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domingo, 12 de outubro de 2025

ZÉ GATÃO - A BUSCA - Parte 1 (Um conto escrito por Luca Fiuza)

 

ZÉ GATÃO: A BUSCA.

 

Um derivativo de SIROCO.

História baseada no personagem de Eduardo Schloesser.

Por Luca Fiuza.

 

 

PRÓLOGO:

 

 

       Em dezembro de 2022, a Editora ATOMIC publicou o último e definitivo álbum do felino tristonho, produzido por Schloesser, de nome SIROCO. Assevero: uma história brutal, violenta, apocalíptica e de forte cunho EXISTENCIALISTA!

       O chamado oficialmente FELINO EM PROSA, escrito por mim, com vários de meus contos ilustrados pelo Quadrinista Edu Schloesser, foi encerrado definitivamente, eu acreditava, em 2020 com a saga INFERNO VERDE! Mas como dizem: Never say never!

       Há poucos dias, me veio um desejo de produzir uma continuidade da saga SIROCO…! Cozinhei a ideia por vários dias e finalmente veio à luz, um enredo consistente, o qual achei deveras interessante e atrativo! Para relembrar a saga de 2022, tomei a liberdade de elaborar a capa da história com um dos rascunhos do Gatão feito pelo Edu, para os extras de SIROCO.

       O título do álbum de Schloesser foi extremamente apropriado, pois SIROCO significa um vento do deserto extremamente quente, o qual surge de forma repentina, calcinando tudo em seu caminho!

 

 Boa leitura.

 

 

 

A BUSCA – Capítulo 1:

 

        O Deserto infinito e insondável! Calor constante e abrasador! O sol inclemente a fustigar o lombo suado do felino casmurro! Há muitos dias, o Gatão vagava por aquela imensidão arenosa e silente, sem encontrar uma viva alma em seu caminhar sem rumo! “Por que não morria de uma vez?” - perguntava-se! - Seria melhor, do que ficar morrendo lentamente naquele inferno de horrores sem fim! Horrores causados pelo ambiente agreste acrescido pela solidão inexorável, onde a própria mente pregava peças, fosse desperto nos dias abrasivos, ou durante o sono, nas noites gélidas! A natureza do felino cinzento era solitária! Ainda assim, o excesso de solidão também não faz bem! E estranhamente, ele desejava encontrar alguém! Pensamento irônico, em um mundo destroçado pelo Apocalipse final! Ainda assim, quem quer o felino gris encontrasse naquela amplidão desolada, ou seriam hordas de animais hostis e desesperados, ou nas ruínas do que havia sido antes uma cidade, seres tão ferozes e desapiedados quanto os errantes, encontradiços no mesmo deserto, onde jaziam ainda, estes arremedos da antiga Civilização decaída! Em qualquer um dos casos, o Gatão teria que lutar tenazmente para não ser assassinado! Matar para não morrer! E era esta energia visceral, atávica e irracional que respondia ao seu racional questionamento anterior! Apesar de tudo e de si mesmo, a ordem era sobreviver! Buscar alimento quebrando as duras e espinhosas plantas desérticas, ou seja, um tipo de cactus extremamente resistente! Destes rudes vegetais podia também extrair água! Líquido mais do que precioso naquele ambiente bizarro!

        Desertos sempre existiram, mas após eles havia florestas, rios, lagos, lagoas e mares! Vilas, cidades, megalópoles, Vida, enfim! Do mundo civilizado, só ficaram escombros e animais sobreviventes da hecatombe destruidora, bastante espalhados por aí! Rios, lagos, lagoas e mares estavam mortos, tomados pela toxicidade provocada pela Grande Guerra, sem quartel entre os entes da superfície e os entes das águas! Estes últimos acabaram extintos e os de terra, reduzidos e bem próximos também da extinção! Este era o novo normal, onde o grande Nada tinha tomado conta do Tudo que antes existia!

        Com a chegada do anoitecer, o fortíssimo calor do longo dia começou a diminuir. O Gatão rapidamente armou a tenda. Acendeu uma fogueira diante da entrada e acomodou-se para comer a última porção da ração de sobrevivência! Tanto a barraca desmontável quanto as latas de ração, consumidas nos últimos dias pelo felino tristonho eram o presente que os felinos mercenários deram, antes dele se despedirem. O Grande Gato alternava estas rações com as plantas espinhosas, no sentido de poupar o conteúdo das latas que era mais alimentício do que os ásperos vegetais espalhados por aquele ermo. Porém, em breve, o casmurro felídeo teria que contar apenas com os recursos naturais para continuar a viver! O céu avermelhado e as primeiras estrelas a brilhar no firmamento, anunciaram a chegada da noite! Dali a duas horas, a temperatura cairia a zero grau! Por isto, Zé Gatão tratou de alimentar a fogueira com lenha sintética! Outro equipamento fornecido pelos felinos mercenários! Há muito não pensava detidamente neles. Mas naquele início de chona, lembrou-se da última conversa que tiveram, antes de se separarem. Sentiu de modo quase palpável, o abraço de Lena, a onça-pintada, seguido de seu beijo cálido! Intimamente, o Gatão desejou estar junto à felídea pintalgada e seus novos amigos. No entanto, os caminhos do felino gris não eram os mesmos daqueles intrépidos mercenários! Assim, cada qual seguiu em direções opostas! O Gatão resolveu entrar na tenda, fechando-a, de maneira firme e hermética. Não aceitara trazer consigo nenhuma arma de fogo! Não gostava e nem precisava tais artefatos, embora soubesse manejá-los com eficiência e precisão!

        O Gatão custou a dormir! O silêncio opressivo da noite só era quebrado pelo ulular ocasional do vento. O Grande Gato virou-se para o lado esquerdo e lentamente começou a relaxar. Imperceptivelmente, começou primeiro a cochilar! Em seguida, mergulhou em um dos mais profundos sonos que jamais tivera! Seu enorme corpo simplesmente se desligou da realidade! Então veio o sonho! O Gatão viu-se em uma mata tropical! Sentia o calor gostoso do sol em sua pele! O ar, perfumado pelo odor de plantas exóticas! Não muito longe, escutou o murmúrio agradável de um rio! Sentiu sede e caminhou em direção daquele som! Enquanto avançava, afastava de si uma folhagem estranha, luxuriante como nunca tinha visto antes. À sua volta, pendiam do alto, samambaias enormes e viçosas! Parecia já ter visto aquela curiosa paisagem em antigos compêndios, possivelmente, nos tempos de escola! Voluntariamente aspirou o ar e concluiu que era um dos mais puros que já respirara! Rico em oxigênio de um modo surpreendente e inimaginável! Poucos passos depois, chegou junto ao rio que procurava. Abaixou-se junto à margem e com as mãos em concha tomou da água fresca e cristalina! Estava nisto, quando um som de passos pesados se fez sentir atrás dele! O som era seguido de um odor pungente, estranho e muito desagradável! O Gatão virou-se de brusco! No lusco-fusco da mata, ele divisou uma silhueta dantesca! Uma figura disforme e gigantesca se aproximava! Tinha em torno de uns seis metros de altura! Uma bocarra cheia de dentes pontiagudos se abriu, dela escapando um silvo prolongado, lembrando o trinado de uma ave monstruosa, mas aquela criatura não parecia uma ave! Com o silvo, um fedor nauseante encheu os ares, deixando no gato, uma vontade de vomitar quase incontrolável!

        O Gatão teve a impressão de ver cintilantes olhos amarelos, a dardejar de fúria insana naquela face grotesca! A coisa fez carga sobre o felino! Ela se movia com a velocidade de um trem expresso, se precipitando sobre o Grande Gato! Pouco antes do choque mortal, Zé Gatão despertou daquele sono anormal com um urro de terror! De busto erguido, um suor frio a descer pela espinha, um tremor gelatinoso sacudindo o corpanzil musculoso…! A custo ele voltou a raciocinar! Tinha tido um pesadelo! Um horrível pesadelo! Não dormiu mais! Aos primeiros sinais da aurora, conseguiu dar um cochilo inquieto! Pouco antes do nascer do sol, já havia levantado acampamento! No estômago, a magra refeição de cactus e restos de ração da última lata! A escassez alimentar era o de menos! Sua metade lince, lhe dava condições de resistir às maiores privações! Devia ser herança genética de seu pai desconhecido: o Lince Vermelho! Aliás, raramente pensava nele! Tudo que sabia dele era pelas histórias que sua mãe, há muito falecida lhe contara! Em sua genitora muito amada, no entanto, ele pensava com maior frequência! Ainda bem que ela não viveu para enfrentar este mundo terrivelmente devastado de agora! Ela não resistiria! Não conseguiria sobreviver, mesmo sob a proteção dele, seu filho! Aquele espírito delicado e bondoso não suportaria tal realidade! Sua mãe decerto, morreria de tristeza!

        Com tenacidade inquebrantável, o Gatão jornadeou por horas a fio naquela imensidão desoladora! Paisagem tristonha, o solo crestado, abrasado por um sol tórrido, o andarilho solitário tentando espantar inutilmente, a imensa monotonia que aquele ambiente uniforme e profundamente silencioso infundia no espírito indômito do felino acinzentado! O Grande Gato caminhou até quase o fim da tarde, quando finalmente o cansaço físico o fez parar e novamente montar acampamento! A noite se aproximava! O Gatão acendeu uma fogueira e preparou uma refeição frugal. Até então comera os cactus in natura, mas naquele momento, resolveu expô-los ao fogo! Com satisfação, notou que sua consistência se tornava mais macia, os espinhos agudos se soltavam facilmente do vegetal e por fim, o sabor ficava muitíssimo melhor do que cru! Comeu com vontade, sentindo-se incrivelmente bem alimentado!

        Apesar de estar bastante cansado, não sentia sono ainda e isto foi sua salvação! Sua audição aguda, detectou um movimento sutil à sua direita. Voltou o olhar para a origem do som e divisou na meia luz do poente, um pequeno grupo de baixotes raposas do deserto, se aproximando cautelosamente. Os canídeos portavam porretes! Eram de constituição esguia, focinhos pontudos, olhos grandes e cintilantes! Pele de um vermelho sujo, túnicas brancas, bem folgadas no corpo! Na cabeça um lenço vermelho e branco conhecido como conhecido como Keffiyeh, uma proteção adequada contra o sol forte e o vento arenoso, muito recorrentes naquelas plagas! O Gatão permaneceu calmo, mas vigilante! Naquele deserto, qualquer um que aparecesse poderia ser na verdade, o mensageiro da morte, encarnado! Para certificar-se das intenções dos recém-chegados, o Gatão assim, lhes falou num tom de voz neutro: – Se vieram em paz, podem se aquecer junto ao fogo…se vieram com más intenções, caiam fora!

 

        Um dos canídeos que parecia ser o chefão, replicou:

 

Você não acha que está sendo meio abusado, ô felino? Especialmente para quem está sozinho, no meio de lugar nenhum? - Os cupinchas do líder, soltaram ganidos estridentes! Algo comparável a gostosas gargalhadas! Zé Gatão não achou graça! Seu semblante se fechou em uma carranca medonha! Respondeu entre dentes:

 

Já disse para vocês se arrancarem daqui! Se teimarem em bancar os espertos, eu vou arrebentar o cú de vocês a pontapés! Sumam! Última chance, idiotas! - Como resposta, os caninos sacaram suas jambiyas, um tipo de adaga de lâmina curva, de dois gumes. Então, o felino gris mexeu-se! Rápido como um raio, meteu um chute brutal nas fuças do líder! No mesmo movimento, deu um chutaço lateral no peito da segunda raposa! As outras duas, sem ação, devido à surpresa do ataque foram brindadas com murros explosivos em suas dentaduras, estilhaçando-as, enquanto cuspiam sangue de modo profuso de suas bocas nojentas! Sem parar, o Gatão fez o que prometera! Aplicou nas bundas das raposas chutes tão fortes que aqueles seres infelizes vomitaram o que tinham e o que não tinham em suas entranhas! A violência dos chutes era tão grande que aquelas criaturas lançavam aos ares, fortes alaridos tristemente lamentosos devido a uma dor espantosa! Inominável! E desta forma, o felino gris expulsou os intrusos! Varreu-os dali como se varre lixo! Deixou as raposas do deserto estendidas, inconscientes a alguns metros da fogueira acesa! O Gatão resolveu se retirar! Sem olhar para trás, afastou-se, não sem antes apagar a fogueira! Muitas horas depois, as raposas despertaram, gemendo! E se quiserem saber, antes da aurora estavam mortas! Hemorragia intestinal e impossibilidade de evacuar!

 

        Alta madrugada! Sentindo-se seguro, o Gatão fez um novo acampamento, acendeu outra fogueira e resolveu descansar um pouco, até o amanhecer. Desta vez, seu sono foi leve. Ainda assim, sua constituição vigorosa e afeita à frugalidade, no viver, se recuperou o bastante para o felino acordar bem-disposto e pronto para mais um dia de longa caminhada! Sua aparência não era das melhores! Suarento, cabelos longos, balouçando soltos, ao vento quente daquele descampado averso! Roupas em estilo militar, sujas, rasgadas em vários pontos e empoeiradas! Aquelas vestes lhe foram dadas por Lena e pertenceram a Nero, o pantera-negra, amado da intrépida onça, morto em combate! Os pés, dentro das pesadas botas estavam em brasa! Mas o Gatão ignorou este incômodo, somado a uma miríade de desconfortos físicos. Tal situação, por certo, enlouqueceria qualquer outra criatura, dita civilizada! Ele sufocara dentro de si, quase todos os preceitos de uma Civilização que deixara de existir, há muito! É claro que havia muita coisa da realidade anterior, ainda arraigada nele! Não se tornara totalmente uma fera selvagem e desapiedada! Mas não teria comiseração com quem quer que tentasse lhe fazer mal, ou matá-lo! Jamais mataria por matar! Jamais se alegraria em fazê-lo, em qualquer tempo! Porém, entre sua vida e a de outrem, naqueles tempos mais que bicudos, o Gatão não hesitaria em fazer o que fosse preciso para sobreviver! Não havia mais lugar para dúvidas, ou remorso! Imperava, a Lei do mais forte!

 

        Por cinco dias consecutivos, o felino cinzento caminhou sem direção definida! Depois das raposas, não encontrou mais nenhum ente, a não ser alguns pequenos lagartos cor de âmbar que o evitavam, afastando-se velozmente quando vistos, nas horas claras! Quando caía a noite, a solidão silente do deserto era mais opressiva do que nunca!

        Para não dizer que nada aconteceu, naqueles dias, certa noite, o Gatão foi visitado por um escorpião de porte médio, o qual entrou sorrateiramente na tenda do felino! Mais uma vez, o sono superficial e os instintos agudos do Grande Gato foram providenciais no sentido do Gatão ter podido ver o raiar do dia seguinte! Quando o aracnídeo enterrou seu ferrão mortal, onde deveria estar sua vítima, deu com “os burros n’água!” A coisa foi premiada com um soco poderoso em sua cabeça destituída de pescoço, sendo seu corpo compacto lançado lá fora! Tombando como bosta, no solo pedregoso, o escorpião escabujava, tentando erguer-se! Zé Gatão saiu da tenda, em tempo de ver o adversário aprumar-se! O Gatão acercou-se do escorpião, atento ao ataque de seu ferrão! O invertebrado não se fez de rogado! Atacou, dando ferroadas a torto e a direito, sem contudo alcançar o mamífero que evitava agilmente as investidas de seu implacável verdugo! Em um movimento repentino, Zé Gatão abaixou-se e recolheu do chão um pedregulho! Com ele atingiu violentamente a cabeça do oponente! O impacto devastador rachou a carapaça escura exatamente no ponto visado pelo felídeo! A esta pancada, outras se sucederam! O Gatão batia com toda a força de seu braço musculoso! Ao mesmo tempo, deu um pisão no ferrão, quebrando-o! O guincho de dor, expelido pelo órgão fonador do aracnídeo foi indescritivelmente macabro! O Gatão empurrou brutalmente o parente das aranhas, derrubando-o de costas na poeira! Seu braço se ergueu, segurando com firmeza o pedregulho!

O escorpião gritou algo em sua língua incompreensível! O braço do felino desceu e o pedregulho bateu uma, duas, muitas vezes mais contra aquela cabeça luzidia! A potência dos golpes, simplesmente a destruiu com se fosse feita de papel! O resto de vida que ainda existia no escorpião, se esvaiu rapidamente! Em seus estertores finais, antes da morte o tirar permanentemente de cena, o invertebrado tentou desesperadamente, em um ato reflexo, agarrar seu algoz com suas pinças enormes, mas, com o término da energia vital, só conseguiu abri-las e fechá-las de maneira inofensiva, e tentar apertar um dos braços do felino, com a força de uma larva inerme! O Gatão, só parou de bater quando daquele ser sob ele, só restou uma papa informe e em nada semelhante a um ente que um dia, já viveu!

        Horas mais tarde, enquanto aguardava insone o amanhecer, o Gatão de repente, entregou-se ao pranto! Chorou! Não por si mesmo, mas pelo que o mundo se tornara inexoravelmente! Sempre fora só! Podia contar os verdadeiros amigos e verdadeiras amigas nos dedos da mão! Onde estavam eles? Onde estavam elas? Naquele momento, mais do que nunca desejava ter alguém para acalentar e que o acalentasse! Mas não havia! Talvez nunca mais houvesse! Oh! Que realidade era esta, onde se ele encontrasse outro ser vivente em seu caminho precisaria brigar contra esta criatura e quase com certeza matá-la?! Com as costas da mão, o felino procurou enxugar o rosto banhado em lágrimas! Começou a pensar nos seres que matara, até ali! Será que deveria ter deixado abandonadas à própria sorte, as raposas do deserto? Mesmo o escorpião, representante de uma espécie abominável, merecia o fim que teve? Enquanto se martirizava e novamente chorava, seu lado racional lhe deu uma resposta que soou como um tapa, em sua alma fragilizada! Sim! Teve que aniquilar a todos! Ou do contrário, no caso das raposas, seria torturado, assassinado e seus poucos pertences roubados! A esta hora seu cadáver estaria jogado na poeira! Pronto para servir de pasto para as feras da terra e do ar! Quanto ao escorpião, este ofertaria um fim ao felino que seria com certeza, mais lento e sofrido! Seria o gato, Inapelavelmente liquidado pelo veneno letal do desalmado celerado de oito patas! E concomitantemente, suas carnes seriam consumidas pelo escorpião em um horrendo banquete noturno! Consciente desta verdade, o Gatão foi se acalmando! Silenciosamente, ele serenou de vez! Felizmente, em seu âmago tinha sobrado algum sentimento, alguma compaixão! Ainda não se tornara completamente, mais um monstro entre monstros! Não ainda! Em verdade, lutaria contra tudo e contra todos, mas os seus princípios de conduta que lhe eram tão caros, jamais seriam corrompidos pelas adversidades! Jamais!

        Pouco antes do amanhecer, o Gatão desmontou seu acampamento e se lançou à frente! Mesmo sem saber para quê, seu instinto o impelia sempre adiante! Estava alimentado pelo consumo prévio, dos cactos cozidos! Deixara alguns crus, para que deles pudesse extrair água!  

Deixara alguns crus, para que deles pudesse extrair água! 

Tomara “emprestado” de uma das raposas um Keffiyeh, para proteger a cabeça do calor de um sol inclemente! Ajeitara sua cabeleira acinzentada, o melhor possível, sob aquela ótima proteção para o cocuruto, embora uma parte de seus cabelos ficasse exposta, a se agitar no vento quente! Não tinha mais a intenção de voltar a prendê-los no seu costumeiro rabo de cavalo! Inconscientemente, de alguma forma, achava que não tinha mais sentido, o fazer! Não, naquele mundo de distopia extremada!
    No meio da tarde causticante, localizou adiante, umas ruínas, do que fora provavelmente, uma cidade de porte médio! Agora não havia mais referências! Não existiam estradas, ou ruas e muito menos placas! Daquela urbe, só sobraram algumas estruturas inteiras, mais parecidas com peças gigantescas de um quebra-cabeças quebrado! A audição apurada do felino casmurro, captou uma voz lamentosa, seguida de outras vozes em tom agressivo e irônico! Moveu-se então, com cautela, protegido por umas dunas que se elevavam à sua direita! Daquele esconderijo providencial, firmou sua vista aguda e seu olfato sensível, identificou os personagens, bem antes de Vê-los com maior clareza. Farejou os desagradáveis cheiros de abutre e do suor acre de chacais! O que viu, fez seu sangue ferver nas veias! Um grupo de cinco chacais torturava uma abutre fêmea, um filhote jazia estripado no chão a poucos passos da cena grotesca! Os chacais eram chefiados por uma fêmea taluda, de musculatura sem exagero, mas sólida! Os demais eram mais magros, em comparação a líder. Aquele bando de canídeos usava roupas meio esfarrapadas, de ar encardido e gasto! A abutre, e o filhote morto estavam despidos! A pobre criatura alada apresentava sinais de espancamento severo! Antes de agir, o Gatão observou bem os arredores e a quantidade de adversários! Notou que ninguém portava armas de fogo e sim, porretes pesados e facões! A Líder chacal segurava ameaçadoramente, um alfanje, de um tipo que se assemelhava a uma espada curva, de lâmina grande. O Gatão ouviu atentamente o diálogo, a seguir, com os músculos do corpo maciço, retesados, como molas, prontas a explodir em ação e contidas a custo!

    A voz da líder, era um ronco carregado de desdém, misturado a um ódio quase palpável!

– Ave maldita e fedorenta! Não sabe o prazer que vou ter em te eviscerar aqui e agora! Sua filha de uma puta! Carniceira, desgraçada! Você e seu imundo filhote caíram no meu truque! Ao verem do alto, os meus chacais caídos, já desceram rapidamente na intenção de devorá-los, sem piedade! Mesmo que ainda estivessem vivos, não é mesmo? Responda, carniçal dos diabos! Responda!



– T-tudo que queríamos…era sobreviver…! Como vocês…!
– Sua nojenta! Podre! Ouviram isto, pessoal? Esta porra ainda tenta justificar, o injustificável! Você e sua raça se aproveitam de animais fracos e moribundos que não podem se defender! Às vezes os infelizes ainda não estão mortos e vocês começam sua refeição macabra, bicando os olhos! Eu estudei sobre vocês na escola, há uma pá de tempo pra trás! E o pior! Eu já vi este horror! Puta merda! Não sou ignorante! Antes da Guerra, eu tinha uma vida decente! Mas chega de falar, sua praga infernal! Já mandei teu moleque pras profundas! Agora será você! E parem de rir, seus palhaços! Ou se verão com o meu alfanje! - As risotas dos chacais silenciaram e amedrontados, aguardaram! A fêmea de chacal ergueu furiosamente, sua arma letal, no intuito de desfechar um golpe destruidor contra sua vítima! Esta fechou os olhos, conformada e sem esperança de viver! Porém, um grito forte e áspero interrompeu o movimento de ataque da cruel algoz!
– Pare aí mesmo, saco de merda!
– Quem ousa?! O que? Um felino? Que gracinha! Pra cima dele, rapazes! O que estão esperando? Matem-no, idiotas!
– M-mas você viu, o tamanho dele, chefa…?

– O gato é grande pra caralho! Puta que me pariu!
– Acho que é demais para gente…!
– Acho que não dá…! É um lince! Estes bichos são foda!

– Malditos idiotas! Tão se borrando nas calças?! Andem! Acabem com ele! Ele nem arma, tem e vocês são quatro! O felino é só um! Vão pra cima dele, ou eu corto fora, o saco de vocês! Ataquem!


         Engolindo em seco, os quatro chacais se acercaram do Gatão que se aproximara de forma impetuosa e decidida! Um dos cães selvagens se adiantou, dando um golpe amplo e giratório com seu porrete! Se atingisse seu objetivo, Zé Gatão teria a cabeça arrebentada! Só que para azar do indivíduo, atingiu o vazio! Em um movimento rápido, o Gatão agarrou o braço armado do oponente e puxou-o com tanta força, que o sujeito deu um urro de dor, tendo a sensação que os tendões de seu membro direito iam ser seccionados, ali mesmo! Imediatamente, uma brutalíssima joelhada na cara, além de destroçar o focinho, a dentição, junto com um forte esguicho de sangue, calou para sempre aquele ser ignóbil, mergulhando-o nos abismos escuros da própria morte, devido à potência do impacto! Os demais, nem tiveram tempo de se surpreender! O Gatão desabou sobre eles como uma tempestade de sopapos pesados! Melhor seria para eles, se tal fenômeno

 fosse apenas de areia! Os punhos do felino eram como bate-estacas poderosos! Murros certeiros no meio das fuças! Nos olhos! Nas orelhas! Cutiladas fortíssimas na garganta! Chutes e pisões nos testículos! O último deles, teve o pescoço torcido como o de uma galinha! Só sobrou a fêmea com o alfanje! Ela se voltou para o Grande Gato! Em um ataque selvagem e alucinado, gritando alto, ela se jogou sobre ele, brandindo a arma com extrema perícia! O felino cinzento saltou de lado, enquanto se abaixava e pegava um dos porretes, deixados por seus adversários, agora defuntos! Empregando toda a força de seu braço, lançou-o, na direção da antagonista! O porrete acertou-a bem no meio da testa ampla, mandando sua alma abjeta para o mesmo local, para onde pretendia enviar a fêmea de abutre! Sua carcaça foi para trás como um joão-bobo e é claro, não voltou à posição inicial! Caiu para não mais erguer-se! Ficou aplastada como um monte de bosta, no solo pedregoso do deserto infindável! O Gatão ignorou aqueles cadáveres e foi logo prestar assistência à fêmea de abutre ferida! Ela o olhou com um brilho de agradecimento, o qual o Grande Gato jamais pensou em ver no rosto de uma ave daquelas!
– Aguente firme! Eu vou cuidar de você!
– Não…! É muito tarde! Quebraram minhas asas! Meu filhotinho está morto! O estriparam ainda vivo! Sem piedade…! Diante dos meus olhos! Nunca pensei…que seria grata a um mamífero…! Mas você ainda pode fazer mais uma coisa por mim! Acabar com meu sofrimento! Sei que pode! Com sua mão redentora, me dará a paz! Aí, eu poderei me reunir ao meu filhotinho! Coragem! - O Gatão nada mais disse! Compreendeu o que precisava fazer. Tirou o alfanje da mão crispada da finada fêmea de chacal!
    O Gatão ergueu a lâmina acima da cabeça e decapitou a abutre em um único golpe! Julgou ver um vislumbre de gratidão, naqueles olhos mortiços e um último sorriso a iluminar aquele rosto destruído pelos violentos, desta terra, sem Lei! Enterrou os chacais mortos, ali mesmo, onde com eles lutara. Quanto à fêmea da abutre e seu filhote, enterrou ambos no interior das ruínas e resolveu ficar no local para passar a noite.



ZÉ GATÃO - A BUSCA - Parte 1 (Um conto escrito por Luca Fiuza)

  ZÉ GATÃO: A BUSCA.   Um derivativo de SIROCO . História baseada no personagem de Eduardo Schloesser. Por Luca Fiuza.     PRÓLO...