à depressão; o Scott Free não aceitando a morte do irmão, entrava num vórtice de tristeza aguda que o induzia ao suicídio. Realmente tudo a ver comigo, de fato.

O que me leva a pensar um pouco sobre PHOBOS E DEIMOS, uma das minhas obras mais amargas; como quase ninguém leu e sequer sabe que existe, vamos recordar um pouco sua gênese: era o início do novo milênio e eu estava profundamente deprimido, enfrentando problemas, recém chegado ao nordeste do país, longe da minha mãe e irmãos, torturado por uma tendinite na mão direita, sem trabalho, sem dinheiro (fui sustentado pelos meus pais até que começasse a produzir novamente) e acima de tudo uma forte desilusão no que concerne a viver de quadrinhos no Brasil. Pouco antes de migrar para Pernambuco eu passei uns dias na casa do meu irmão médico em São Paulo e fui recomendado pelo Jotapê Martins (editor da Via Lettera, por onde saiu o ZÉ GATÃO - CRÔNICA DO TEMPO PERDIDO) ao Art & Comics onde fui muito bem recebido e minhas obras autorais muito elogiadas pelo Joe Prado (era ele o responsável em avaliar e enviar material brasileiro para o mercado ianque). Ele me deu um roteiro sobre um bárbaro e disse que se eu quisesse poderia criar algo curto com algum super.   Chegando no Jaboatão me sentei na prancheta e me concentrei em duas tarefas, concluir a saga MEMENTO MORI e dar vida às páginas para o Art & Comics. Desenhei o roteiro do bárbaro e criei cinco páginas de uma do Hulk (sempre gostei do verdão). Não imitei nenhum artista, fiz do meu jeito, esse traço que lembra um pouco os quadrinhos undergrounds americanos de terror e sci-fi do final dos anos sessenta. Tudo feito, embalei e enviei. Depois de um longo tempo sem resposta eu fui até o orelhão da esquina ligar para o Joe. Parecia outra pessoa, distante, indiferente e disse que meu traço era expressionista demais para os americanos, caricato, até. Ah, e que eu não desenhava mãos direito. Mas que eu poderia treinar e tentar novamente, se eu quisesse. 

Me senti um merda. No mesmo instante liguei para meu irmão, o melhor amigo, aquele que partiu para sempre, e desaguei minhas mágoas. Ele ouviu em silêncio e disse para eu não desistir. No entanto eu sempre soube que eu não conseguiria me adequar a certos padrões. Era meu sonho viver de quadrinhos, mas não desenhar o Batman ou Wolverine no  esquema das grandes editoras, então eu me via em apuros. Claro, não fiquei parado e comecei a procurar trabalhos, me aproximar dos artistas locais e até tentei dar aulas e oficinas mas o resultado sempre era o mesmo: portas fechadas. 

Assim, a minha tendência à melancolia começou a crescer e eu tentei escapar da única maneira que me era possível, criando histórias, e malgrado a dor na mão, dei corpo a uns roteiros (na verdade esboços de escritos em um velho caderno) e desta forma nascia Phobos e Deimos. Nele, o final trágico dos protagonistas nas sete narrativas era a minha forma de morrer sem dar cabo da minha vida. 

Não posso deixar de dizer que Verônica foi (e é) um grande apoio, não houve pressão ou cobrança, ela pacientemente esperou até que eu me reerguesse e novamente começasse a fazer dinheiro com meus traços. 

Phobos e Deimos não viu a luz do sol até o final de 2020, quando a Editora Atomic imprimiu 50 unidades. 

Semana passada o Marcos Freitas, editor do livro, anunciou no Facebook a promoção dos dois últimos itens da obra com 50% de desconto - acho que ele fez isso para queimar estoque - e é bem provável que não tenha conseguido vender. 

Não sei dizer se as mais ou menos quarenta pessoas que leram se deram conta do que havia ali,  personagens comuns, humilhadas, envergonhadas, tragadas pela voragem de situações onde se viram envolvidas contra a vontade e das consequências de escolhas erradas onde pagaram um preço muito maior do que deviam. 

Para mim, hoje, esse álbum que escrevi e desenhei há 15 anos atrás é mais atual que nunca; estou mais velho, a situação financeira nunca se estabilizou e outros problemas cresceram. A diferença fatídica é que agora não posso mais ir até a esquina e discar para o Gil de um orelhão qualquer, ele não está mais aqui. Eu continuo tentando segurar o leme deste barco num mar cada dia mais raivoso. 



domingo, 3 de julho de 2022

AS MAIORES HQS DE TODOS OS TEMPOS: LOBO SOLITÁRIO.

 

 Foi Francis, minha querida e saudosa mãe quem me iniciou na leitura, na música, nos filmes, nas artes enfim. Ela lia para mim quando eu mal andava, cantava com sua voz de rouxinol para eu dormir e foi quem me levou ao cinema pela primeira vez. Lembro dos dois primeiros filmes que vi na vida: O LADRÃO DE BAGDÁ e SE MEU FUSCA FALASSE e documentários (sim, nos cinemas) sobre animais da África e ela sempre ali ao meu lado.

Também não posso deixar de citar meu querido irmão Agildo (Gil, como muitos chamavam) em postagens como a de hoje pois a coleção de mangá sobre a qual falarei foi financiada por ele, assim como muitos outros quadrinhos que ele me presenteou nos períodos de ruína financeira (fato notório em 80% da minha existência).

Hoje retorno com um quadro antigo deste blog, "As Maiores HQs de Todos os Tempos" para comentar sobre O LOBO SOLITÁRIO, de Kazuo Koike (roteiro) e Goseki Kojima (arte), uma saga de muito sucesso no Japão que até rendeu alguns filmes (que nunca assisti). 

Como sempre o objetivo aqui não é esmiuçar a obra, analisar texto e arte e tal, mas expor a forma que tal projeto me encantou e que repercussão teve em minha vida.

Meu primeiro contato com este quadrinho foi em 1988 quando saiu pela Cedibra, no formato americano e em leitura ocidental (exatamente como foi publicado nos EUA pela Dark Horse - salvo engano). Eu não conhecia muito do quadrinho japonês, apreciava mas não era um entusiasta faminto (na verdade até hoje não sou), mas a história de um Samurai (um ronin, melhor dizendo) aceitando o trabalho de assassinar pessoas em troca de uma vultosa quantia em dinheiro para poder perpetrar uma vingança contra o clã que desonrou seu nome e o de sua família, carregando seu filho de três anos num carrinho de bebê, era diferente de tudo o que eu já tinha lido. Nudez, violência em quantidades absurdas...não, não dava para ficar indiferente!

Foram lançados seis números, se a memória não me trai, depois a Cedibra parou de publicar quadrinhos e adeus ao Lobo. Até que a Nova Sampa retomou a publicação em um formato menor. Cheguei até a fazer uma capa para uma das edições mas nunca foi publicada, também não durou muito. 

A coleção toda foi finalmente lançada pela Panini na primeira década do novo milênio mas eu fiquei de fora, nem lembro exatamente porque, talvez por estar morando e tentando me adaptar em outro estado e sempre sem grana.

Até que finalmente a mesma editora anunciou a republicação depois de mais de 10 anos longe das bancas (acho que em 2016) e meu irmão disse: "compre, eu pago!" E assim foi. Ele comprou para mim até o número 24, depois ele partiu levando o colorido da minha vida e eu adquiri os 4 últimos. 

Comecei a ler lentamente e achei mesmo que só concluiria, sei lá, no ano que vem, afinal meu tempo é reduzido e cada mangá tem em média 300 páginas em 28 volumes, mas absorvendo um pouco ao logo do dia, em meus intervalos de trabalho eu fechei tudo há algumas semanas e finalmente pude tomar conhecimento de toda a saga de Ito Ogami e seu filho Daigoro. E não fiquei desapontado, é uma obra fantástica, cheia de poesia e arte cinemática!

Bem, faço uma correção, o final me decepcionou um pouco, não que eu achasse que não deveria ser daquela forma, mas faltou algo e eu não posso dizer o que é sem entregar o jogo para os que ainda não leram e eu recomendo demais que leia, se puderem.

Pois é, achei que 34 anos para apreender a saga do samurai com o carrinho de bebê merecia ser registrado aqui, na verdade teria outros comentários a fazer mas acho que são de menor relevância e não estou mais no espírito de enunciar minhas emoções, além do tempo que encolhe dia a dia.

Beijos a todos vocês, queridos e queridas!  


                 

sábado, 25 de junho de 2022

DANDO RÁPIDAS NOTÍCIAS


 Amadas e amados, boa noite!

Sei que estou um tempo sem dar notícias, mas não tenho novidades, na verdade tenho, mas elas não são muito boas. Estava procurando por uma postagem antiga aqui e aproveitei para ler aleatoriamente uns textos que escrevi em 2010, 2011, 2012 e por aí adiante, e muitos deles foram só queixumes. Vejam, existem pessoas com vocação para a felicidade, passam por umas boas merdas mas logo se recompõem e voltam a sorrir, gargalhar, viajar e talz. Eu queria ser assim, mas as pancadas do existir me atingem de forma a me deixar bem pra baixo e a única forma que eu tenho de não internalizar totalmente é escrevendo ou fazendo meus quadrinhos particulares (aliás, fazia, pois o bom e velho tempo encurtou de vez). De forma que agora fico até sem graça de vir aqui chorar, melhor guardar para mim o que me vai na alma.

Estive adoentado há uns 10 dias atrás, febre, dores no corpo, calafrios e forte cefaleia. Não sei se foi dengue, covid ou outra bosta semelhante. Estou melhor mas com o corpo ainda de ressaca. Não pude trabalhar e as páginas atrasaram e consequentemente meu pagamento, e os boletos quando chegam, dizem: "Foda-se, seu velho reclamão, quem mandou não estudar pra virar funcionário de estatal? Agora aguenta, esses juros vão te ferrar direitinho, hahahahahah!"

Pra piorar, um corpo de uns cem quilos caiu em cima de mim (sinto: não posso dar detalhes) e no choque eu magoei minhas costelas e meu joelho direito. Quando espirro ou tusso, sinto dores na altura da minha costela flutuante.

Todavia tento trabalhar como posso, nas horas em que os estresses do cotidiano são menos cruéis. Não sei quanto tempo vou aguentar, uma hora tudo acaba. Até lá...... 

Essas imagens são de um dos três projetos que desenvolvo (as cores são do Rafael Anderson, um talentoso artista aqui de Pernambuco).

Fiquem todos bem e até breve, se Deus permitir! 



domingo, 12 de junho de 2022

RÉQUIEM PARA UM SONHADOR (Um conto criado por Eduardo Schloesser num dia qualquer de 2007).

 Quantos anos faz que isto aconteceu mesmo?

Muitos anos, o suficiente para não saber a data com exatidão, mas foi na época daquela novela em que o ator principal morreu bem na metade da trama. Sua passagem causou comoção nacional e também um grave problema para os produtores do folhetim, afinal, como prosseguir com o enredo sem o protagonista? Substituíram-no por um outro interprete que em nada lembrava o original.

Meses depois surgiria o boato de que aquele artista, um dos maiores que este país já teve, não havia de fato morrido, mas fora enterrado vivo. Sofria, disseram, de catalepsia e o único a sabe-lo seria seu médico que na ocasião estava viajando para o exterior. Ao retornar o doutor mandara exumar o corpo e constatou-se que a tampa do caixão apresentava arranhaduras pela parte de dentro e o cadáver encontrava-se de bruços, morto finalmente, claro, por asfixia. 

Verdade? Lenda urbana? Pouco importava para o menino que estava apoiado no baixo muro caiado observando o movimento da rua, totalmente absorto em seu mundinho de fantasias.

Os olhos do infante como que hipnotizados, nem piscavam contemplando a cena que se desenrolava diante dele, na via, o movimento das bicicletas, muitas bicicletas, pedaladas por meninos mais abastados que ele, indo e vindo, de lá pra cá, daqui pra lá, num contínuo vai e vem, quase como um bailado bem ensaiado. Quantas haviam? Dez? Vinte? Trinta? Mais? Elas pareciam se multiplicar numa escala geométrica. Os guris felizardos, que tinham o privilégio de possuí-las pouco se importavam com aquele momento mágico. Conduziam o veículo de duas rodas velozmente num perímetro curto, faziam a curva e passavam uns pelos outros como se fossem etéreos, surreais.

A bicicleta, o símbolo de uma felicidade quimérica. A bicicleta do primeiro amor, como chamavam. A bicicleta da novela. Aquela novela onde o ator fora sepultado achando que estava morto. A bicicleta que o menino nunca ia poder ter. Nem a bicicleta, nem o primeiro amor.

O coitado não entendia se não ia ter o tão almejado objeto de desejo porque era pobre ou porque não se importavam com seus sonhos, pra ele dava no mesmo. Que idade tinha aquela criança? Pouca para saber como um filho era gerado e o bastante para se dar conta que era infeliz.

Vivia com seus pais, com a avó - mãe de sua mãe - e dois irmãozinhos menores no térreo de um sobradinho.

O petiz tinha seus idílios, crescer, estudar, casar (podia ser com a filha do senhorio, ela era bem bonita) e ter filhos. Mas ele não queria ser como seu pai. Ele não queria ser como nenhum pai, pois todos, a seus olhos, eram coléricos e brutais. Ele seria o tipo de pai que chega em casa e trás doces e figurinhas, compra revistas do Fantasma e do Recruta Zero para seus filhos. O pai que brinca com seus rebentos e na data do aniversário dá uma bicicleta de presente. A bicicleta da novela. A bicicleta do primeiro amor.  

Ali, apoiado no muro branco, o menino divagava fitando o trafegar onírico daqueles veículos na tarde que morria e esqueceu-se da hora. Uma a uma as bicicletas iam sumindo. Quantas agora? Quinze? Oito? Cinco? Nenhuma mais. O garoto passara a tarde na casa de sua tia, que era bem próxima da sua. Era bom? Ele não discernia. Gostava de brincar, um momento de não se sentir tão sozinho, mas os primos as vezes o hostilizavam, principalmente o mais velho; dizia que ele era feio, que era burro, que era baixinho. As primas também, poucos meses mais velhas que ele, o induziam a fazer coisas proibidas, queriam beijar na boca e levantavam as saias e pediam para ele colocar a mão por dentro das calcinhas. Era uma sensação muito boa, ele não entendia porque mas gostava de estar com elas no escuro, atrás das portas. Entretanto sabia por intuição que aquilo era condenável e seria severamente punido caso fosse descoberto pelos adultos. 

Foi tirado de seus devaneios pela voz da avó, a mãe  do seu pai, alertando-o que era tarde e que ele deveria ir para casa. Antes porém, pediu-lhe que fosse pegar uma toalha no banheiro pra sei lá o quê. Distraidamente se encaminhou ainda sob os eflúvios das bicicletas e primas sacanas. Abriu a porta e, surpresa, flagrou a tia tomando banho. Foi um lapso de segundo que pareceu durar uma eternidade. Envergonhado, tão rápido como foi o ato de abrir, ele fechou a porta com um pedido de desculpas.

Falou para a senhora que solicitara a toalha que a tia ocupava o banheiro e encaminhou-se à saída, não sem antes ouvir as imprecações da tia chamando-o de sem vergonha, confirmando o que no íntimo ele já suspeitava:  ela dava a sentença condenatória: "vou falar para o seu pai!!!"

Qual fora seu crime? Abrir por acidente a porta de um banheiro e divisar por um rápido instante um corpo miúdo que, salvo por um tufo triangular de pelos no meio das pernas em nada diferia do de suas primas. Não fora de propósito, claro, mas para o pai severo e carrasco era motivo mais que suficiente para impingir-lhe um castigo muito superior à sua idade e peso.

O corpo do menino chegou em casa, sua alma porém debatia-se no desespero, antevendo o inferno onde estava para ser mergulhada. 

Não teve coragem para narrar o ocorrido à mãe ou à avó, seria inútil; como das outras vezes, ninguém poderia interceder por ele. Novamente seu genitor viria para cima dele como aquele rolo compressor que esmagara um gato na rua que estava sendo asfaltada perto da igreja.

O infante não nutria simpatia pelo pai. Temia-o na mesma proporção que o desprezava. Aquele homem era incapaz de um gesto de amor ou gentileza, vivia mau humorado, falando alto, sempre discutindo com as pessoas, fosse numa padaria, supermercado,  estacionamento, ele sempre caçava motivo para brigar com alguém. Era valente, isso não se podia negar, mas a criança não via isso como qualidade.

Certa vez, toda a família fora assistir ao Holiday On Ice - algo raro - e ao término do espetáculo o pai pegou o primeiro táxi que viu parado. O motorista foi logo avisando que aquela hora ele só fazia lotação, ou seja, cobraria um valor alto por cada passageiro, incluindo crianças. Não fazendo caso, o pai deu o endereço e pediu que dirigisse. Com o veículo em movimento o taxista reiterou que cobraria o valor de lotação. Teve início uma discussão que atingiu um absurdo numero de decibéis. No banco de trás, o menino, seu irmãozinho menor, sua mãe (que pedia ao marido para parar o carro e pegarem outro), a avó com o bebê de colo e o primo calhorda. Imprecações, ameaças. O carro em velocidade e o motorista gritando e olhando para os ocupantes no banco traseiro, parecendo querer matar a todos. Em resumo, a polícia teve que intervir e no fim todos voltaram para casa de ônibus. Casos semelhantes eram comuns na vida daquela pobre família.

O menino não quis jantar, seria como a refeição de um condenado. Entretanto aquilo podia dar em nada. Era como roleta russa com bala de festim. Certa vez ele saiu para comprar açúcar e perdeu o dinheiro no caminho, ficou o dia inteiro esperando levar uma surra e o pai, ao chegar, nem fez caso. Outras vezes, por algo de menor importância fora espancado como o pior dos criminosos. Não tinha como antecipar o que ia acontecer e como sempre a expectativa era pior do que o castigo propriamente dito.

A mãe e a avó nada podiam fazer por ele, morriam de medo do chefe da casa.  Elas estavam vendo novela na tv, a novela da bicicleta e do ator que fora enterrado vivo. O irmãozinho brincava no chão, o bebê dormia. Ele sofrendo de expectação dentro do quarto, no escuro, sozinho como sempre fora.

Ele sabia que o progenitor sempre passava na residência do irmão antes de vir para casa pra jogar uma conversa fora, ele clamava aos céus para que não fosse assim dessa vez, ou que lá, eles esquecessem o fato, ou ainda, que seu pai intuísse que ele jamais invadiria o banheiro com alguém dentro por pura malícia.

Esperança vã. Ouviu a porta da sala se abrir e a voz do carrasco a indagar por ele, aquela voz que parecia brotar das trevas admoestando que ninguém interferisse, que o menino precisava ser corrigido.

A porta se abriu. A luza acendeu. Todos os temores do petiz se confirmaram. O pórtico atrás do homem se fechou encerrando lá fora todas as esperanças.

O pai era um indivíduo de baixa estatura mas de compleição taurina, com cabelos escuros penteados cuidadosamente com brilhantina. Tinha olhos verdes magnéticos que a tudo e a todos fuzilavam. 

O menino só viu o pai, tudo o mais pareceu deixar de existir, as paredes, o teto, a porta, os móveis, tudo sumiu, restando apenas ele e aquele sujeito imenso que se agigantava diante dele a medida que sorvia o ar de forma ruidosa e exalava ódio, fúria. "O que você fez hoje na casa da sua tia, moleque?" Não teve tempo de responder, uma bofetada estourou em algum ponto de sua cabeça. Ele não saberia dizer se caiu pois com incrível rapidez, mãos rudes o  agarraram pelo pescoço como se fossem tornos e o sacudiram com violência. "Você gosta de espiar os outros tomando banho? GOSTA? Responde moleque!!!" 

O braço cabeludo desceu raivoso. Ele não discernia dor, só o pânico que o mantinha travado, incapaz de falar, mover e até chorar. "RESPONDA MOLEQUE!!!!" A carantonha do verdugo com os olhos verdes faiscantes, os dentes mordendo a língua dobrada, ocupavam todo o seu campo de visão, preenchiam todo aquele aposento que parecia não existir. Quis responder mas a voz não saía, tinha sido manietada dentro dele. Um potente tapa no rosto o fez sentir dor, mas não a dor física como uma martelada no dedo ou topada numa pedra, não, havia nela o ingrediente da humilhação, algo venenoso que paralisava a vontade de viver. 

Neste momento alguém batia na porta. A voz da mãe anunciando que havia uma pessoa no portão querendo falar.

"Não acabamos ainda, Eu vou te ensinar a ter respeito com as pessoas da minha família. Não saia daqui!"

O tirano saiu advertindo à esposa e à sogra que ninguém deveria falar com o menino e quando ele ditava, ele era obedecido. Todos o temiam com tremor sobrenatural.

O infante ficou lá, sentindo tudo e sentindo nada, As dores, frutos da brutalidade, afligia sua carne tenra, mas as emoções que envolviam sua alma o tornavam alheio ao ambiente, que agora assumia de novo a aparência de um quarto. A humilhação sofrida suplantava a pungência, tornava-o menor que o mais repelente inseto.

Então, uma estranha sensação, uma espécie de vazio, não só a essência desguarnecida, mas algo concreto, físico, como se não houvesse ar suficiente no aposento, um formigamento na planta dos pés, um frio nauseante a abraçar-lhe o corpo.

O menino  inseto envolveu-se num pesado cobertor. Ia passar. Tudo na vida passava, dizia a mãe de sua mãe. Logo o pai voltaria para castiga-lo de novo, mas agora não havia medo. Ia passar rápido. Até que por algum outro motivo tudo recomeçasse, mas também passaria e assim eram os ciclos da vida. Este pensamento o confortou. Ficou ali no escuro, suando frio, caindo num buraco espiralado, sem fundo. Pensou então na bicicleta que jamais teria, nela, ele pedalava velozmente contra o vento, rumo à liberdade.

Lá fora o pai conseguia se livrar do chato que viera aborrece-lo com conversa fiada. Porra, fora mais um dia de merda na repartição. Todos aqueles papeis, os rostos vazios das pessoas, os sorrisos falsos, o som insuportável, perpétuo e onipresente das teclas das máquinas de datilografar. Em casa, toda a mediocridade de sua vida a cuspir-lhe no rosto e ainda por cima a idiota da sua cunhada vinha lhe encher o saco queixando-se do seu filho. Ah era demais! Aquele fedelho ia pagar caro, ah, se ia!  

Passou pela sala, as fisionomias reprovadoras da esposa e sogra mais o choro do bebê aumentaram sua cólera.

Abriu a porta, ligou a luz, viu o menino enrolado nas cobertas. "Levanta, seu cão! Vou te ensinar a se comportar nas casas dos outros!" Dizendo isso, o bruto desceu a manzorra nas costas do garoto. Não sentindo reação, bateu novamente redobrando a força. Furibundo com a passividade, puxou o cobertor. O guri encontrava-se em posição fetal, abraçado às pernas. Estava gelado. O homem sacudiu o corpo. NADA! Tomou--lhe o pulso: estava morto.


 







A SAUDADE É MAIS PRESENTE QUE NUNCA

   No momento que escrevo essas palavras são por volta das 21h do dia 21 de abril. Hoje fazem três anos que o Gil partiu, adensando as sombr...