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Arte criada por Louis Melo, um jovem artista que admiro muito.
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Amados e amadas, boa noite!
Uma coisa aprendi com o meu pai e com um chefe que eu tive: fazer o exato oposto do que eles faziam; eles, frequentemente valentões, diziam o que lhes viesse na telha se confrontados, desafiados ou colocados contra a parede, não raro partiam pra vias de fato, ou seja, corriqueiramente fechavam portas atrás de si. Vocês sabem, a vida é uma gangorra, pra um subir, o outro tem que descer. Uma hora você é o patrão, na outra você é o submisso. Os dois costumeiramente nadavam na merda por causa desse comportamento impulsivo. O ser humano é vingativo por natureza, "um dia te pego, filho da puta, goze sua vitória enquanto pode". Se não tenho algo bom para dizer a respeito de uma pessoa, não digo nada e montado nesses cavalos de batalha eu consegui algumas realizações, hoje, porém, arrisco a dar um tiro no meu pé, mas sabem, foda-se, não tô mais na idade de ficar cheio de dedos com pessoas que valem menos que o peido de um cachorro. Minha ética, porém, ordena que eu não chame os bois pelo nome e assim farei.
Antes de entrar no assunto dessa postagem, permitam-me informá-los sobre como estou.... na verdade não sei bem como estou.... ainda faço três refeições ao dia, bebo água limpa, durmo numa cama asseada, tomo pelo menos dois banhos diários (manhã e noite) e no âmbito profissional desfruto de um certo prestígio entre a meia dúzia de pessoas que curtem meus traços e cores, então posso, sim, dizer que estou bem. Entretanto ainda vivo numa apreensão que subtrai toda paz que um lutador honrado deveria sentir dentro de sua casa. Tenho trabalhado nos projetos que vocês estão fartos de ler aqui mas o dinheiro continua difícil e as coisas a cada dia aumentam de preço, sem contar que sei que meu luto não terá fim. Feita essa meditação, voltemos ao tema proposto.
Sabemos todos que Zé Gatão nunca alcançou sucesso comercial - os prováveis motivos já foram debatidos aqui - apesar do heroísmo do Jotapê Martins (Via Lettera), Leandro Luigi Del Manto (Devir) e Marcos Freitas (Atomic).
Eu tentei fazer a minha parte, divulgando, procurando editores, jornalistas da área e..... artistas de quadrinhos! Tudo para fazer o personagem se tornar popular para que ele fosse melhor aceito.
Uma dessas tentativas foi em 2000 ou 2001, por aí. O Jotapê, editor da Via Lettera havia me feito suspense sobre uma publicação que, segundo ele, revolucionaria o mercado de quadrinhos no Brasil, tratava-se da Front. Pesquisem no Google, se tiverem interesse em saber do que se trata, as imagens abaixo podem trazer uma tênue luz.
A Front, pelo que percebi, tentava emular a Raw, periódico americano um tanto revolucionário editado pelo Art Spiegelman, algo do tipo, alternando quadrinhos, artigos, poemas e ilustrações. Os artistas responsáveis pela dita revista eram cartunistas, digamos, alternativos, que publicavam em jornais e ilustravam alguns magazines do período (não, Los Três Amigos não faziam parte desse time) e eu conheci alguns, tipos talentosos mas cheios de empáfia, julgando-se grandes intelectuais que nos lançamentos das Front (fui em dois) discutiam Moebius e Corben e se indagavam de forma bastante blasé sobre o futuro dos comics.
Um desses artistas (um dos principais cabeças do projeto) era mais chegado a mim, não porque ele achasse que meu trabalho valesse mais do que a merda que ele largava em sua privada, mas porque ele passava de vez em quando pela banca de jornal em que trabalhei.
Depois de uns números eles começaram a publicar a Front com temas específicos como sonho, feminilidade, ódio, morte e por aí vai. O tal artista sempre me perguntava se eu conhecia algum colaborador à altura da publicação e certa vez eu ofereci uma HQ curta do Zé Gatão. Bem sem graça ele disse que precisava consultar os outros editores da Front, que não dependia só dele. Claro que se ele quisesse o Gato estaria lá. Eu sabia que não ia rolar, como não rolou, normal, ninguém é obrigado a gostar e publicar, eu entendo isso, mas a forma como se deu a negativa é que deixou um gosto de barata na minha boca e não saiu por anos. Não vou entrar nos detalhes, não vale a pena, mas ficou estampado ali um preconceito que eles insistem em negar.
A tal da Front que revolucionaria o mercado não fez sucesso e parou depois de uns números. Não sei se deixou saudades.
Processo idêntico se deu com a Ragú, uma publicação mix envolvendo HQ, artigos sobre temas variados sempre com ilustrações de aspecto vanguardista, só que essa era de Pernambuco. Cheguei a ir na festa de lançamento de uma das edições (argh, festa horrível! E eu cheguei a pagar para entrar. Mas horrível para mim, odeio essa merda com som alternativo à meia luz composta de pessoas tipo universitários maconheiros discutindo os problemas do mundo onde toda porcaria possível pode ser vista como arte).
Dessa vez, um dos capitães da Ragu perguntou se eu não queria colaborar com a revista e eu sugeri um quadrinho colorido do Zé Gatão e ele respondeu que o Felino não tinha o perfil da publicação. "Ora essa, a Ragú tem perfil específico?" perguntei, o artista riu meio sem jeito e a conversa tomou outro rumo.
Essas foram duas entre tantas rejeições sofridas e não é coisa do passado, recentemente, durante uma live, um grupo de pessoas sugeriram a uma "importante" editora um encadernado do Zé Gatão e receberam um sonoro NÃO. Repito, ninguém é obrigado a nada, mas poderiam dizer assim: "pois é, quem sabe? Seria legal ter esse personagem no catálogo, mas no momento estamos agendados até tal ano, depois veremos" e a coisa ficaria o dito pelo não dito, mas essa elite não perde oportunidade de descartar, não só a mim, mas outros que não fazem parte da patota.
Lembrando que a HQ recusada pela Front foi publicada no Especial PADA e a rechaçada pela Ragú saiu na revista Zé Gatão - Pintura de Guerra.
Sabem, no final das contas isso até pode ter sido bom, minha mãe sempre falava: "Deus sabe o que faz e a gente não sabe o que diz", tivesse eu sido sucesso e estivesse no meio de muitos que atingiram o cume, eu poderia ficar inchado e não reconhecer o sacrifício do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo na cruz. De que vale o homem ganhar o mundo todo e perder a sua alma? Eu digo isso não como quem procura compensação, acreditem, todas essas coisas são lícitas, mas é um prazer momentâneo, tudo na vida passa, estar em paz com o coração sem se corromper com as coisas desse mundo vale muito mais.
Obrigado e fiquem com Deus!