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sábado, 18 de maio de 2019

MINHAS BOAS LEMBRANÇAS DE ALVARADO E MEMORIAS AMARGAS DO DEPUTADO ( Parte 1 de 2 ).


Essas recordações me alcançaram e me abraçaram esses dias sei lá porque. Foi logo nos primeiros anos de nosso retorno a São Paulo. 92? Por aí. Comumente faço nesses relatos eu altero nomes para evitar possíveis dissabores.

Uma noite qualquer daqueles dias frios, o Dr. Rui (esse nome é real e ele nunca foi doutor, só era conhecido assim) convidou-nos, meu pai e eu para uma palestra a ser realizada em um lugar - que agora não lembro onde - sobre o Amazonas. Seria naquela noite mesmo. Estou em dúvida aqui se o Rodrigo (meu irmão caçula) e minha filha também foram, creio que sim, mas isto não é relevante. A tal palestra foi de uma chatice de dar dó e eu, como sempre, não sabia o que fazia ali, imperava em mim desde sempre aquele desejo de estar só comigo mesmo, lendo ou ouvindo música, com sorte, desenhando; a arte em mim só era prazer quando ela vinha exigindo ganhar vida.
Muito se falou naquela noite sobre os perigos que a Amazônia sofria nas mãos dos gringos que vinham explorá-la e toda a discussão que segue até hoje. Eu, depois de um tempo, em situações assim, me desligo, olho e ouço as pessoas, entendo o que elas falam mas meu espírito começa a viajar para outros lugares buscando oxigênio. Discorreu muito, um cara que se dizia político combatente contra o regime militar, deputado por um partido que não lembro mais qual era, um tipo forte, cabeça branca, eloquente e natural do norte, claro, que alcunharemos de Osmário. Ele era sempre acompanhado de uma moça loira muito bonita que dizia que era filha dele. Terminado sua preleção, tomou a palavra um indivíduo alto, magro, de óculos de grau forte com cabelos pintados de preto e penteados de lado com gel, a quem chamaremos de Alvarado. Usava sempre uma luva na mão esquerda (penso que era a esquerda, mas podia ser a direita, me perdoem). Acho que outros também tomaram a palavra. O que lembro é que meu pai pagou um mico dos grandes naquela noite, ele ficou em pé no meio da plateia presente e propôs que os poucos presentes se apresentassem, dissessem seus nomes, onde moravam e o que faziam, isto, claro, para tornar aquela reunião menos formal. Começou por ele e após a sua apresentação ficaram todos em silêncio olhando-o, sem dizer palavra, então ele se sentou todo sem graça.
Ao final, fomos apresentados ao Osmário e sua filha que conheceremos por Taty. Todos estavam entusiasmados, meu pai, inclusive, por ser natural do Pará, para salvar a Amazônia. O papo pós-palestra era sobre isto. Eu fui introduzido a eles como um artista dos grandes - o exagero de sempre - ao que Osmário replicou que minha arte seria muito bem vinda no projeto de conscientização da proteção do Estado do Amazonas. Só eu não estava convencido disso. Em tempos anteriores eu já havia conversado com pessoas da Funai em Brasília sobre as dificuldades junto às entidades de fazer qualquer coisa em prol disso tudo; eu já me via trabalhando de graça por algo que daria em nada. Mas contrariar meu pai era o mesmo que pedir para o sol não nascer. Por insistência dele, Osmário e Taty vieram parar em nosso pequeno apartamento, na "boca do lixo", naquela mesma noite, para avaliar meu portfólio. Meu pai sempre farejou grana onde não havia nenhuma, mas repito, não era possível dizer isso a ele.
O tal deputado falava sem parar, sempre se justificando, sempre culpando o passado pelo presente ser uma bosta. Argumentava como se discursasse num palanque, sempre com ar muito sério. E a moça bonita do lado dele, empertigada, ouvindo com respeitosa submissão. O cara olhou meus desenhos que naquela época ficavam numa bela pasta para guardar ilustrações em tamanho A4, ou seja, as dimensões de uma folha de xerox, eram artes que eu fazia para estudar, até aquele período eu havia publicado pouquíssima coisa. Olhou, fez elogios mas confessou não ter competência para dizer se meus dons tinham qualidades para figurar no tal projeto, eu seria avaliado pelo Alvarado, que também era artista e este sim, dos bons, segundo ele.
Alvarado veio uns dias depois, não lembro se só ou acompanhado do tal político, ele era bem mais simpático, se dizia pintor primitivista, criador de muitos logotipos de sucesso, inclusive do bombom Sonho de Valsa, fizera no passado capas para as revistas de maior circulação no país, a Veja era uma delas. Mas ele se gabava mesmo era de ter feito uma animação sobre a Amazônia, na verdade a primeira animação sobre o assunto e executara sozinho, levara seis anos na empreitada. Hoje, pesquisando na internet, nada vejo sobre ele e seu trabalho, apenas a informação de que o longa sobre a Amazônia chamado "Sinfonia Amazônica" é da autoria de Anélio Latini Filho. Mas o fato é que eu vi a tal animação certa noite na casa do Alvarado, um filme antigo, preto e branco, celuloide sofrido que emperrava na projetora a todo instante, era amador toda a vida, mas feito com garra, dava pra notar. Mas estou saltando a frente no tempo. Alvarado se impressionou com meus trabalhos e disse que eu era muito bom. 
Osmário estava sempre em casa por aqueles dias, numa dessas ele trouxe um calhamaço escrito a mão, poesias sobre a cidade de Brasília e me pediu para ilustrar. Um grande problema aí: não falou em dinheiro, e esta é a palavra chave que move o artista a dar corpo às ideias de outrem, não a fama, não o prestígio, não a parceria com quem quer que seja, mas o dim dim!
Ele tinha um projeto de se lançar em uma navegação pelo rio Amazonas dentro de uma caravela, se me lembro bem havia algum patrocínio para isto. O objetivo, creio, seria chamar a atenção para as belezas da Amazônia e alertar para os perigos que a floresta sofria nas mãos de exploradores gringos. Queriam me levar neste "passeio" de todas as formas e embora eu ficasse tentado pela aventura, havia muito em jogo, uma filha sempre precisando de dinheiro, no Rio de Janeiro, por exemplo, então declinei. Mas ele deixou seus manuscritos comigo para que eu ilustrasse. Eu juro, não tive interesse na coisa. Não funciona assim comigo, ou me pagam bem (pelo menos 50% adiantado) ou a obra tem que "mexer" comigo para criar de graça e embora eu tenha paixão por Brasília, não nutri simpatia pelo escritor daqueles versos. No entanto, dei uma lida naquelas poesias, não me recordo se eram boas, minha mente tentou esboçar algo para dar um visual àquilo mas meu poço estava seco. Deixei para depois.
A tal viagem pelo grande rio, segundo os planos deles, deveria levar seis uns meses. Saíram de nossas vidas por esse tempo.
Mas o nosso contato com Alvarado se aprofundou. Fomos até a casa dele que ficava (se não estou estupidamente enganado) na Alameda Dino Bueno. Era uma casa de dois andares. Tudo ali cheirava a decadência, a tempos antigos mofados e embrutecidos. Uma bagunça generalizada; o que mais se via eram revistas e jornais velhos empilhados por todos os lados. Para sentar no sofá, cujas molas tentava escapar, tinha que empurrar um monte de revistas Manchete, Cruzeiro e Realidade para o lado. Evidente que faltava a mão de uma mulher ali. Alvarado tinha vários filhos, uns seis, creio, um com cada mulher que passou por sua vida. Naquela casa eu conheci uns quatro, dois homens e duas mulheres, todos adolescentes. O cara tinha sérios problemas de saúde, sendo o mais grave, um diabetes muito alto. A luva que ele usava mesmo no calor era para esconder um dedo amputado por uma trombose.
Seus quadros a óleo estavam pendurados pelas paredes, todos com motivos da Amazônia, por quem Alvarado, nativo de lá, era totalmente apaixonado. Paisagens, lendas e etc. Não fiquei impressionado, como eu disse, respeito a pintura primitivista, mas não é a minha praia, Volpi, pode ser cool para muitos, não para mim. 

Cheguei a fazer duas viagens de carro com ele e alguns de seus filhos, uma para o Rio de Janeiro e outra para Brasília. Mas é tema para a segunda parte desta postagem. Até lá!

4 comentários:

  1. É arriscado e duvidoso ilustrar algo pra algum político ou alguém do ramo. Creio que o único a quem fiz uma ilustração foi o Zézo de Alvorada, dono de uma funerária (que nem um tio meu) e que elegeu-se vereador. Desenhei uma foto dele numa cartolina e em estilo foto realista (claro).

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    1. Meu problema maior, caro Anderson, é com as pessoas que pedem artes para ver se dá em alguma coisa, e se tiver sucesso, só aí o cara me paga. Não tem tanto tempo fiz uma bela página de uma HQ pornô para um cara ver se vendia a ideia para um editor. Se fosse aceita, então ele me pagaria. Seria para um site de sacanagem. Até hoje não tive retorno. Em meus primeiros anos nessa profissão eu tentava de tudo, hoje não tenho mais pique, nem tempo, não faço mais isso. Mas o caso do tal deputado é que não fiquei estimulado com a obra do cara.

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  2. História interessante, Schloesser. Que venha a segunda parte! Abraço!

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    1. Oh, Carla, como eu queria que esta segunda parte viesse logo a seguir, mas estou sem tempo de escrever. Mas espero não demorar para as ideias não embolorarem (comigo é sempre assim). Mas breve virá, espero.
      Abraço e obrigado!

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