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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

ZÉ GATÃO - A BUSCA - Parte 2 (Um conto escrito por Luca Fiuza)

 A BUSCA – Capítulo 2:

O crepitar da fogueira era o único som audível, no silêncio da
gélida noite do deserto. Sua luz bruxuleante, iluminava o rosto
sombrio do felino casmurro. Ter ficado no interior daquelas ruínas
foi a melhor coisa que o Gatão fez. Apesar de estar bastante frio,
era melhor do que dormir ao relento, no interior de uma tenda
rústica. Pouco antes da chegada da noite, o Gatão revistara
cuidadosamente, aquele destroço, um dia uma cidade próspera e
movimentada. Encontrou o esconderijo usado pelos chacais. Havia
uma preciosa caixa de mantimentos, cheia de latas de ração de
sobrevivência, uma mochila maior que a sua e pastilhas de água
desidratada em grande quantidade. O felino verificou que todo
aquele equipamento era pertencente ao Exército. Intuiu que
destacamentos dispersos desta Força Armada, erravam pelas
cercanias e com certeza, aconteciam escaramuças entre estes
pequenos destacamentos militares e as hordas de desesperados
como aquela que ele, Gatão tinha eliminado! Bem, aqueles chacais
não eram exatamente uma horda e sim, um bando minúsculo,
comandados por uma fêmea de miolo mole!

O felino juntou o que pode daqueles itens e os levou para seu
acampamento, em outra parte das ruínas! Resolveu conservar o
alfanje! Era uma ótima arma de ataque e defesa! Seria inútil contra
armas de fogo, mas ele sabia se virar! Para não dizer que não
havia outros artefatos interessantes, encontrou um rifle de
repetição, em bom estado e três caixas pequenas de munição!
Apropriou-se disto, também! No entanto, só usaria o rifle em último
caso! Munição era algo escasso naqueles tempos e o Gatão não
sabia quando e se a encontraria, outra vez! Portanto, a ordem era
ser parcimonioso! Assim que amanhecesse, ele partiria sem
demora daquele antro, onde o cheiro de dor e morte eram
incomodativos, de tão intensos! Estava cansado! Nem tanto
fisicamente! O cansaço era mais mental! Resolveu recolher-se.
Deixou o alfanje ao alcance da mão, fora da bainha trabalhada que
seria depois presa ao lado do corpo por uma cinta vermelha, com
motivos dourados, de sabor oriental.
Pouco antes da aurora, um leve som despertou o felino! Era o
arrastar sinuoso de um corpo pesado! Uma cobra! E das grandes!
O corpo do felino retesou-se, como que atingido por uma forte
descarga elétrica. Sua mão segurou firme, o cabo do alfanje!
Repentinamente, ele rolou para o lado direito e ergueu-se de
pronto! O enorme réptil levantou o corpanzil poderoso! Em seus
olhos frios, um lampejar de decepção! Esperava atacar sua vítima
e eventual repasto, durante o sono! Seu olhar era magnético! Sua
voz, um chiado suave e estranho aos ouvidos do Gatão!

– Felinoss…não queirass me enfrentarss! A resistência é inútil!
Conforme-sess! Sujeite-ses a meu venenoss e ao abraçoss de
meus anéiss! Prometo-lhe uma mortess rápidass e quasess
indolor!
– Foda-se, você! Vai ter que me tomar a vida! Não será fácil!
– A resposta do ofídio foi um silvo enfurecido! A criatura viperina
percebeu o alfanje na mão firme de seu contendor! Notou que ele
não era uma das tantas presas aterrorizadas que a peçonhenta
matara e comera, ao longo de sua longa existência! Seria portanto,
uma luta de vida e morte! Coleando o rajado corpo musculoso, a
cobra atacou na diagonal, em uma tentativa de confundir o Gatão!
Seus olhos reptilianos faiscavam, buscando mergulhar a pretensa
vítima em um sortilégio mortal! Pobre tola! Não sabia com quem
estava lidando! Ousadamente, o felino gris avançou, em um
movimento veloz e sinuoso! Estendeu o braço e sua mão agarrou o
corpo da cobra, junto a cabeçorra monstruosa! Apertando-o com
força titânica! A cobra sentiu instantaneamente a falta de ar! Não
conseguia respirar! O corpanzil estremeceu, lutando para supri-lo
do oxigênio faltante aos pulmões convulsionados! Dava para ver
seus dentes pontiagudos, pingando um veneno de cor amarelada,
a escorrer de maneira inócua pelas comissuras daquela boca
nojenta!
– Quess sser fantásstico era estess gato que tinha o poder de a
dominar daquela forma, terrível?! - perguntava-se o réptil,
encarando nebulosamente aquele felino gigante que estava prestes
a tirar-lhe a vida! Nem conseguia enlaçá-lo em seus palpitantes                                                          anéis de carne escamada, pois uma fraqueza imensa, dominava
seu organismo! Não queria morrer, assim! Precisava se soltar!
Necessitava desesperadamente sorver o ar para vivificar seu corpo
combalido! O coração batia violento, como um martelo
descompassado! A língua bífida, cor de carmim, se projetava à
frente, oscilando convulsivamente! E a dor! A dor extrema
provocada pelo aperto brutal era algo insuportável! Na cabeça,
uma sensação de inchaço, como se ela fosse um balão cheio de
hélio, bombeado incessantemente, a ponto de quase explodir! O
corpo da cobra estrebuchou, sem coordenação! A consciência e o
discernimento foram fugindo célere daquela mente em disrupção! A
visão do ofidiano escurecia rapidamente! Este, conseguiu, com
grande esforço, divisar um vulto! Notou fracamente, um movimento!
Era a lâmina gélida do alfange! Não sentiu o golpe! Sua cabeça foi
arrancada e voou para longe, enquanto o corpo do réptil, solto pela
mão de seu executor, caía, estertorando violentamente no solo
poeirento! Fim da contenda! Baixava com estrépito, mais uma vez,
a cortina do Teatro da Vida, manchada de sangue!

Desta vez, o Gatão estava verdadeiramente esgotado!
Afastou-se do canto, onde lutara pela própria vida! Cambaleando,
um pouco caminhou e foi sentar-se junto à fogueira! Tinha fome!
Pegou uma das latas de ração! Apertou uma reentrância, em seu
topo. Dentro da lata, o conteúdo desidratado começou a se
modificar! Desta forma, graças aos prodígios de uma tecnologia,
não mais existente, a lata se abriu, revelando uma deliciosa e
quente sopa de legumes temperados! O Gatão retirou a colher de
carbono localizada no lado esquerdo da lata e comeu com apetite
evidente, deixando a lata vazia! Este tipo de ração, usada pelos
militares em suas andanças em terrenos desérticos supria o
organismo de vitaminas e sais minerais, além de substituir a água,
hidratando integralmente o corpo! De fato, estas latas de ração
eram de último tipo e muito superiores aquelas ofertadas a ele por
Lena! Isto explicava a aparência saudável e bem alimentadas dos
chacais. Como será que estes malditos animais conseguiram
emboscar e superar militares treinados e possuidores de armas de
grosso calibre? Pensando bem, chacais eram conhecidos por
serem ardilosos e da mesma forma que atraíram a abutre e seu
filhote a uma armadilha, aqueles traíras deviam ter feito o mesmo,
com os milicos! Que se fodam todos eles, chacais e milicos! No
fundo, farinha do mesmo saco!

O Gatão deitou-se e estendeu o corpo, no sentido de
descansar por algumas horas. O sol já havia se levantado no céu,
quando o felino começou a adormecer, lenta e suavemente. Então
aconteceu! Embora estivesse dormindo, não era sonho! Ao felino
cinzento, pareceu que seu espírito estava sendo arrancado do
corpo físico! Neste estado, ouviu nitidamente uma voz! Esta voz o
chamava! Um som que já ouvira antes, mas quando? Com a
percepção do espíritos desencarnados, o Grande Gato sentiu que
não estava só! Uma figura longa, sinuosa e diáfana dele se
aproximou! Como se um véu fosse levantado diante de si, o felino
tristonho reconheceu a imagem da Serpente Gigantesca! Um ser
profundamente poderoso e sapiente que há muitos anos, o Gatão
encontrara na vetusta selva virginal, conhecida como o Inferno
Verde!

– Grande felino de outras terras! Me é prazeroso saber que
ainda vives! Não tentai replicar, pois a fala é propriedade da
carne! Escutai, filho meu! Tu passaste pela tribulação das
tribulações e esta ainda não findou! Ainda há de vir situações
muito piores! Momentos, os quais nem você poderá resistir e
sobreviver! Este mundo em que pisas está condenado!
Contudo, para ti haverá salvação! Deves levantar-te, levar
contigo o expressamente necessário e seguir para o sul. Não
temais, pois em tua mente o rumo certo a seguir implantado
estará! Encontrarás a passagem escondida para um mundo
dentro do mundo! Neste paraíso estarei eu à tua espera, bem
como, uma tua amiga felina que há muito não vês! Venhas,
corajoso felídeo! Venhas, se quiseres continuar vivo! Se não
crerdes ser capaz de arrostar os perigos e sofrimentos de tua
jornada, deixai-te ficar, para perecer com o resto dos que ainda
vivem…!

O Grande Gato despertou, sobressaltado! A face                                                                             banhada de suor! A cabeleira acinzentada em desalinho! Ficou por
um momento parado, a refletir profundamente! Esta pausa foi
momentânea, porém! Resolutamente, ele arrumou seus pertences
e partiu, sob o sol inclemente do deserto. Ter uma motivação, um
objetivo mudou completamente o estado de espírito do felino! Se
ele existia, até aquele momento, por assim dizer, no automático,
agora sabia para onde ir e que havia uma luz brilhante, no fim do
túnel, até então, um abismo muito profundo! O Gatão não
continuaria, apenas pelo mero instinto de sobrevivência! Ele                                                    prosseguiria numa busca! Uma busca baseada em uma louca
experiência transcendental! Fantástica, sim! Mas era a única
certeza que hoje tinha, de recomeçar uma vida que julgava
perdida!

domingo, 26 de outubro de 2025

UNBOXINGS DE ZÉ GATÃO, O RETORNO DO GUERREIRO.

 O  poeta, escritor e editor Barata Cicheto batizou a campanha das reedições de MEMENTO MORI e DAQUI PARA A ETERNIDADE  de "Zé Gatão, O Retorno do Guerreiro". Foi uma corrida dura, sofrida e que ao final, mesmo tendo sido vitoriosa, não rendeu frutos monetários nem para mim e nem para ele. Para este autor foi sucesso pois eu não esperava muita coisa, as campanhas de financiamento coletivo anteriores do felino não foram lá muito bem, esta, ao contrário, teve adesão significativa. Claro, eu queria que tivéssemos uns mil apoios, mas em vista da merda em que o país está mergulhado, sem dinheiro circulando nas mãos de quem trabalha de fato, até que ajudaram bem. O apoio premium foi o que mais me surpreendeu, por conta disso tive que abandonar todos os projetos em que eu trabalho para me dedicar aos sketches e artes exclusiva para os auxiliadores. Foram 21 esboços e 21 artes a nanquim onde dei o melhor de mim. Fiz cada uma delas como que contando uma nova história para o aposentado gato mestiço.

Memento Mori e Daqui Para A Eternidade, editadas há muitos anos pela Devir e esgotadas oficialmente chegam para novos leitores; bem verdade que é um número pequeno, mas sendo bem sincero, eu prefiro qualidade à quantidade e pelo contado que tive com alguns deles, percebi que são jovens de bom gosto e que entendem dessa arte e me pareceu que vão espalhar sementes.

Claro, tive apoio de fã antigo também. 

Agora que todos receberam seus pacotes, damos a coisa toda como missão cumprida. Todo trabalho executado pelo Barata e por mim nos deu a sensação de uma tarefa hercúlea muito bem feita e entregue no prazo. Alvíssaras!

Pedi aos fãs antigos e novos do Zé Gatão que realizassem um vídeo no ato de abrir as caixas com os livros e os brindes. A maioria o fez, outros não puderam, infelizmente. 

Aos que fizeram a gentileza, quero honrá-los publicando aqui.

Como poderão observar, dois deles estão no YouTube. O vídeo do Leandro Luigi Del Manto, que foi o editor original desses livros e grande colaborador nessas novas edições (também autor da ideia da pata do gato na numeração das páginas), excedeu o tamanho que o blog comporta e por isso não consegui subir para cá. O mesmo aconteceu com os vídeos do grande artista Andrios e do amigão Vinnie Blues. Uma pena, testemunhos muito legais mas estou sujeito às limitações dessa plataforma. Mas fica aqui a minha imensa gratidão a esses irmãos do peito e a todos que apoiaram essa campanha permitindo assim a volta do felino casmurro. 

Havendo depoimentos e resenhas, pretendo publicar aqui. 

Um abraço a todos e vamos aos vídeos:    


 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 12 de outubro de 2025

ZÉ GATÃO - A BUSCA - Parte 1 (Um conto escrito por Luca Fiuza)

 

ZÉ GATÃO: A BUSCA.

 

Um derivativo de SIROCO.

História baseada no personagem de Eduardo Schloesser.

Por Luca Fiuza.

 

 

PRÓLOGO:

 

 

       Em dezembro de 2022, a Editora ATOMIC publicou o último e definitivo álbum do felino tristonho, produzido por Schloesser, de nome SIROCO. Assevero: uma história brutal, violenta, apocalíptica e de forte cunho EXISTENCIALISTA!

       O chamado oficialmente FELINO EM PROSA, escrito por mim, com vários de meus contos ilustrados pelo Quadrinista Edu Schloesser, foi encerrado definitivamente, eu acreditava, em 2020 com a saga INFERNO VERDE! Mas como dizem: Never say never!

       Há poucos dias, me veio um desejo de produzir uma continuidade da saga SIROCO…! Cozinhei a ideia por vários dias e finalmente veio à luz, um enredo consistente, o qual achei deveras interessante e atrativo! Para relembrar a saga de 2022, tomei a liberdade de elaborar a capa da história com um dos rascunhos do Gatão feito pelo Edu, para os extras de SIROCO.

       O título do álbum de Schloesser foi extremamente apropriado, pois SIROCO significa um vento do deserto extremamente quente, o qual surge de forma repentina, calcinando tudo em seu caminho!

 

 Boa leitura.

 

 

 

A BUSCA – Capítulo 1:

 

        O Deserto infinito e insondável! Calor constante e abrasador! O sol inclemente a fustigar o lombo suado do felino casmurro! Há muitos dias, o Gatão vagava por aquela imensidão arenosa e silente, sem encontrar uma viva alma em seu caminhar sem rumo! “Por que não morria de uma vez?” - perguntava-se! - Seria melhor, do que ficar morrendo lentamente naquele inferno de horrores sem fim! Horrores causados pelo ambiente agreste acrescido pela solidão inexorável, onde a própria mente pregava peças, fosse desperto nos dias abrasivos, ou durante o sono, nas noites gélidas! A natureza do felino cinzento era solitária! Ainda assim, o excesso de solidão também não faz bem! E estranhamente, ele desejava encontrar alguém! Pensamento irônico, em um mundo destroçado pelo Apocalipse final! Ainda assim, quem quer o felino gris encontrasse naquela amplidão desolada, ou seriam hordas de animais hostis e desesperados, ou nas ruínas do que havia sido antes uma cidade, seres tão ferozes e desapiedados quanto os errantes, encontradiços no mesmo deserto, onde jaziam ainda, estes arremedos da antiga Civilização decaída! Em qualquer um dos casos, o Gatão teria que lutar tenazmente para não ser assassinado! Matar para não morrer! E era esta energia visceral, atávica e irracional que respondia ao seu racional questionamento anterior! Apesar de tudo e de si mesmo, a ordem era sobreviver! Buscar alimento quebrando as duras e espinhosas plantas desérticas, ou seja, um tipo de cactus extremamente resistente! Destes rudes vegetais podia também extrair água! Líquido mais do que precioso naquele ambiente bizarro!

        Desertos sempre existiram, mas após eles havia florestas, rios, lagos, lagoas e mares! Vilas, cidades, megalópoles, Vida, enfim! Do mundo civilizado, só ficaram escombros e animais sobreviventes da hecatombe destruidora, bastante espalhados por aí! Rios, lagos, lagoas e mares estavam mortos, tomados pela toxicidade provocada pela Grande Guerra, sem quartel entre os entes da superfície e os entes das águas! Estes últimos acabaram extintos e os de terra, reduzidos e bem próximos também da extinção! Este era o novo normal, onde o grande Nada tinha tomado conta do Tudo que antes existia!

        Com a chegada do anoitecer, o fortíssimo calor do longo dia começou a diminuir. O Gatão rapidamente armou a tenda. Acendeu uma fogueira diante da entrada e acomodou-se para comer a última porção da ração de sobrevivência! Tanto a barraca desmontável quanto as latas de ração, consumidas nos últimos dias pelo felino tristonho eram o presente que os felinos mercenários deram, antes dele se despedirem. O Grande Gato alternava estas rações com as plantas espinhosas, no sentido de poupar o conteúdo das latas que era mais alimentício do que os ásperos vegetais espalhados por aquele ermo. Porém, em breve, o casmurro felídeo teria que contar apenas com os recursos naturais para continuar a viver! O céu avermelhado e as primeiras estrelas a brilhar no firmamento, anunciaram a chegada da noite! Dali a duas horas, a temperatura cairia a zero grau! Por isto, Zé Gatão tratou de alimentar a fogueira com lenha sintética! Outro equipamento fornecido pelos felinos mercenários! Há muito não pensava detidamente neles. Mas naquele início de chona, lembrou-se da última conversa que tiveram, antes de se separarem. Sentiu de modo quase palpável, o abraço de Lena, a onça-pintada, seguido de seu beijo cálido! Intimamente, o Gatão desejou estar junto à felídea pintalgada e seus novos amigos. No entanto, os caminhos do felino gris não eram os mesmos daqueles intrépidos mercenários! Assim, cada qual seguiu em direções opostas! O Gatão resolveu entrar na tenda, fechando-a, de maneira firme e hermética. Não aceitara trazer consigo nenhuma arma de fogo! Não gostava e nem precisava tais artefatos, embora soubesse manejá-los com eficiência e precisão!

        O Gatão custou a dormir! O silêncio opressivo da noite só era quebrado pelo ulular ocasional do vento. O Grande Gato virou-se para o lado esquerdo e lentamente começou a relaxar. Imperceptivelmente, começou primeiro a cochilar! Em seguida, mergulhou em um dos mais profundos sonos que jamais tivera! Seu enorme corpo simplesmente se desligou da realidade! Então veio o sonho! O Gatão viu-se em uma mata tropical! Sentia o calor gostoso do sol em sua pele! O ar, perfumado pelo odor de plantas exóticas! Não muito longe, escutou o murmúrio agradável de um rio! Sentiu sede e caminhou em direção daquele som! Enquanto avançava, afastava de si uma folhagem estranha, luxuriante como nunca tinha visto antes. À sua volta, pendiam do alto, samambaias enormes e viçosas! Parecia já ter visto aquela curiosa paisagem em antigos compêndios, possivelmente, nos tempos de escola! Voluntariamente aspirou o ar e concluiu que era um dos mais puros que já respirara! Rico em oxigênio de um modo surpreendente e inimaginável! Poucos passos depois, chegou junto ao rio que procurava. Abaixou-se junto à margem e com as mãos em concha tomou da água fresca e cristalina! Estava nisto, quando um som de passos pesados se fez sentir atrás dele! O som era seguido de um odor pungente, estranho e muito desagradável! O Gatão virou-se de brusco! No lusco-fusco da mata, ele divisou uma silhueta dantesca! Uma figura disforme e gigantesca se aproximava! Tinha em torno de uns seis metros de altura! Uma bocarra cheia de dentes pontiagudos se abriu, dela escapando um silvo prolongado, lembrando o trinado de uma ave monstruosa, mas aquela criatura não parecia uma ave! Com o silvo, um fedor nauseante encheu os ares, deixando no gato, uma vontade de vomitar quase incontrolável!

        O Gatão teve a impressão de ver cintilantes olhos amarelos, a dardejar de fúria insana naquela face grotesca! A coisa fez carga sobre o felino! Ela se movia com a velocidade de um trem expresso, se precipitando sobre o Grande Gato! Pouco antes do choque mortal, Zé Gatão despertou daquele sono anormal com um urro de terror! De busto erguido, um suor frio a descer pela espinha, um tremor gelatinoso sacudindo o corpanzil musculoso…! A custo ele voltou a raciocinar! Tinha tido um pesadelo! Um horrível pesadelo! Não dormiu mais! Aos primeiros sinais da aurora, conseguiu dar um cochilo inquieto! Pouco antes do nascer do sol, já havia levantado acampamento! No estômago, a magra refeição de cactus e restos de ração da última lata! A escassez alimentar era o de menos! Sua metade lince, lhe dava condições de resistir às maiores privações! Devia ser herança genética de seu pai desconhecido: o Lince Vermelho! Aliás, raramente pensava nele! Tudo que sabia dele era pelas histórias que sua mãe, há muito falecida lhe contara! Em sua genitora muito amada, no entanto, ele pensava com maior frequência! Ainda bem que ela não viveu para enfrentar este mundo terrivelmente devastado de agora! Ela não resistiria! Não conseguiria sobreviver, mesmo sob a proteção dele, seu filho! Aquele espírito delicado e bondoso não suportaria tal realidade! Sua mãe decerto, morreria de tristeza!

        Com tenacidade inquebrantável, o Gatão jornadeou por horas a fio naquela imensidão desoladora! Paisagem tristonha, o solo crestado, abrasado por um sol tórrido, o andarilho solitário tentando espantar inutilmente, a imensa monotonia que aquele ambiente uniforme e profundamente silencioso infundia no espírito indômito do felino acinzentado! O Grande Gato caminhou até quase o fim da tarde, quando finalmente o cansaço físico o fez parar e novamente montar acampamento! A noite se aproximava! O Gatão acendeu uma fogueira e preparou uma refeição frugal. Até então comera os cactus in natura, mas naquele momento, resolveu expô-los ao fogo! Com satisfação, notou que sua consistência se tornava mais macia, os espinhos agudos se soltavam facilmente do vegetal e por fim, o sabor ficava muitíssimo melhor do que cru! Comeu com vontade, sentindo-se incrivelmente bem alimentado!

        Apesar de estar bastante cansado, não sentia sono ainda e isto foi sua salvação! Sua audição aguda, detectou um movimento sutil à sua direita. Voltou o olhar para a origem do som e divisou na meia luz do poente, um pequeno grupo de baixotes raposas do deserto, se aproximando cautelosamente. Os canídeos portavam porretes! Eram de constituição esguia, focinhos pontudos, olhos grandes e cintilantes! Pele de um vermelho sujo, túnicas brancas, bem folgadas no corpo! Na cabeça um lenço vermelho e branco conhecido como conhecido como Keffiyeh, uma proteção adequada contra o sol forte e o vento arenoso, muito recorrentes naquelas plagas! O Gatão permaneceu calmo, mas vigilante! Naquele deserto, qualquer um que aparecesse poderia ser na verdade, o mensageiro da morte, encarnado! Para certificar-se das intenções dos recém-chegados, o Gatão assim, lhes falou num tom de voz neutro: – Se vieram em paz, podem se aquecer junto ao fogo…se vieram com más intenções, caiam fora!

 

        Um dos canídeos que parecia ser o chefão, replicou:

 

Você não acha que está sendo meio abusado, ô felino? Especialmente para quem está sozinho, no meio de lugar nenhum? - Os cupinchas do líder, soltaram ganidos estridentes! Algo comparável a gostosas gargalhadas! Zé Gatão não achou graça! Seu semblante se fechou em uma carranca medonha! Respondeu entre dentes:

 

Já disse para vocês se arrancarem daqui! Se teimarem em bancar os espertos, eu vou arrebentar o cú de vocês a pontapés! Sumam! Última chance, idiotas! - Como resposta, os caninos sacaram suas jambiyas, um tipo de adaga de lâmina curva, de dois gumes. Então, o felino gris mexeu-se! Rápido como um raio, meteu um chute brutal nas fuças do líder! No mesmo movimento, deu um chutaço lateral no peito da segunda raposa! As outras duas, sem ação, devido à surpresa do ataque foram brindadas com murros explosivos em suas dentaduras, estilhaçando-as, enquanto cuspiam sangue de modo profuso de suas bocas nojentas! Sem parar, o Gatão fez o que prometera! Aplicou nas bundas das raposas chutes tão fortes que aqueles seres infelizes vomitaram o que tinham e o que não tinham em suas entranhas! A violência dos chutes era tão grande que aquelas criaturas lançavam aos ares, fortes alaridos tristemente lamentosos devido a uma dor espantosa! Inominável! E desta forma, o felino gris expulsou os intrusos! Varreu-os dali como se varre lixo! Deixou as raposas do deserto estendidas, inconscientes a alguns metros da fogueira acesa! O Gatão resolveu se retirar! Sem olhar para trás, afastou-se, não sem antes apagar a fogueira! Muitas horas depois, as raposas despertaram, gemendo! E se quiserem saber, antes da aurora estavam mortas! Hemorragia intestinal e impossibilidade de evacuar!

 

        Alta madrugada! Sentindo-se seguro, o Gatão fez um novo acampamento, acendeu outra fogueira e resolveu descansar um pouco, até o amanhecer. Desta vez, seu sono foi leve. Ainda assim, sua constituição vigorosa e afeita à frugalidade, no viver, se recuperou o bastante para o felino acordar bem-disposto e pronto para mais um dia de longa caminhada! Sua aparência não era das melhores! Suarento, cabelos longos, balouçando soltos, ao vento quente daquele descampado averso! Roupas em estilo militar, sujas, rasgadas em vários pontos e empoeiradas! Aquelas vestes lhe foram dadas por Lena e pertenceram a Nero, o pantera-negra, amado da intrépida onça, morto em combate! Os pés, dentro das pesadas botas estavam em brasa! Mas o Gatão ignorou este incômodo, somado a uma miríade de desconfortos físicos. Tal situação, por certo, enlouqueceria qualquer outra criatura, dita civilizada! Ele sufocara dentro de si, quase todos os preceitos de uma Civilização que deixara de existir, há muito! É claro que havia muita coisa da realidade anterior, ainda arraigada nele! Não se tornara totalmente uma fera selvagem e desapiedada! Mas não teria comiseração com quem quer que tentasse lhe fazer mal, ou matá-lo! Jamais mataria por matar! Jamais se alegraria em fazê-lo, em qualquer tempo! Porém, entre sua vida e a de outrem, naqueles tempos mais que bicudos, o Gatão não hesitaria em fazer o que fosse preciso para sobreviver! Não havia mais lugar para dúvidas, ou remorso! Imperava, a Lei do mais forte!

 

        Por cinco dias consecutivos, o felino cinzento caminhou sem direção definida! Depois das raposas, não encontrou mais nenhum ente, a não ser alguns pequenos lagartos cor de âmbar que o evitavam, afastando-se velozmente quando vistos, nas horas claras! Quando caía a noite, a solidão silente do deserto era mais opressiva do que nunca!

        Para não dizer que nada aconteceu, naqueles dias, certa noite, o Gatão foi visitado por um escorpião de porte médio, o qual entrou sorrateiramente na tenda do felino! Mais uma vez, o sono superficial e os instintos agudos do Grande Gato foram providenciais no sentido do Gatão ter podido ver o raiar do dia seguinte! Quando o aracnídeo enterrou seu ferrão mortal, onde deveria estar sua vítima, deu com “os burros n’água!” A coisa foi premiada com um soco poderoso em sua cabeça destituída de pescoço, sendo seu corpo compacto lançado lá fora! Tombando como bosta, no solo pedregoso, o escorpião escabujava, tentando erguer-se! Zé Gatão saiu da tenda, em tempo de ver o adversário aprumar-se! O Gatão acercou-se do escorpião, atento ao ataque de seu ferrão! O invertebrado não se fez de rogado! Atacou, dando ferroadas a torto e a direito, sem contudo alcançar o mamífero que evitava agilmente as investidas de seu implacável verdugo! Em um movimento repentino, Zé Gatão abaixou-se e recolheu do chão um pedregulho! Com ele atingiu violentamente a cabeça do oponente! O impacto devastador rachou a carapaça escura exatamente no ponto visado pelo felídeo! A esta pancada, outras se sucederam! O Gatão batia com toda a força de seu braço musculoso! Ao mesmo tempo, deu um pisão no ferrão, quebrando-o! O guincho de dor, expelido pelo órgão fonador do aracnídeo foi indescritivelmente macabro! O Gatão empurrou brutalmente o parente das aranhas, derrubando-o de costas na poeira! Seu braço se ergueu, segurando com firmeza o pedregulho!

O escorpião gritou algo em sua língua incompreensível! O braço do felino desceu e o pedregulho bateu uma, duas, muitas vezes mais contra aquela cabeça luzidia! A potência dos golpes, simplesmente a destruiu com se fosse feita de papel! O resto de vida que ainda existia no escorpião, se esvaiu rapidamente! Em seus estertores finais, antes da morte o tirar permanentemente de cena, o invertebrado tentou desesperadamente, em um ato reflexo, agarrar seu algoz com suas pinças enormes, mas, com o término da energia vital, só conseguiu abri-las e fechá-las de maneira inofensiva, e tentar apertar um dos braços do felino, com a força de uma larva inerme! O Gatão, só parou de bater quando daquele ser sob ele, só restou uma papa informe e em nada semelhante a um ente que um dia, já viveu!

        Horas mais tarde, enquanto aguardava insone o amanhecer, o Gatão de repente, entregou-se ao pranto! Chorou! Não por si mesmo, mas pelo que o mundo se tornara inexoravelmente! Sempre fora só! Podia contar os verdadeiros amigos e verdadeiras amigas nos dedos da mão! Onde estavam eles? Onde estavam elas? Naquele momento, mais do que nunca desejava ter alguém para acalentar e que o acalentasse! Mas não havia! Talvez nunca mais houvesse! Oh! Que realidade era esta, onde se ele encontrasse outro ser vivente em seu caminho precisaria brigar contra esta criatura e quase com certeza matá-la?! Com as costas da mão, o felino procurou enxugar o rosto banhado em lágrimas! Começou a pensar nos seres que matara, até ali! Será que deveria ter deixado abandonadas à própria sorte, as raposas do deserto? Mesmo o escorpião, representante de uma espécie abominável, merecia o fim que teve? Enquanto se martirizava e novamente chorava, seu lado racional lhe deu uma resposta que soou como um tapa, em sua alma fragilizada! Sim! Teve que aniquilar a todos! Ou do contrário, no caso das raposas, seria torturado, assassinado e seus poucos pertences roubados! A esta hora seu cadáver estaria jogado na poeira! Pronto para servir de pasto para as feras da terra e do ar! Quanto ao escorpião, este ofertaria um fim ao felino que seria com certeza, mais lento e sofrido! Seria o gato, Inapelavelmente liquidado pelo veneno letal do desalmado celerado de oito patas! E concomitantemente, suas carnes seriam consumidas pelo escorpião em um horrendo banquete noturno! Consciente desta verdade, o Gatão foi se acalmando! Silenciosamente, ele serenou de vez! Felizmente, em seu âmago tinha sobrado algum sentimento, alguma compaixão! Ainda não se tornara completamente, mais um monstro entre monstros! Não ainda! Em verdade, lutaria contra tudo e contra todos, mas os seus princípios de conduta que lhe eram tão caros, jamais seriam corrompidos pelas adversidades! Jamais!

        Pouco antes do amanhecer, o Gatão desmontou seu acampamento e se lançou à frente! Mesmo sem saber para quê, seu instinto o impelia sempre adiante! Estava alimentado pelo consumo prévio, dos cactos cozidos! Deixara alguns crus, para que deles pudesse extrair água!  

Deixara alguns crus, para que deles pudesse extrair água! 

Tomara “emprestado” de uma das raposas um Keffiyeh, para proteger a cabeça do calor de um sol inclemente! Ajeitara sua cabeleira acinzentada, o melhor possível, sob aquela ótima proteção para o cocuruto, embora uma parte de seus cabelos ficasse exposta, a se agitar no vento quente! Não tinha mais a intenção de voltar a prendê-los no seu costumeiro rabo de cavalo! Inconscientemente, de alguma forma, achava que não tinha mais sentido, o fazer! Não, naquele mundo de distopia extremada!
    No meio da tarde causticante, localizou adiante, umas ruínas, do que fora provavelmente, uma cidade de porte médio! Agora não havia mais referências! Não existiam estradas, ou ruas e muito menos placas! Daquela urbe, só sobraram algumas estruturas inteiras, mais parecidas com peças gigantescas de um quebra-cabeças quebrado! A audição apurada do felino casmurro, captou uma voz lamentosa, seguida de outras vozes em tom agressivo e irônico! Moveu-se então, com cautela, protegido por umas dunas que se elevavam à sua direita! Daquele esconderijo providencial, firmou sua vista aguda e seu olfato sensível, identificou os personagens, bem antes de Vê-los com maior clareza. Farejou os desagradáveis cheiros de abutre e do suor acre de chacais! O que viu, fez seu sangue ferver nas veias! Um grupo de cinco chacais torturava uma abutre fêmea, um filhote jazia estripado no chão a poucos passos da cena grotesca! Os chacais eram chefiados por uma fêmea taluda, de musculatura sem exagero, mas sólida! Os demais eram mais magros, em comparação a líder. Aquele bando de canídeos usava roupas meio esfarrapadas, de ar encardido e gasto! A abutre, e o filhote morto estavam despidos! A pobre criatura alada apresentava sinais de espancamento severo! Antes de agir, o Gatão observou bem os arredores e a quantidade de adversários! Notou que ninguém portava armas de fogo e sim, porretes pesados e facões! A Líder chacal segurava ameaçadoramente, um alfanje, de um tipo que se assemelhava a uma espada curva, de lâmina grande. O Gatão ouviu atentamente o diálogo, a seguir, com os músculos do corpo maciço, retesados, como molas, prontas a explodir em ação e contidas a custo!

    A voz da líder, era um ronco carregado de desdém, misturado a um ódio quase palpável!

– Ave maldita e fedorenta! Não sabe o prazer que vou ter em te eviscerar aqui e agora! Sua filha de uma puta! Carniceira, desgraçada! Você e seu imundo filhote caíram no meu truque! Ao verem do alto, os meus chacais caídos, já desceram rapidamente na intenção de devorá-los, sem piedade! Mesmo que ainda estivessem vivos, não é mesmo? Responda, carniçal dos diabos! Responda!



– T-tudo que queríamos…era sobreviver…! Como vocês…!
– Sua nojenta! Podre! Ouviram isto, pessoal? Esta porra ainda tenta justificar, o injustificável! Você e sua raça se aproveitam de animais fracos e moribundos que não podem se defender! Às vezes os infelizes ainda não estão mortos e vocês começam sua refeição macabra, bicando os olhos! Eu estudei sobre vocês na escola, há uma pá de tempo pra trás! E o pior! Eu já vi este horror! Puta merda! Não sou ignorante! Antes da Guerra, eu tinha uma vida decente! Mas chega de falar, sua praga infernal! Já mandei teu moleque pras profundas! Agora será você! E parem de rir, seus palhaços! Ou se verão com o meu alfanje! - As risotas dos chacais silenciaram e amedrontados, aguardaram! A fêmea de chacal ergueu furiosamente, sua arma letal, no intuito de desfechar um golpe destruidor contra sua vítima! Esta fechou os olhos, conformada e sem esperança de viver! Porém, um grito forte e áspero interrompeu o movimento de ataque da cruel algoz!
– Pare aí mesmo, saco de merda!
– Quem ousa?! O que? Um felino? Que gracinha! Pra cima dele, rapazes! O que estão esperando? Matem-no, idiotas!
– M-mas você viu, o tamanho dele, chefa…?

– O gato é grande pra caralho! Puta que me pariu!
– Acho que é demais para gente…!
– Acho que não dá…! É um lince! Estes bichos são foda!

– Malditos idiotas! Tão se borrando nas calças?! Andem! Acabem com ele! Ele nem arma, tem e vocês são quatro! O felino é só um! Vão pra cima dele, ou eu corto fora, o saco de vocês! Ataquem!


         Engolindo em seco, os quatro chacais se acercaram do Gatão que se aproximara de forma impetuosa e decidida! Um dos cães selvagens se adiantou, dando um golpe amplo e giratório com seu porrete! Se atingisse seu objetivo, Zé Gatão teria a cabeça arrebentada! Só que para azar do indivíduo, atingiu o vazio! Em um movimento rápido, o Gatão agarrou o braço armado do oponente e puxou-o com tanta força, que o sujeito deu um urro de dor, tendo a sensação que os tendões de seu membro direito iam ser seccionados, ali mesmo! Imediatamente, uma brutalíssima joelhada na cara, além de destroçar o focinho, a dentição, junto com um forte esguicho de sangue, calou para sempre aquele ser ignóbil, mergulhando-o nos abismos escuros da própria morte, devido à potência do impacto! Os demais, nem tiveram tempo de se surpreender! O Gatão desabou sobre eles como uma tempestade de sopapos pesados! Melhor seria para eles, se tal fenômeno

 fosse apenas de areia! Os punhos do felino eram como bate-estacas poderosos! Murros certeiros no meio das fuças! Nos olhos! Nas orelhas! Cutiladas fortíssimas na garganta! Chutes e pisões nos testículos! O último deles, teve o pescoço torcido como o de uma galinha! Só sobrou a fêmea com o alfanje! Ela se voltou para o Grande Gato! Em um ataque selvagem e alucinado, gritando alto, ela se jogou sobre ele, brandindo a arma com extrema perícia! O felino cinzento saltou de lado, enquanto se abaixava e pegava um dos porretes, deixados por seus adversários, agora defuntos! Empregando toda a força de seu braço, lançou-o, na direção da antagonista! O porrete acertou-a bem no meio da testa ampla, mandando sua alma abjeta para o mesmo local, para onde pretendia enviar a fêmea de abutre! Sua carcaça foi para trás como um joão-bobo e é claro, não voltou à posição inicial! Caiu para não mais erguer-se! Ficou aplastada como um monte de bosta, no solo pedregoso do deserto infindável! O Gatão ignorou aqueles cadáveres e foi logo prestar assistência à fêmea de abutre ferida! Ela o olhou com um brilho de agradecimento, o qual o Grande Gato jamais pensou em ver no rosto de uma ave daquelas!
– Aguente firme! Eu vou cuidar de você!
– Não…! É muito tarde! Quebraram minhas asas! Meu filhotinho está morto! O estriparam ainda vivo! Sem piedade…! Diante dos meus olhos! Nunca pensei…que seria grata a um mamífero…! Mas você ainda pode fazer mais uma coisa por mim! Acabar com meu sofrimento! Sei que pode! Com sua mão redentora, me dará a paz! Aí, eu poderei me reunir ao meu filhotinho! Coragem! - O Gatão nada mais disse! Compreendeu o que precisava fazer. Tirou o alfanje da mão crispada da finada fêmea de chacal!
    O Gatão ergueu a lâmina acima da cabeça e decapitou a abutre em um único golpe! Julgou ver um vislumbre de gratidão, naqueles olhos mortiços e um último sorriso a iluminar aquele rosto destruído pelos violentos, desta terra, sem Lei! Enterrou os chacais mortos, ali mesmo, onde com eles lutara. Quanto à fêmea da abutre e seu filhote, enterrou ambos no interior das ruínas e resolveu ficar no local para passar a noite.



ZÉ GATÃO - A BUSCA - Parte 2 (Um conto escrito por Luca Fiuza)

 A BUSCA – Capítulo 2: O crepitar da fogueira era o único som audível, no silêncio da gélida noite do deserto. Sua luz bruxuleante, iluminav...