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terça-feira, 10 de novembro de 2015

A NOITE DA TIGRESA ( Um conto de Luca Fiuza sobre o UNIVERSO ANTROPOMORFO criado por Eduardo Schloesser)


A NOITE DA TIGRESA 
        
Fazia quase um ano que Zé Gatão estava trabalhando naquela fábrica de alimentos da rede Appetito, grande fornecedora de supermercados, restaurantes e bares da cidade de FENELONIA, dos mais chiques aos mais popularescos. FENELONIA era uma cidade industrial média, poluída e fedorenta que também concentrava fábricas de automóveis e algumas importantes refinarias químicas. As águas dos rios próximos eram poluídas e mortas. A água consumida pela população tinha que ser processada mil vezes antes que se tornasse algo potável. Do solo estéril nada mais frutificava há muito. Verduras, frutas e outros gêneros de necessidade eram importados e caríssimos. Appetito fornecia alimento fresco para seus clientes endinheirados, dentre eles o Governo a preços superfaturados. Um grupelho saía sempre ganhando. Para o povo que não podia comprar comida de verdade sobrava um alimento sintético vendido a preços módicos em supermercados populares da mesma rede Appetito que tinha o nome irônico de hipermercados A Boa Mesa, já que a tal comida sintetizada de refugos artificiais era uma imitação barata da comida verdadeira.  Como não conhecia outra coisa, o povo comia sem reclamar e até gostava.
Zé Gatão conhecera há algumas noites uma belíssima tigresa em um dos muitos barzinhos da cidade que frequentava com colegas de trabalho depois do expediente. Ela era de fora da cidade. Gato e tigresa passaram a sair juntos. Vários gatos que trabalhavam e saíam com o felino taciturno na noite ficaram enciumados e cortaram relações com Zé Gatão, o que no fundo para ele era um favor. Em sua maioria aqueles felídeos não passavam de um bando de desmiolados que ficavam mais idiotas ainda depois de uns copos de cerveja.
Na noite em que o felino macambúzio conheceu a tigresa ele estava com uns colegas  de trampo entornando umas cervejas em um dos barzinhos mais movimentados da cidade. A postura circunspecta e ponderada de Zé Gatão chamou a atenção daquela gata selvagem e imponente. Corpo ágil, forte e musculatura trabalhada sem grandes exageros. Usava uma blusa verde justa de mangas curtas que delineava suas formas. Um colete de brim azul escuro completava sua indumentária. Levantou-se de brusco. Uma calça preta justa mal escondia a poderosa musculatura de suas pernas. Sua figura respirava sensualidade e autodomínio. Ela logo se aborreceu com as pilhérias e a abordagem barulhenta dos colegas de Zé Gatão que se aproximaram da mesa dela sem convite. Sua cauda oscilava como sinal de sua irritabilidade.  Zé Gatão não acompanhou os indelicados e turbulentos colegas, ainda vestidos em roupas de trabalho que evidenciavam sua musculatura pesada de trabalhadores braçais. O felino cinzento deixou-se ficar no balcão bebericando sua cerveja estupidamente gelada. Notara o olhar daquela fêmea interessante em direção a ele, devolveu o olhar, mas manteve-se em uma postura discreta. Falando alto e soltando muitos palavrões, os companheiros de trabalho de Zé Gatão cercaram a mesa da tigresa, convidando-se desaforadamente para sentar com a linda fêmea. Com um olhar granítico, ela avançou e passou entre dois dos inconvenientes felídeos demonstrando a intenção de ir ao balcão. Uma mão rude a segurou pelo braço e com um tom de voz sarcástico indagou onde “a gatinha pensava que ia”. Era um gato malhado de físico quadrático e largo. O bafo de cerveja misturado com cigarro barato era nauseante. A tigresa nem se dignou a olhar para aquele néscio. Em um movimento rápido deu uma violenta torção na braçola daquele infeliz, fazendo-o curvar-se enquanto um urro feio escapava de sua goela. Calou-o com uma cutilada na nuca que atirou aquele palhaço no mundo dos sonhos! Surpreendidos, os amigos do desafortunado pensaram em dominar aquela fera e dar-lhe uma boa lição, mas o olhar penetrante e feroz que a tigresa lhes lançou, amedrontou-os profundamente. Tal fato soltou inesperadamente os esfíncteres daquela súcia, forçando-a a correr imediatamente ao mictório do estabelecimento.
Zé Gatão observou tudo e não deixou de impressionar-se com os movimentos, a segurança e a habilidade da fêmea de tigre que caminhava maciamente em direção a ele. Pelo seu estilo de luta, ela provavelmente pertencia ou pertencera às Forças especiais de alguma das forças armadas. Zé Gatão ficou ainda mais interessado naquela fera sensual. Conversaram um pouco e resolveram procurar outro local. O felino não deu ouvidos ao chamado dos colegas que queriam saber aonde ele ia. A tigresa perguntou se aqueles imbecis eram seus amigos. Zé Gatão respondeu laconicamente que não e dali saíram para uma boate barata, onde tomaram um vinho tinto vagabundo e comeram daquela comida sintética que engoliram com grande esforço.
Estavam namorando há quase um mês. Certa noite, a tigresa convidou o felino taciturno a ir a um motel de luxo. Constrangido, Zé Gatão disse que não tinha dinheiro para pagar uma noite em lugares assim. A tigresa riu e disse que ela pagaria. Zé Gatão objetou veementemente. A tigresa disse para ele deixar de ser antiquado. Puxou-o pelo braço. Tomaram um táxi e se dirigiram para os bairros nobres.
Em meio a lençóis limpos e perfumados os dois se amaram intensamente. Esgotados, dormiram profundamente, abraçadinhos.
Por volta das quatro horas da manhã uma estranha sensação acordou Zé Gatão. Alerta ao máximo, sentiu um corpo pesado sobre o seu. A tigresa estava em cima dele no escuro. A visão aguçada do felino percebeu o braço erguido no escuro que trazia na mão uma enorme faca de caça. Instintivamente, o felino segurou aquele braço, dono de uma força impressionante. Lutou desesperadamente, enquanto a lâmina se aproximava de sua garganta. Empurrou com força e lançou sua atacante para longe si. Ouviu-a cair no chão fora da cama. Em um movimento brusco, o felino acendeu o abajur de cabeceira e sua luz iluminou fracamente o ambiente. Neste ínterim, a felina feroz já estava de pé. Zé Gatão estava também em pé na cama, ambos nus. Duas figuras vibrantes de energia e tensão. A tigresa saltou na cama de faca em riste. Zé Gatão evitou o golpe e a derrubou na cama, ficando por cima dela. A tigresa era uma profissional em luta corporal e tentou dar uma cutilada no pescoço do gato. Mas ali não havia nenhum amador. Ele a dominou rapidamente, cingindo-a em uma mata leão poderoso, tirando violentamente o ar dos pulmões de sua oponente.
Afrouxando um pouco a pressão, o felino quis saber o motivo do ataque. A resposta da fêmea feroz foram roncos sufocados. Zé Gatão voltou a pressionar, privando por instantes preciosos que o ar enchesse os pulmões da tigresa e oxigenassem seu cérebro. Debateu-se forte e inutilmente. Logo perdeu os sentidos.
Quando acordou estava manietada à cama com lençóis e a boca amordaçada com a fronha de um dos macios travesseiros.  Rapidamente, a mordaça foi tirada da boca da tigresa e falou mais com tristeza do que com raiva:
- Por que fez isto? Pensei que a gente se amava.
- Zé...! Me mata!
- Que?! Você é louca?! Vou deixar você aqui. Quando vierem limpar o local vão te achar.
- Se você não me matar agora, vou te caçar até no Inferno! – Zé Gatão não respondeu, Recolocou a mordaça e saiu silenciosamente do o hotel e da cidade. Uma tristeza profunda era sua única companheira.
  Em uma nova cidade cujo nome não importava, Zé Gatão despertou em seu quarto pequeno, abafado e malcheiroso da sórdida pensão em que vivia há semanas. Ficava em um bairro de má fama de ruas sujas, estreitas e mal iluminadas à noite. O dia acinzentado e frio aumentou o estado depressivo que havia tomado o espírito de Zé Gatão desde o episódio com a misteriosa tigresa. Foi para o trabalho sem vontade. Por ele teria ficado indefinidamente na cama, mas precisava trabalhar para sobreviver. Apesar do desânimo, assim que chegou, bateu o ponto e desempenhou com afinco sua obrigação, manejando com destreza a empilhadeira, transportando as pesadas sacas de café para uma área determinada de armazenamento.
 Na hora do almoço, comeu como sempre, solitariamente. Preferia assim, e os colegas não o incomodavam. Achavam-no estranho e reservado. Evitavam-no. No entanto, Zé Gatão trabalhava bem e o patrão não tinha queixas dele. O salário não era dos melhores, mas acostumado à frugalidade, o felino taciturno sobrevivia razoavelmente bem dentro de suas precárias condições.
  
Ao fim do expediente, tomou o ônibus que o levaria ao bairro tristonho onde se localizava a pensão abjeta. O felino trazia sob o braço um jornal que comprara pela manhã no caminho do trabalho, mas que não tivera tempo de ler. Entrou na pensão e mal cumprimentou a senhoria, uma velha cadela de roupas encardidas, lenço na cabeça e ar antipático. A velha rosnou algo incompreensível em resposta ao arremedo de saudação do inquilino e cada qual foi para o seu canto, o mais rapidamente possível.
A principal manchete do jornal falava do estranho caso de uma bonita e atlética tigresa que fora encontrada amarrada em um dos quartos de um luxuoso motel de um dos bairros nobres da cidade de FENELONIA. O mais impressionante foi que ao ser solta pelo camareiro que a encontrou ao amanhecer, este foi brutalmente morto por um golpe na garganta que triturou sua traqueia. Depois deste ato insano, a felina bestial desapareceu sem deixar vestígios. O camareiro era um peru. Deixou viúva uma fêmea e três filhos sem pai. A família ficou na miséria, pois seu magro salário mal dava para sustentar a ele e aos seus, enquanto o desafortunado vivia. Falou-se da presença de um grande gato cinzento que chegara junto com a tigresa, mas sobre este indivíduo também não havia nada de concreto. Desaparecera e supostamente havia amarrado a felídea à cama. Uma faca de caça foi encontrada no local e as digitais da tigresa estavam nela. A polícia não tinha pistas e se achava totalmente perdida.
Zé Gatão terminou de ler a matéria, boquiaberto com a ineficiência da polícia de FENELONIA. Melhor para ele! Não seria procurado, já que nem fora adequadamente identificado. O perigo maior residia na estranha felina que com certeza acabaria por encontrá-lo. Bem, desta vez não fugiria.  Enfrentaria seu destino de cabeça erguida.



8 comentários:

  1. NÃO!!!! Cadê o fim??? :) Vou morrer de curiosidade até o próximo post. Parabéns, Luca! Fisgou a atenção dos leitores lindamente. A descrição da cidade também foi ótima. Gostei do desenho da tigresa G.I. Jane, Schloesser. Eu teria medo dela. Muito medo. Abraços pra vocês!

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    1. Continuação?!? Mas quem falou em continuação, Carla? Isso nem passou por nossas cabeças! Brincadeirinha! A continuação será postada no início da próxima semana, se Deus quiser, só preciso fazer um desenho rápido antes para ilustrá-lo. Fico feliz que a história tenha te agradado, assim como o desenho. Tenho que ressaltar que fiz esta arte da personagem a pedido do Luca, que queria ver como ela sairia segundo a minha visão, não que o conto não merecesse, mas somente porque estou atrasado demais (como sempre) com o novo álbum de anatomia.
      Concordo com você, uma fêmea louca e furiosa como esta dá medo mesmo!

      Muito obrigado pelas palavras e um grande abraço.

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  2. Acho que o Luca pegou perfeitamente o estilo de história do Zé e escrita do professor Schloesser. Saiu-se muito bem! Ah, Eduardo, agradeço vc ter lembrado de mim e me avisado que o conto estaria aqui. Desculpe a demora no meu retorno sobre a postagem! :)

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    1. Não podia deixar de avisá-lo Everton, afinal sei que você curte as aventuras do felino e podia passar batido no blog. A parte final deste drama já está no ar e semana que vem teremos mais um conto por aqui, se Deus quiser.
      Abração e obrigado pelo comentário.

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  3. Mais um conto fantástico do Grande Mestre Luca Fiuza. Estou adorando curtir os episódios. A arte da tigresa é show de bola! Parabéns a essa dupla dinâmica!! Abraços!!!

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    1. Obrigado pelas palavras, Paulo, é bom saber que este universo antropomorfo está te empolgando. Ainda tem muita coisa pra ler, inclusive as histórias em quadrinhos do Zé Gatão, que foi onde ele começou.

      Abraço e volte sempre.

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  4. Wow - aventuras emocionantes. Apenas a tradução não é muito bom.

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    1. Tank you very much, Mira!

      Você ainda vai aprender o português e vai conseguir ler essas aventuras sem precisar de tradutor.

      Grande abraço.

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