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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

OS PRIMEIROS MESES DE 1975

 

 Eu me lembro.

Lembro da dolorosa viagem a um lugar desconhecido, o preâmbulo de uma nova vida. Lembro das nuvens que pareciam imensos chumaços de algodão contrastando com o azul anil de um céu tão claro que por vezes parecia ao alcance das mãos. Recordo da Catedral e do prédio que parecia um H tendo uma bacia de um lado e a metade de um ovo no outro. 

Lembro do pequeno quarto de hotel e da piscina oval. Lembro da copa onde se faziam as refeições e da TV a cores. Lembro do Almirante Nelson, do Capitão Crane e que pela primeira vez eu via o macacão vermelho do Kowalski. Lembro de Kwai Chang Cane em pés descalços em busca de seu irmão desconhecido em um oeste racista e violento.

Lembro do primeiro dia de aula, da bagunça, de meninos ameaçadores que não respeitavam as regras da escola, da sirene de entrada, recordo do bullying, não esqueço da saudade dorida da mãe, da avó e dos irmãos menores. Recordo das lágrimas.

Memoro Faisal, Mequinho e Raul Seixas.

Lembro do Ribamar, o motorista que o ministério designou para meu pai, o motorista que só falava putaria, não posso esquecer que ele via meu pai como um herói, e eu também, o herói que poderia - e deveria - ser o meu melhor amigo.

Lembro de dias luminosos após a aula a espera do motorista na entrada da quadra 104. Como esquecer o dia em que Peter Parker invadiu o Edifício Baxter tentando fazer parte do Quarteto Fantástico? Como não lembrar da comoção que senti quando o cientista que ajudava Tony Stark se sacrificou para que ele tivesse tempo de energizar sua armadura? Lembro de Steve Rogers enfrentando o Capitão América dos anos 50 enquanto Sam Wilson e Sharon Carter detinham um Bucky violento e implacável. Lembro de um Thor arrogante e do confronto entre Namor e o Tubarão Tigre. Rememoro o violento soco que o Rino deu na cara do Hulk e do Shang Chi invadindo os domínios de Fu Manchu, seu pai, para confrontá-lo.

Lembro de One Day In Your Life do Michael Jackson e dos Pholhas. Do garçom que tinha 21 dedos. Como me esquecer dá repulsa que senti ao ver a primeira revista pornográfica?

Recordo da boa comida, do Beto, da Cyntia e de Carry Ann. Lembro das noites sozinho na piscina e da má impressão que me causavam aquelas luzes submersas.  

Lembro sobretudo do dia 21 de Abril, aniversário de 16 anos da cidade, na rodoviária, onde minha mãe, avó, Gil e André (nosso caçula só nasceria em dezembro do ano seguinte) chegavam depois de longo tempo separados. Lembro do sorriso do Gil ao me ver pela janela do ônibus e de como ele ficou sem graça quando acenei para ele. Hoje ele não está mais aqui. Espero pelo aceno dele quando eu for ao seu encontro. Eu tenho essa esperança.









      

6 comentários:

  1. Parecem ser boas memórias de fato. Essas tem muito valor.

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    1. Existem períodos que são impossíveis de esquecer, meu caro, o ano seguinte também me traz boas memórias, assim como o de 1986 e o de 2018. O motivo na maioria das vezes é apenas um, mas vale por todo o resto.
      Obrigado por comentar aqui.

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  2. Respostas
    1. Sim. Foi um período com muitos altos e baixos, como tudo na vida, mas o que recordei daqueles primeiros quatro meses foram muito marcantes.
      Valeu, amigo!

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  3. A primeira vez em que eu vi uma TV em cores foi na recepção de um hotel (uma pensão, pra ser mais exato) em Minas Gerais, eu tinha uns 6 ou 7 anos e ela estava indo, pela última vez, buscar meu pai, que simplesmente abandonara a gente mais uma vez em Goiás e fugira para a casa de parentes mineiros. Menos de um ano depois ele faria isso de novo e minha mãe não foi atrás; quando ele retornou, ela (ao contrário de vezes anteriores) não o deixou entrar na casa que agora era só dela e minha.
    Essas capas de gibis da Bloch sempre aquecem meu coração, numa saudade agridoce de um tempo em que (perdão pelo clichê, mas ele procede) eu era feliz e não sabia.

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    1. Triste relato o seu, lamento sinceramente.
      Minha primeira lembrança de uma TV a cores foi na vitrine de uma loja que ficava bem em frente ao Mappin, próximo ao Teatro Municipal no começo dos anos 70, eu via o rosto do Sérgio Chapelin numa mistura psicodélica de amarelo com laranja, acho que as cores não estavam bem calibradas, não obstante eu fiquei maravilhado.
      A primeira que tivemos em casa era de um tamanho pequeno e foi dada de presente ao meu pai pelo chefe dele no ministério, ainda no ano de 1975. Ali eu pude ver os desenhos "desanimados" da Marvel em todo seu brilho cromático.
      Também sinto forte nostalgia com esses gibis da Bloch, eram mesmo bons tempos.
      Obrigado pela gentileza do comentário.

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