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sexta-feira, 28 de junho de 2024

O DESENHISTA ZUMBI

 As pessoas gentis que eu conheço me perguntam, quando tem oportunidade de falar comigo diretamente, como eu estou. Se considerarmos o fato d´eu ter um teto sobre minha cabeça, fazer mais de três refeições por dia, dormir numa cama confortável, ter água limpa para beber, me higienizar e acima de tudo não estar sentindo nenhuma dor no corpo, eu diria que estou ótimo. Eu aparento estar bem, eu acredito no poder da oração e sei que existem pessoas que se importam comigo de verdade (mesmo que muitas delas não se manifestem) e oram por mim e sei que essas orações tem tido efeito (Tiago 5:16), o Espírito Santo tem me consolado, vivencio isso. No entanto, quando estou só, quando tiro a máscara e me vejo diante de mim mesmo é que sinto o quanto a saudade do André é avassaladora, somada a ausência de Francis e Gil. Imagine um astronauta no espaço, fazendo a manutenção em algum satélite e num instante ele se desconecta do cabo que o mantêm ligado a algum suporte e flutue à deriva no vazio silencioso. É assim que experimento a vida atualmente.

Os que me conhecem de perto, os que leem meu diário exposto aqui, sabem o quanto dependo da minha arte para viver e eu não tenho vontade de trabalhar, meus projetos agora se arrastam. Sento para produzir e fico procurando motivos para não agir, vejo algum vídeo idiota, uma notícia sobre a nojenta política atual, leio alguma postagem curta em rede social (algo que raramente fazia dias atrás), me levanto para beber água, ir ao banheiro e finalmente desisto e não forço a barra. Não tenho mais vontade de me exercitar, nenhum levantamento terra, nem uma flexão sequer. Ando na rua e a mente já não divaga ou imagina situações para um conto ou HQ. Me sinto um zumbi, um morto que caminha. E, detalhe, ninguém percebe, pois não demonstro. Se exponho essas coisas aqui é porque sei que a audiência é invisível aos meus olhos e o desabafo é necessário.

Dois dias atrás a minha sogra me humilhou dentro da minha casa casa, me senti tão mal que falei pra minha esposa que precisava cochilar um pouco, eram umas 15h. Me deitei no escuro mas não consegui dormir. Comecei a ruminar minha vergonha e pensar nos queridos ausentes, principalmente no André, que foi a perda mais recente e o vazio que se apresentou e me abraçou foi colossal. Fiquei a tarde toda ali e se pudesse não teria me levantado mais, havia paz naquela solidão, naquele silêncio, naquela inexistência de imagens. 

E os prognósticos para o futuro não são tão animadores, há coisas que não posso declinar ainda.

Mas como dizia minha saudosa avó materna, tudo na vida passa, o mal e o bem não duram, tudo é cíclico e essa onda de tristeza vai se atenuar. A necessidade pelo pão cotidiano vai falar mais alto e eu terei que movimentar minhas doloridas articulações enquanto Deus permitir.

A arte para mim sempre foi catártica embora na maioria das vezes, tormentosa, a gestação e parto de uma obra para mim sempre foi um suplício pois não sou tão talentosos como muita gente supõe. Como O NASCIMENTO DOS DEUSES, o último volume dos Mitos Gregos (na reta final, faltam umas 15 páginas para concluir) teimava em não se fazer presente no papel, encostei, dei um tempo. Trabalhei mais nos esboços de RASTREADORES DE ALGURES e naquele projeto que envolve a quadrinização de um filme de horror a ser lançado em 2025 (esta HQ, muito, muito atrasada!).

Detalhe do esboço da página 31 de Rastreadores

 
Rascunhão feito anteontem para o quadrinho secreto de horror

Louis Mello, um desenhista e escultor ultra mega talentoso postou em sua rede social e eu achei tão interessante que comentei por lá. Com a devida permissão eu reproduzo abaixo.

 

 Sobre o omnibus do Zé Gatão, não tenho notícias. Silêncio total por parte do editor. Não sou modelo de otimismo, mas como eu disse, provei o que tinha que provar com este personagem, não pensei que chegaria tão longe e estou satisfeito com o que fiz, como um zumbi, não estou me importando com o futuro.

Obrigado a todos vocês, Deus abençoe e até a próxima postagem se ELE permitir.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

10 comentários:

  1. Eduardo meu amigo, não sentir dor carnal já é uma dádiva digna de hinos e louvores, acredite, sei que as dores e torturas mentais são devastadoras, mas imagine por um momento ter que lidar com as duas em certas ocasiões. A atitude de zumbi parece ser um mecanismo que nosso cérebro dispara para lidar com tantas frustrações e amarguras do cotidiano, mais ou menos como desmaiar ao levar uma facada ou tiro. Por falar nisso, completamente sem sono na última sexta, passei a madrugada assistindo filmes na Pluto e um bobo me chamou a atenção, Dylan Dog e as Criaturas da Noite, achei engraçado o mercado de "peças de reposição" que os zumbis montaram na cidade, fui pesquisar e descobri que é um fumetti de imenso sucesso, em que planeta eu vivo por desconhecer o personagem? Provável que estou no modo zumbi sem nem me dar conta. Aproveitando também, Rastreadores de Algures é uma obra que estou achando apaixonante, seus traços casaram perfeitamente com o roteiro. Quando era criança até a entrada da adolescência eu desenhava muito, muito mesmo, cheguei até mesmo a fazer os desenhos corrigindo perspectivas em quadros que minha mãe pintava em suas aulas de pintura artística. Acontece que sem perceber fui levado para a área de exatas trabalhando com programação já nos anos 90, não gosto de reclamar, pois foi o que pagou minhas contas até hoje, mas há pelo menos uns 15 anos que o prazer no exercício da profissão se foi, fico olhando para trás e imaginando se teria sido diferente caso tivesse realmente seguido minha outra aptidão, nunca saberei, já passei da idade para apostas.

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    1. Obrigado por suas palavras, meu amigo. É lenitivo para esses tempos de depressão e saudades de quem não volta.

      Ora, você só conheceu o Dylan Dog pelo filme? Não li todas as HQs mas as que eu tenho aqui são muito boas, não sou fanático como muitos, mas aprecio.

      Não sabia que você também desenha. Legal! Acho que você fez bem em escolher outra profissão, digo isso por pensar que é um caminho cheio de minas para andar por ele, tráz satisfação, claro, mas não sei se compensa. Para uns sortudos como alguns brasileiros cujo sonho é desenhar os personagens das editoras deve ser algo fantástico, afinal pagam bem e dá sucesso e status, mas acho que é como jogador de futebol, muitos tem talento mas nunca chegam na primeira divisão e muito menos viram estrelas mundiais. É um mundo difícil e só os fortes sobrevivem nele, não importa o palco onde se atue.
      Grande abraço e apareça sempre.

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  2. Excelente texto, Edu !! Grato pela citação, sobre ser talentoso, penso que não, mas esforçado acredito que sim, já que pratico Artes Plásticas de forma monástica desde que me entendo por gente, e apesar do fracasso em termos de carreira, ainda insisto nela, uma teimosia cega e infeliz, muitas vezes, mas o chamado vocacional da arte não nos dá escolha, então tento seguir em frente. Sobre ser um artista zumbi, lamento muito por você, você é a prova viva que a mediocridade onde vivemos é uma recompensa punitiva recorrente a quem de fato produz algo de valor. Tenho enorme satisfação em ter o privilégio de conversar com um dos caras que são parte basilar da minha formação artística que é você ainda em vida, grato por essa oportunidade.

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    1. Rapaz, não faz isso, assim você me envaidece e eu acabo acreditando que sou mais que um artista teimoso. Muito obrigado pelas palavras!
      No que tange o fato de você batalhar como artista sem o devido reconhecimento nem grana, faço das suas as minhas palavras: o mundo é composto de míopes em sua maioria, tenho visto seus estudos, suas artes, via rede social e quem não conhece, não sabe o que perde e quem não valoriza eu sinto pena. É de chorar o tempo que as pessoas perdem se exibindo na rede, loucos por atenção e idiotas que mandam feedback tosco dando arrojo ao que é vazio e passageiro. É algo para se lamentar e chorar.

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  3. Dizem que a vida dá mais sofrimento àqueles de quem quer extrair melhores obras. Se assim for, pessoas como eu e você em breve escreveremos algo digno do Pulitzer. Sua analogia do astronauta me lembrou Major Tom, do Peter Schilling, por sua vez originado de Bowie. Espero que as coisas melhorem e que voce passe pelas fases dos lutos o mais breve possível. Abraço.

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    1. Borges nunca fez terapia como seus pares, ele achava que as destitas serviam de combustível para suas obras. Mas no meu caso, as dores dos últimos quatro anos meio que secaram o terreno da criação, me sinto infértil. Vou me recuperar disso tudo? Improvável. Me pesa uma fadiga e apatia que suplanta todo o resto. Mas ainda gosto de ler e apreciar uma boa comida, essa parte dos sentidos permanece.
      Agradeço muito sua amizade, comentário e votos por dias melhores.
      Forte abraço!

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  4. O que você chama de RASCUNHO, eu defino como ARTE PRONTA. Meus rascunhos são coisas que só eu entendo.
    Sobre sua inação às vezes precisamos de um descanso. Senti o mesmo que você essa semana, sem vontade de produzir nada. Arrumei o que fazer, nem sei como.
    Felizmente você tem Deus do seu lado.
    Quer que eu fale com a Dra. Sandra? Você entendeu. Abração. Não se subestime.

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    1. Obrigado por apreciar meus rascunhos, meu caro.

      DEUS, o arquiteto de toda a criação compôs com amor um corpo sábio, em momento de grande stress, ele se recolhe, pausa, obriga a momentos de inação, assim pode se recuperar e se preparar para o próximo round. Minha inatividade já se prolonga além da conta, mas o Senhor é quem sabe. Logo estarei em forma outra vez.

      Sobre a dra. Sandra, toda ajuda é bem vinda. Agradeço demais.

      Big hug e thank you so much por tudo!

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  5. Eduardo: ao ler seu texto me reacendeu uma antiga questão, que é baseada nas histórias de grandes artistas que durante suas vidas tiveram grandes dissabores, dificuldades e sofrimentos. São muitos, sabemos. Então o que sempre me pergunto é: será que realmente esses gênios das artes produziam suas obras fantásticas porque sofriam, ou é o oposto: sofriam porque produziam obras fantásticas? Há um tanto de conformismo nos nossos pensares, inconscientemente até, nos resigninando-nos com nossas dores, e que assim seremos recompensados com um legado, e merecedores de uma glória póstuma. Entretanto eu, como ateu convicto, por não acreditar em nada pós-morte, não tenho o direito de acreditar nisso, e então não me resiguino na dor, e não lambo minhas próprias feridas.
    Observando que isso que escrevo não é de forma alguma uma crítica à sua exposição e à sua maneira de pensar, apenas a minha visão sobre o que você narra.

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    1. Meu caro, não tenho resposta a essa sua pertinente questão, o Musashi dizia que a única forma de se tornar imortal é através de sua arte, criar algo que ultrapasse as barreiras do tempo. Eu particularmente penso que tais gênios não estavam preocupados com isso no momento de compor suas obras, mas o faziam por uma necessidade de por para fora o que os sufocavam por dentro. Nem todos, imagino, mas Poe e Kafka, para mim são poderosos exemplos de pessoas que usaram o talento para escrita muito mais pela necessidade de se expressar do que pelo ganho financeiro, principalmente Kafka, que tinha um emprego formal e não vivia do ofício de escrever.
      É algo para se debater, mas na minha opinião, sendo crente em vida pós morte ou não, pouca diferença faz para o artista; para o Musashi, se a obra dele venceu o tempo, tanto faz, uma vez que não está mais aqui para colher qualquer louro que seja. Mas o artista, mesmo sem intenção, procura pelo seu público, pelo eco ao seu grito.
      Não sei se me fiz entender, poeta, as vezes me perco em palavras, mas é assim que vejo a coisa.
      Obrigado pelo seu comentário!

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O DESENHISTA ZUMBI

 As pessoas gentis que eu conheço me perguntam, quando tem oportunidade de falar comigo diretamente, como eu estou. Se considerarmos o fato ...