UM CADERNO DE ESBOÇOS
QUE DIZ MAIS DO QUE SEUS TRAÇOS, por Genecy Souza.
Se há um item na minha lista de frustrações (ou incompetências, ou inabilidades, ou incapacidades, sei lá eu) é o de não saber desenhar, principalmente seres vivos, com seus movimentos e expressões, seja lá em que contexto for. Certa vez vi em algum lugar os métodos de criação de Gerald Scarfe, que deram forma aos personagens que compõem a obra-prima do rock The Wall (1979), da banda Pink Floyd, adaptada genialmente em 1982 para o cinema, sob a batuta do diretor Alan Parker. Não posso negar que ao menos 50% do impacto do filme se deve aos seres, objetos e cenários bizarros, idealizados por um certo Roger Waters, mas materializados pelos pincéis e cores de Scarfe. Outro grande desenhista é Roger Dean, o grande autor das capas de álbuns de bandas como o Yes, Asia, Uriah Heep, entre outras.
O objetivo desta resenha não é fazer uma comparação entre os dois mestres gringos e o brasuca (no bom sentido) Eduardo Schloesser, visto que cada um é detentor de seus méritos enquanto artistas, e sim, me inserir em um contexto(?) artístico que envolvem pincel, tinta de caneta Bic, traços e... muita imaginação. Sim. Essa é a pegada: a imaginação. Como nunca fui a fundo no mundo dos desenhos gráficos, portanto, longe de me expressar com um entendido no tema, prefiro me valer do meu “método” de absorver as artes visuais no campo das HQs, cartoons, charges, e por aí vai.
Ao receber o livro Crazy Sketchbook de Eduardo Schloesser, ‘logo de capa’ saquei que o caderno de esboços é muito mais que do que ele se propõe. Em outras palavras: os rabiscos do artista, mesmo sem uma história ou descrição de cena, já produzem ideias ou esboços de aventuras nos mais diferentes tons de dramaticidade ou humor. Embora o personagem Zé Gatão seja, salvo mero equívoco de minha parte, a estrela mais fulgurante no universo criativo de Schloesser, as figuras aleatórias apresentadas no livro fixam minha atenção para um detalhe que sempre valorizei nesse tipo de arte: as expressões –- medo, susto, fúria, lascívia, escracho, vergonha, desejo, alegria... –- que se mostram de forma a evitar qualquer demonstração de indiferença de minha parte. Evidentemente que o autor não é o único a produzir esse tipo de efeito, no entanto, o que observo nesse livro resulta em um plus de atenção além da conta. Talvez essa minha impressão seja resultado dos muitos filmes da era do cinema mudo que vi ao longo da minha vida. Quem sabe?
Outro detalhe que vale a pena destacar é a ausência de reservas do artista no que se refere à sexualidade, mesmo em situações bizarras ou escatológicas que, mesmo assim, não constrangem o leitor desprendido de certos pudores. A bem da verdade, se visto de perto, o sexo real é bastante semelhante ao que os traços do artista revelam, inclusive na disformidade estética dos corpos masculinos, femininos e antropomórficos. Aqui a beleza ganha outros contornos, talvez mais realistas.
Por fim, essa juntada de esboços que poderiam dar origem a uma série de obras geniais, só tem um defeito: está no país errado. Se gringo fosse, Eduardo Schloesser certamente teria ótima conversas com Gerald Scarfe e Roger Dean. Mas, isso é apenas um voo de imaginação meu, que não pode ser desenhado.