A gente sempre pensa no dia de amanhã e deixa de viver o hoje, ninguém está livre dessa cadeia. Penso que isto se deva - no meu caso pelo menos - que um momento bom, sendo ele tão raro (de novo, no meu caso) queremos perpetuá-lo. O temor de que o amanhã, as horas seguintes sejam de desditas, nos faz agarrar com unhas e dentes os instantes de bem aventurança. Por que digo isto? Hoje tenho trabalho, graças ao bom DEUS, e se nada der errado, o projeto se estende até março ou abril de 2023. E depois? Bom, depois, não sei. Eu tento deixar para me ocupar quando o prazo estiver próximo, afinal o Mestre Jesus nos aconselhou a não nos amofinarmos com o porvir, isso de nada resolve. O fato é que eu gostaria muito de uma aposentadoria, um salário digno, seguro, para poder não ter a cabeça tão cheia de preocupações. Me dar ao luxo de depois de anos a fio trabalhando de manhã, tarde, noites e madrugadas em lugares apertados, em ambientes frios (São Paulo) e quentes (Jaboatão), poder relaxar um pouco e caminhar a esmo, ver o por do sol, ler meus livros, dormir sem o peso das pressões. Lembro das conduções lotadas com minha enorme pasta de desenhos indo à editoras para ver se conseguia um trabalho, pegando dois ônibus e um metrô, seja no sol ou na chuva e na maioria das vezes retornava de mãos vazias. Hoje, num certo aspecto isso mudou um pouco, sou procurado para gerar arte mas a um preço baixo, quando não querem desenhos de graça.
As centenas de ilustrações que fiz para os clássicos da literatura brasileira continuam chamando a atenção. Recentemente recebi mensagem de umas moças bem simpáticas, que trabalham na televisão, pedindo permissão para exibir algumas artes num especial da TV Cultura sobre a Semana de Arte Moderna. Respondi que por mim tudo bem, mas a Editora Construir podia não concordar, já que é ela que tem os direitos. A editora concordou e todos ficaram felizes. Só que ninguém quer pagar para ter um desenho inédito, exclusivo. Claro, vai ter meu nome nos créditos e isso equivale ao velho tapinha nas costas e o elogio: "cara, você é um gênio!" O ego infla, mas os estômago continua vazio. Na mesma semana uma outra moça, agora de uma editora, pediu para usar umas artes que fiz para o Dom Casmurro num livro de literatura. Aconteceu o mesmo, aprovei e a editora também. Propus à moça, fazer uma arte nova, ela falou que não tinham verba. É a velha história sempre repetida.
O salário que recebo atualmente vem da Editora Ciranda Cultural para a qual crio HQs sobre os Mitos Gregos e não cobre todas as minhas despesas, sempre fica um ou dois boletos em aberto que sempre pago depois com juros e isso acaba sendo uma bola de neve. Paralelo aos Mitos, tenho que continuar os outros dois quadrinhos em que trabalho com roteiristas distintos e pelos quais já fui pago. Estes, procuro fazer nos intervalos.
Isso me impede de procurar trampo extra pra ajudar nas despesas. Pedi a um bom amigo para colocar umas artes originais de super heróis no Ebay mas até agora ninguém deu bola.
Recebo muitos convites para participar de antologias de quadrinhos, sempre tem umas propostas legais, mas hoje não posso mais me dar ao luxo de trabalhar sem a certeza de um retorno financeiro. Foram muitos anos desenvolvendo um estilo de arte, algo que pudesse falar por mim. Desenhava como um possesso, para mim mesmo, como queria e achava que devia, sempre tentando encontrar o tom certo (nunca consegui, que fique bem claro), eu tentei comunicar a minha visão de mundo através dos quadrinhos mais que tudo e depois de uns sete livros na praça vejo que não fui muito longe, embora os mais otimistas digam que fui muito além. Bem, talvez, eu sou muito exigente com o que faço, acho que ainda há muito o que ser melhorado mas hoje não resta muito tempo para tanto.
Era o que eu tinha para dizer hoje.
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Alguns dos clássicos citados neste post. |