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sexta-feira, 2 de agosto de 2024

A VÍTIMA E O CARRASCO

 Eu queria ser uma pessoa normal, ter uma vida normal. Fazendo uma retrospectiva hoje, nunca vivi na normalidade, é como se alguém tivesse carimbado em alguma certidão no momento em que nasci a seguinte sentença: "SEMPRE EM CRISE". Eternamente vivendo na corda bamba. A luta para me equilibrar e nunca cair no abismo provoca uma fadiga na alma que beira a loucura. Não quero aqui me fazer de vítima, na verdade sou o verdugo de mim mesmo. Sempre meti os pés pelas mãos, principalmente em meus relacionamentos amorosos (um dia terei que escrever sobre isso, na verdade eu já o fiz em ZÉ GATÃO CRÔNICA DO TEMPO PERDIDO mas ninguém notou...ou não deu bola), sempre estrago tudo, não deixo as coisas fluírem normalmente, sempre tenho que entrar de cabeça nas coisas e exigir da pessoa que ela me trate como eu a trataria, seja com um editor ou uma mulher. A Verônica tem muita paciência comigo e não dá bola para as minhas infantilidades, ela está certa, não sou para ser levado a sério. Devo ser uma pessoa monótona e desinteressante, é comum alguém pedir alguma opinião ou coisa que o valha e no momento em que começo a falar já estão olhando para o outro lado ou interrompendo para dizer algo mais urgente e nunca consigo voltar ao assunto. Aconteceu duas vezes essa semana. Um querido amigo/irmão da igreja que frequento atualmente me chamou para distribuir comida, água e produtos de higiene para alguns sem tetos do bairro junto com ele, um outro casal nos acompanhou. O papo rolava legal dentro do carro mas toda vez que chegava a minha vez de redarguir eu era interrompido, como se a minha argumentação não interessasse. Acontece demais aqui dentro de casa. Antes eu ficava chateado, hoje, de boa, não insisto mais em ser aceito, tô tranquilo, fechado em meu mundo. 

Voltando ao princípio, o que é ser normal? Não há resposta certa para isso, mas eu arrisco dizer que a certa altura da vida você poderia se programar para maratonar toda a série Harry Potter ou o trilogia Senhor dos Anéis versão do diretor sem problemas. Para mim isso é simplesmente impossível. Ou propor uma meta de ler tantos livros em um ano. Eu não consigo. Não mais. Dubitável em todas as instâncias, o tempo para mim é algo cada dia menor. Um certo conhecido do Facebook resolveu assistir todos os filmes do Errol Flynn e ele posta suas resenhas, impressões sobre as fitas e cita fatos pitorescos dos bastidores. Confesso que fico com uma ponta de inveja. Até as pequenas obrigações como fazer a barba ou cortar as unhas dos pés me chateiam, é como se essas atos, que não duram nem cinco minutos, roubassem um tempo precioso para coisas mais úteis, como criar os quadrinhos que me encomendaram e vão envelhecendo nas minhas mãos. Eu amo o que eu faço, mas repetindo aqui a metáfora que sempre uso da grávida, é uma bênção ter o bebê nos braços, mas a gestação as vezes pode ser incômoda e o parto é terrível.

A partida do André me desequilibrou totalmente, estou ainda me recompondo, por esse motivo, o último volume da série Mitos Gregos chamado de O Nascimento dos Deuses, eu tive que interromper. As páginas não saíam, simples assim, travaram e não é viadagem de artista sensível.....eu sinceramente não conseguia fluir com aquilo. E olhem que o grosso das minhas contas eu pago com o dinheiro que recebo por este material. A falência esmurra a minha porta. Essa semana devo retornar a ele, se Deus quiser, e só faltam umas vinte páginas para por fim em algo que de prazeroso se tornou uma tortura.

Em compensação Rastreadores de Algures decorre mais facilmente e a HQ de terror sobre a qual não posso dar detalhes, também. Mas isso se explica - eu acho - os roteiros não são meus, eu só preciso corporificar no papel a ideia dos autores, nos Mitos a criação/adaptação é toda minha e eu tenho que espremer tudo em 78 páginas. No Caso do Nascimento dos Deuses, ESTICAR, uma vez que tudo que sabemos sobre os titãs e os deuses na mitologia poderia se restringir a umas vinte folhas.

Mas essa minha batalha com as pranchas em branco diante de mim na prancheta não é nova, Zé Gatão - Memento Mori e A Vida e os Amores de Edgar Allan Poe também foram pesadelos que se arrastaram por anos. A diferença (sim, sempre tem alguma) é que eu não estava tão velho e fragilizado por tragédias pessoais.

O mundo mudou rápido demais do início do novo milênio para cá, os quase 25 anos voaram e eu ainda não consegui me acostumar com as desconjunturas. 

Antes do Siroco eu tinha a intenção de juntar todo o material inédito do Zé Gatão, HQs curtas, bem pessoais, com traços mais modestos, que vinha criando ao longo do tempo nos intervalos dos pagaluguéis (alguns ainda dos anos 90) e publicar mais um álbum. O título seria, a princípio, ZÉ GATÃO - HISTÓRIAS QUE A POEIRA DO TEMPO NÃO PÔDE ESCONDER. Me lembro que um querido amigo chamado Matheus Garcia teve intenção de trazer isso a público mas as circunstâncias não permitiram. Procurando por muitos desses trabalhos ocultos nas centenas de envelopes empilhados no meu estúdio, os que localizei até o momento me transportaram fortemente a esses pretéritos menos confusos. Numa das histórias as personagens usavam telefones públicos, eu nem sonhava com celulares! Ainda faltam narrativas que não estão comigo, publicar por mim mesmo está fora de questão, mas quero reunir tudo, tem coisa ali que pode agradar quem é fã do felino. Se a possibilidade de englobar a totalidade num único volume ao lado do que já foi impresso ainda existir por parte da Editora Universo Fantástico, não quero perder a oportunidade.

Arte feita sem esboço com sobra de nanquim.

 

O poeta Barata Cichetto me falou essa semana que vão fechar todos os blogs. Se for verdade mesmo seria uma pena, embora eu volte aqui a intervalos cada vez maiores, ainda é um espaço  que me sinto a vontade para falar abertamente sobre mim mesmo. E ainda tenho um conto prontinho na minha cabeça para descarregar aqui. O tempo dirá.

Fiquem com Deus e até a próxima (se houver).










10 comentários:

  1. Edu, deixa eu te contar um par de coisas:
    1) A Sandra, minha esposa, fica FURIOSA com uma família de amigos nossos que tem essa mania de cortar a fala alheia no meio da conversa, ou simplesmente ter a atenção interrompida por eventos terceiros, sair sem dar atenção e depois voltar, não se lembrando ou não mostrando interesse pela continuidade. Ignoro se é falta de educação ou algum tipo de transtorno disléxico. Não acredito em TDAH, é uma doença inventada, o próprio médico que a "descobriu" confessou antes de morrer mas a indústria farmacêutica abafa o caso. Pros vitimistas, é uma boia de salvação. Estou só esperando pelo dia em que a minha esposa vai explodir e dar uma bronca nesses amigos. Sugiro o mesmo a você.
    2) Ao ler seus relatos sobre cansaço e desinteresse em continuar desenhando, não tem como não me identificar. Quando isso acontece, eu paro, me afasto, descanso. Sei que é apenas fadiga do corpo e não um divórcio meu com a arte. Faço muita coisa pra mim mesmo, esperando um dia a oportunidade de ver publicado. É o que você falou numa postagem recente: a gente produz como forma de expressão, sem se preocupar com mais nada.
    3) Para encerrar: pelo menos você e eu estamos melhores do que meu finado pai. Demorei algumas décadas pra perceber por que ele começava tantas histórias em quadrinhos e não terminava nenhuma. Porque o tesão dele era a produção em su e não o resultado. Durante anos eu vi aquele homem, arquiteto por profissão e quadrinista de coração, debruçado numa prancheta plana, enorme, encapada com lona verde, desenhando sua série "Cris Colom", fortemente influenciada por Flash Gordon, desenhando, depois corrigindo algum detalhe, daí fazendo as letras, depois redesenhando algum rosto ou cena que não o agradara. Ao menos estamos melhor do que ele, você e eu, pois já publicamos mais material do que o Giorgio Cappelli sênior.
    Um abração. Estou no Whatsap pra conversar, quando quiser.

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    1. Caro Giorgio, seu comentário me trouxe informações inusitadas. Realmente não sabia sobre o TDAH, eu realmente pensava que era real e que causava muitos danos à vida das pessoas envolvidas com esses casos. De toda forma faz sentido, se pararmos para pensar que antes das descobertas de tais doenças "modernas" as pessoas tinham que tocar a vida mesmo sem a detecção das mesmas e medicações para as tais.
      Sobre explodir ou chamar a atenção de quem me ignora, bem, eu prefiro ficar na minha e não passar recibo, se não existe por parte delas interesse no que tenho para transmitir, que se explodam, tô um tanto velho para me incomodar com isso. Mas cada um, cada um.

      Também dou um tempo quando uma arte teima em não sair, todos nós que trabalhamos com criação passamos por isso; sair para dar uma caminhada ou fazer algum exercício oxigena o cérebro e a coisa melhora (ou não) mas dar um tempo é um santo remédio, depois voltamos com tudo. Agradeço a dica, serve como lembrete.
      As HQs curtas do Felino que mencionei foram feitas com coração, sem pretender nada, é o tal desabafo, como a escrita em um diário, muitas delas o Gatão não é o big foda, mas apenas o carinha que reflete sobre a vida ou sofre uma humilhação no trabalho, existem algumas de cunho aventuresco e até uma flertando com o terror gore mas fiz para mim, se um dia chegará às pessoas, veremos.

      Rapaz eu lamento muito pelo seu pai, digo, o fato dele não ter tido a mesma garra que você para terminar o que começou, poderia, quem sabe ter publicado alguma coisa, deixar um registro de si para a história. Sei que para muita gente não importa o que pode ou não ficar após nossa partida nesta terra, mas não é bem assim, tem familiares e amigos que honramos com nossas criações, deixar um legado é se perpetuar na memória de quem amamos. Acho triste quem deixa obras inacabadas....isso vale para o senhor Leonardo da Vinci que começava muitas coisas e não acabava, era o mesmo que seu pai, o gosto pela processo de criação e não o resultado dela.
      Sim, nós fomos mais longe.
      Meu amado e saudoso irmão Gil começou um romance fantástico de terror e suspense e após três capítulos muito bons ele casou, teve filhos e nunca retornou à escrita, embora eu sempre o motivasse a completar a obra, nem que ele fizesse um parágrafo por dia, ele dizia, vamos ver, vamos ver..... e ele acabou partindo e nunca veremos o poderia ter saído dali.

      Obrigado por tudo, meu prezado. Abraço!

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    2. No penúltimo parágrafo, faltou a palavra "QUE" antes da "poderia". Detesto isso. É o que dá publicar sem revisar.
      E eu esqueci de mencionar que o Gil publicou pela Novo Século um pequeno tomo de contos.

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  2. Esse papo dos blogs saírem do ar já aconteceu em 2016, mais ou menos, quando o Google resolveu mudar o domínio dos servidores, espero que mais uma vez sejam só boatos, mas, olhando para o passado, recente ou mesmo distante, a extinção de plataformas sociais é fato corriqueiro no mundo digital, Orkut é o exemplo que a maioria das pessoas se recorda. Eu que sou um babuíno decrépito do mundo virtual (e real), e que vi pela primeira vez ainda criança uma frase minha digitada ser respondida por um desconhecido em algum lugar do Brasil ainda nos anos 80 num terminal do Cirandão dentro de uma biblioteca, tenho exemplos ainda mais remotos na minha cabeça, como as listas de discussão por e-mail, aquela foi a primeira "mídia social" de impacto que participei nos anos 90, você mandava um e-mail para um grupo especifico e seu e-mail caia na caixa postal de todo mundo que participasse daquele grupo, o mesmo acontecia para as respostas dessas pessoas, mesmo que você perdesse os dados no seu computador, era só consultar o servidor, quando o mais famoso servidor de listas de discussão acabou, quase 20 anos de conversas sumiram (algumas almas caridosas fizeram backups que demoraram dias para se completar). Seu blog é uma fonte valiosa de informações, acredito que vão disponibilizar alguma ferramenta para fins de backup antes do derradeiro fim caso ele seja real, mas acho que vou começar a fazer um por conta própria. Como te disse no Face, é o TOC atacando.

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    1. Em primeiro lugar, grato por seu comentário.

      Em algum ano da metade da segunda década do novo milênio o meu blog sumiu.... assim, de repente. Foi como se um filho meu tivesse se perdido no meio de uma multidão. Nem tinha tanto tempo assim, mas haviam postagens que me eram caras, artes, reflexões, reminiscências que seriam impossíveis reproduzir com a mesma alma. Tentei contato com o Google, participei de chats onde outros se queixavam e lamentavam o mesmo destino. Confesso que passei uns dias desconsolado. E assim, num momento, ele voltou. Foi um alívio! Nem lembro mais qual foi a desculpa que deram (se é que teve alguma). Temendo que a causa de terem tirado do ar fosse uma postagem mais "adulta" eu mudei para "maiores de 18 anos", o que revelou ser um equívoco. Naqueles tempos eu tinha um número grande de visualizações diárias que chegavam até 600 e caiu para menos de 50. Perdi seguidores e tudo o mais. Converti para todas as idades novamente mas para angariar leitores e seguidores demorou bastante. Hoje ele está estável felizmente. Mas o receio de fecharem me assombra de novo. Como você bem lembrou, o Orkut é um bom exemplo de plataforma para debater ideias que foi extinto. O gmail tinha uma ferramenta tipo o zap para conversar ao vivo e fazer ligações de áudio e vídeo e encerraram. Google Mais também. Então se os blogs tiverem dando prejuízo para eles, creio que podem, sim, fechar. Até hoje fiz dois backups (não dá pra fazer a cada vez que posto alguma coisa), mas creio que se realmente for acontecer, eles avisarão com antecedência e eu poderei salvar as postagens. Mas se a memória não me trai, as postagens podem ser armazenadas, mas não os comentários. Pena. Pena se acontecer mesmo; ainda que eu sempre pense em encerrar este espaço, isso tinha que ser uma decisão minha, não uma imposição desses poderes.
      Mas vamos ver o que acontece. Oficialmente não li nada a respeito. Vamos ver se dá tempo de escrever meu último (até o momento) conto e falar mais algumas coisas sobre Zé Gatão que são pertinentes.

      Fique bem, meu amigo!

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    2. Ah, esqueci de dizer que agradeço seu interesse em fazer backups desses meus tristes, estranhos e pretensiosos textos.

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  3. Eduardo, meu amigo: Charles Baudelaire tem um belíssimo texto cujo título é uma palavra enorme, mas desde quando li, ainda nos idos dos anos 1970 nunca esqueci: "O Heautontimorumenos", que significa "o carrasco de si mesmo". Na verdade, todos nós, artistas, somos isso, em maior ou menor intensidade. Dizer que me identifico com muitas das coisas que relata seria chover no molhado. Mas, afinal, essa preocupação de ser ou não normal não faz mais parte das minhas preocupações há tempos imemoriáveis.
    Falando do que chamas de "perdas", compreendo que deve ser muito dificil a gente de fato perder alguém que ama muito. E perder para a morte é uma perda definitiva, ao menos para mim, que não acredito em nada além. Mas a gente só considera perda quando "ganhou" com a presença viva (claro que não falo de ganhos materiais). Dou-te um exemplo: minha queria Izaura, minha avó e minha amiga, se foi há mais de 40 anos, e não há dia que não lamente sua perda. Em contrapartida, há uns 10 dias meu pai morreu... E não, não considero perda, porque com ele sempre quem perdeu fui eu. Creio que me entendes.
    Por fim, sobre sua nota dizendo que eu disse que vão fechar os blogs: realmente não sei se é verdade, um amigo que tem vários blogs me disse isso, mas não chequei a informação. Pode mesmo ser falso. Mas, olhe, te digo: tens no meu site, o BarataVerso, um porto seguro. Lá poderás publicar o que quiser.

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    1. Querido poeta, desculpe a demora desta réplica, os dias tem sido tão corridos e complicados que aquele momento necessário de paz para estar com os amigos (nos tempos modernos é assim, as relações interpessoais, na maioria das vezes, se dão de forma virtual) se mostra cada dia mais difícil. Mas cá estou.
      Não conheço esse texto do Baudelaire, mas sim, sinto que o ato de se auto sabotar é mais comum em artistas com maior sensibilidade, vide Edgar Allan Poe, Lovecraft, Van Gogh e muitos outros, mas você sabe, fazer parte deste círculo não torna a situação menos sofrida. E essa reflexão nos leva ao pensamento seguinte: as perdas definitivas; realmente definitivas para os que não creem em algo além e temporariamente para os que acreditam numa vida pós morte, mas mesmo esse período indefinido de tempo para os crentes, é um tempo longo de sensação de solidão e abandono. Agostinho de Hipona (não o chamo de santo) tinha um amigo querido do coração que ao falecer, ainda jovem, tirou dele as cores da vida e foi motivo de tristeza por todo o tempo em que ele caminhou por esse vale de lágrimas. Você me verá lamentar a partida da minha mãe e irmãos sempre que esse espinho penetrar mais fundo na minha carne; Você falou sobre sua avó, então sabe a que me refiro, assim como entendo bem o que você citou sobre seu pai.
      Sobre o fim ou não dos blogs, não estou preocupado, será chato, sim, se for verdade, mas como comentado acima, perdi coisas muitíssimo mais importantes.
      Agradeço demais a oferta de continuar com minhas queixas no seu site, caso me privem deste aqui. Gratidão eterna desde já.

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  4. Olá, Eduardo, tudo bem?

    Primeiramente, parabéns pelo blog e pelo texto. Nota-se que construiu um espaço muito interessante para se expressar na internet, e que conta com um bom volume de espectadores, mesmo com a erosão produzida pelo tempo em sites como esse.

    O meu comentário aqui é a respeito da tua possível publicação com a Universo Fantástico. Eu gostaria apenas de dizer aquilo que eu gostaria de ter ouvido alguns anos atrás.

    Eu tinha recém finalizado minha primeira HQ, e no furor de atenção que costuma vir após esse processo, a enviei para diversas editora. No fim, uma única respondeu. Justamente aquela que é objeto desse texto. Iniciamos, a partir daí, um processo para dar cabo de uma publicação, o que pareceu um sonho, tendo em vista o fato de ser um autor estreante.

    O tempo passou, lançamos nossa campanha, e apesar de uma estreia, também rendeu ótimos 7000 reais que vieram de pelo menos 120 pessoas, muitas das quais pessoas que nunca haviam ouvido falar da Universo Fantástico, mas que simpatizavam por mim e por minhas criações. A previsão de entrega era de cerca de três meses, o que era um tempo bastante adequado, tendo em vista o fato da obra já estar praticamente pronta.

    Esses três meses duraram dois anos.

    O motivo do atraso sempre foi motivo de questionamento, não somente por parte dos apoiadores mas da minha parte também. Em boa parte do tempo, a culpa recaía sobre os artistas envolvidos em outros lançamentos deles. "Veja bem, Fulano não está entregando as páginas de um lançamento que combinamos antes do de vocês. Precisamos entregar as coisas na ordem."

    Nunca achei um motivo apropriado, mas me conformei. Não restava muito mais a ser feito, afinal de contas.

    Foi só no final de 2022 que, para minha surpresa, depois de semanas sem sequer ter minhas mensagens respondidas pela "editora" - aspas que passei a utilizar cada vez que me refiro pelo simples fato de que, à minha pessoa, ela nunca justificou o emprego da palavra - recebi o aviso de que o nosso projeto estava sendo cancelado e o dinheiro seria devolvido. Fui arbitrariamente removido do grupo e bloqueado em todos os canais de contato. Uma nota foi enviada aos apoiadores que dizia que "em conversa com os autores, optamos em conjunto pelo cancelamento da obra". Uma conversa que só ocorreu na imaginação deles.

    Essa situação doeu bastante, Eduardo. Eu tinha 23 anos, e havia finalmente perdido o embaraço que permeia o ato de e auto intitular um escritor. Não só o fiz, como tratei de convencer a todos no meu entorno. Quando esse cancelamento ocorreu, senti que minhas palavras não tinham valor algum. Que não tinham valor comercialmente, mas também que não valiam a confiança das pessoas.

    Hoje a ferida já cicatrizou e uma nova edição daquela obra está inclusive em impressão no momento. Inclusive, se te interessar, me avise que lhe faço o envio sem custo algum, como prova da minha solidariedade. O que eu gostaria de alertá-lo, no entanto, é que repense as relações comerciais que almeja estabelecer. Sei que o omnibus é um objeto de desejo, e a visagem de um que compila a nossa própria obra é, provavelmente, uma das imagens mais sedutoras que pode surgir na mente de um autor. Mas sabe, há pessoas por aí que apreciam seu trabalho, pessoas que o leem desde muito antes dessa "editora" surgir prometendo rios. Na hora de tomar essa decisão, pense sobretudo nessas pessoas que seguem contigo.

    Espero que essa mensagem lhe chegue gentil e de coração limpo, da mesma forma que, reitero, eu gostaria de tê-la recebido.

    Abraço!

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    1. Caro Djeison, muito obrigado pelo seu comentário! Saber que você me lê aqui (recente ou há muito tempo, isso não importa) muito me envaidece.

      Li suas palavras com um misto de tristeza e alegria, consternação pela sua desdita com a Universo Fantástico e contentamento por saber que sua obra já está em fase de impressão. Desde já, meus parabéns!

      Pelo visto essa minha postagem está sendo aquela que está gerando comentários longos e já digo que gosto disso.

      Deixe-me contar resumidamente um pouco da minha saga nos quadrinhos: Não sei se você conhece mas criei, como forma de atingir um possível público, um universo antropomorfo tendo como protagonista um felino conhecido Zé Gatão. O primeiro álbum foi bancado com grana do meu próprio bolso, algo incomum nos anos 1990. O segundo saiu pela Via Lettera cinco anos depois, quando foi prometido para uns seis meses após assinatura do contrato. O terceiro volume, editado pela Devir, só veio a público oito anos após o segundo, o que foi muito ruim, pois uma nova geração surgia e não sabia que haviam dois volumes anteriores. O quarto álbum, ainda pela Devir só chegou aos leitores cinco anos após o quarto. Nesse meio tempo, em 2011 um grupo de artista lançou de forma independente uma coletânea de histórias curtas do Gato em uma tiragem bastante limitada e por fim, Siroco, o último livro só chegou ao mundo oito anos depois daquele publicado pela Devir, o que me levou à decisão de aposentar o personagem e só trabalhar com quadrinhos caso alguém me pagasse para tanto. Em suma, HQs autorais é coisa do passado para mim.

      O que quero dizer com isso tudo é que fiquei um tanto calejado (e sim, muito desiludido e magoado) com o dito "mercado" de quadrinhos no Brasil, que envolve editores, jornalistas especializados no assunto, leitores e outros artistas. Nada mais me causa estranheza.

      Fui procurado pela UF com a proposta de fazer um Omnibus com tudo o que já foi publicado e algum material inédito e gerou, sim, em mim, certa expectativa, mas a perspectiva de que a coisa não fosse pra frente (por muitos motivos que possam haver) me colocou nesta posição de, se der, ótimo, se não der, já era a minha decisão de tirar o pé do acelerador. Vou ficar no aguardo do que eles vão decidir. Afirmando aqui que o contato com eles sempre foi muito cordial.

      Mas eu entendo sua decepção e mágoa, é natural, e agradeço muito o seu alerta para que eu não espere demais e no fim venha a ficar desapontado. Creia, já presumi demais através desses anos todos e nunca fiquei plenamente satisfeito, embora tivesse publicado tudo a que me propus.

      E, claro que quero sim o seu material, agradeço desde já e pode contar com minha divulgação aqui e em outras redes minhas.

      Eu desisti de publicar meus quadrinhos Djeison, provei o que tinha a provar, cansei de dar murros em pontas de pregos, escrevi isso várias vezes aqui, mas espero que minhas decepções, desgostos e insatisfações não te contaminem e você continue a criar e correr atrás dos seus sonhos. O mundo precisa disso.

      Grande abraço, saúde e sucesso!

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