segunda-feira, 17 de junho de 2013
A EMPREGADA DO ALEIJADO.
As coisas que acontecem na minha vida. Bem, na vida de todos, não há quem não passe por uma "saia justa" vez ou outra. Não fazia tanto tempo que eu residia aqui no Jaboatão (PE) e me sentia bastante infeliz e mais uma vez, sem perspectivas; mesmo ciente das bençãos e promessas de Deus, sou assim, um tanto inclinado à depressão, minhas artes são uma forma de escape, algo concedido por Ele para me ajudar a atravessar os desertos da vida.
A saga Zé Gatão - Memento Mori estava recém concluída e eu havia feito umas cópias em xerox para não ter que manusear os originais, encadernei a história em três tomos, pois faze-lo em um único bloco de mais de 400 páginas ficaria complicado.
Eu havia iniciado amizade com um rapaz que trabalhava numa loja de revistas na avenida próxima à praia, e vez por outra eu aparecia lá para ver as novidades e bater um papo, não é com todo mundo que gosto de fazer isto.
O referido amigo tornara-se fã do Zé Gatão, adquirindo os dois primeiros álbuns, assim, certo dia, munido do primeiro encadernado da nova história, fui até lá para mostrar a ele. Havia, naquele horário, pouco movimento na loja, um indivíduo olhava alguma coisa num canto. Embora meu colega fosse um tanto reservado, seu entusiasmo diante dos meus quadrinhos me contagiou e passamos a conversar animadamente sobre as cenas da narrativa e planos que eu tinha para a publicação. Vez ou outra entrava um cliente e eu me afastava, quando a pessoa ia embora reatávamos o colóquio. De repente, o cidadão que estava por ali "bicando" as revistas atravessou bruscamente à minha frente e bradou com violência: "FRANCAMENTE, CARA, ISTO NÃO É LUGAR PARA BESTEIRAS, FAÇA-ME UM FAVOR! SE NÃO TEM O QUE FAZER, DEIXE OS OUTROS EM PAZ! VÁ CONVERSAR ASNEIRAS EM OUTRO CANTO!"
Era um velho magro apoiado numa bengala, usando óculos demodê, com os cabelos bastos pintado de um marrom encardido, tinha uma pele macilenta de uma palidez cadavérica. Era como se o tivessem desenhado sobre um papelão avelhantado e recortado os contornos com uma tesoura rombuda e só permanecesse em pé auxiliado pelo bastão. Jogou um jornal sobre o balcão e me ignorou, pagou e arrastou-se à saída. Eu e o colega, tomados de surpresa ante a iracúndia verbal do macróbio, ficamos sem reação. Tudo levou segundos mas aquelas palavras pareceram-me um longo discurso. Bem, da minha parte, não tenho o hábito de destratar ou espancar velhotes falastrões, mas vontade não me faltou. Calei-me, sentindo algo entre a fúria e o constrangimento. O rapaz da loja disse que teve vontade de retrucar, mas não teve presença de espírito.
"Quem é esse sujeito?" Perguntei.
"Esse cara é um filho da puta, rapaz! Uma das pessoas mais arrogantes que conheci. Trata todo mundo como merda. É um jornalista do Diário de ...."
"Escreve sobre o quê? Economia? Política?" Quis saber.
"Nada, é da coluna que fala sobre a sociedade, pessoas proeminentes de Pernambuco."
Lembrando isto hoje, até encontro explicação para o comportamento ultrajante do aleijado, muitas vezes também me aborrecem certas conversas efusivas em ambientes inadequados, mas a diferença é que eu jamais procederia daquela forma, se estou incomodado, me retiro.
O assunto não ficou esquecido, tanto que tempos depois um outro moço que trabalhava na loja, ao conversar com um indivíduo frequentador do lugar disse: "Hei, fulano, o Eduardo já teve problemas com aquele velho, sabia?"
"Mesmo? O que aquele escroto aprontou com você?" Quis saber o fulano.
Contei o ocorrido e indaguei se ele conhecia tão abjeta criatura.
"Se conheço? Aquele cara é um merda! Um veado trambiqueiro, fiz um serviço para ele e até hoje não me pagou! Não adianta cobrar. O cara aluga umas minas de programa pra irem ao apartamento dele, faz umas orgias muito loucas, sabe!?"
Já topei com o velho no mesmo lugar outras vezes, mas para evitar confusão, é ele entrando e eu saindo.
Não tem tanto tempo fui a um mercado de frutas e legumes que fica perto de onde moro e lá estava o aleijado, próxima dele, uma moça na faixa de uns 30 anos, um corpo absurdamente bem feito, cabelos pintados de louro e esticados na chapinha, escolhia umas hortaliças. De mim pra mim mesmo, não pude deixar de perguntar: "Namorada? Empregada?" Soube depois que era a diarista dele.
Aquele sujeito e aquela moça era uma cena tão improvável que cheguei a pensar se não daria uma boa história em quadrinhos. Mas, sinceramente? Não me senti inspirado. Hoje me ocorreu este post. Só isso.
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Vixe, aí também tem esse tipo de maluco estressado, é? Na passagem de 2010 pra 2011, meu marido e eu estivemos em Recife, conhecemos algumas cidades próximas e fomos até Caruaru. As pessoas foram muito legais, sem a agressividade à flor da pele que se observa aqui no interior de São Paulo. Por outro lado, o velho da sua história não é só estressadinho, é mau caráter. Xô, assombração! :D Abraço!
ResponderExcluirPois é, Carla, esse tipo de gente tem em todo lugar; certa vez em 98, em Brasília, estávamos eu e um amigo numa fila de um supermercado, quando um velho, com um corpinho tipo pera, de repente, vindo de algum lugar, esbravejou conosco acusando-nos de ter passado na sua frente, que não respeitávamos os direitos dos idosos, tentamos argumentar que quando chegamos na fila não havia ninguém à nossa frente, mas o vetusto cidadão nem quis saber, colérico e aos berros, falou que ia chamar a gerencia e até a policia se não saíssemos dali. Revoltado, mas comedido, eu ainda quis pagar pra ver, mas meu amigo me puxou dali.
ExcluirUm abraço.
Rapaz, o desenho ficou bem apropriado e espirituoso, kkk. Difícil lidar com tipos assim. Resta apenas torná-los matéria prima para nossa arte.
ResponderExcluirUm grande abraço,
Opa, legal que cê reparou no espírito da arte, e não apenas na arte em si, ou somente no texto. As vezes acontece de alguém só focar num aspecto da postagem quando arte e texto se complementam.
ResponderExcluirDeixemos os estressados pra lá e sigamos em nossa luta.
Obrigado, Gilberto.
Abração.