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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O MUNDO EM DESCOMPASSO.


Nesta segunda última estava eu com um moedor a menos e a boca toda anestesiada tentando evitar o inclemente sol da tarde, típico desta época do ano em Recife; o ônibus que me deixaria em casa, sem escalas, demorava demais, então optei por pegar um outro que me permitiria fazer uma integração na metade do caminho. Foi uma viagem curta e tranquila, mas ao chegar no terminal me informam que o ônibus em direção a Candeias, bairro onde moro, não parava mais naquela estação. Me restava ainda pegar o metrô, demoraria um pouco mais mas eu evitaria o trânsito e ainda economizaria uma passagem. Devo ressaltar que os trens daqui só circulam lotados e se movimentam mais lerdos que uma lesma manca. Quando o carro desacelerou para estacionar na plataforma me dirigi à porta com certa pressa, afinal se fosse possível viajar sentado seria uma boa, foi aí que bruscamente dois meninos que não deviam contar com mais de 10 anos cada um, atravessaram na minha frente e tomaram a dianteira, um deles, um mulatinho, carregava uma mochila maior que ele e trajava um encardido uniforme de escola pública. Como a porta demorava uns minutos para abrir, começaram a dar murros no vidro. Nada adiantou a minha pressa, ou a deles, pois como de praxe, estava lotado até a tampa, os meninos sentaram no chão encostados na parede (o outro deles parecia um menino de rua, sujo e descabelado, estava com algo bastante volumoso embaixo da bermuda, seria uma garrafa com cola?). Na estação seguinte muitas pessoas desceram aliviando um pouco, vagou um lugar e me sentei. Um ambulante, com um saco enorme de batatas fritas (daquelas bem tabajara), entrou anunciando seu produto. O trem começou a se movimentar, o vendedor de batatas, um tipo ainda jovem, franzino, de barba rala e boné na cabeça, se encostou próximo aos guris. Peguei um livro pra ler, até que um som surdo me chamou a atenção. Era o mulatinho que jogava furiosamente a sua mochila no chão e encarava belicosamente o vendedor de batatas. Não entendi direito o que levou os dois, o menino e o adulto, a se estranharem, mas acho que foi a questão do espaço, o pivete ameaçou chutar o saco (de batatas, que fique claro) do vendedor.
"Ih, endoidou moleque? Aí, nem vou dá ideia a tu. Quieta aí antes que eu fique nervoso!" Falou o ambulante. Não ouvi a réplica do menino mas pareceu ser algo bem feio, ele estufou o peito como um galo garnizé e chamou o cara para a briga. Prestei melhor a atenção no menino, tinha um brinco de argola em cada orelha e uns desenhos feitos a máquina zero na nuca. O outro moleque ficou na dele com cara de assustado. O vendedor pareceu colocar o rabo entre as pernas, não sei se por medo do menino ou de um possível processo por agredir um menor, limitou-se a reclamar como de si para si mas olhando aos que estavam em volta. O Pivete voltou a se sentar. Não demorou muito apareceu outro ambulante: "Olha a paçoca, olha a paçoca! Seis é um real!"
Os vendedores se conheciam. O primeiro se queixou ao segundo pela ousadia do mulatinho. "Ih, tô sentindo cheiro de cola, e acho que é tu!" O menino tornou a se levantar e encarar o vendedor de paçoca, um indivíduo alto e magro (tentei retratar a cena num esboço ultrarápido para vocês terem uma ideia).
"Ih, num treta não que eu te jogo fora do trem!" O menino vomitou uma torrente de palavrões e disse que não tinha homem que o tirasse dali. Vejam bem, o garoto não devia ter mais que 10 anos, e tinha a ousadia de peitar um adulto formado! A discussão continuou sem que eu pudesse entender direito o que era dito, mas pra encurtar a história, quando a porta se abriu em uma das estações o paçoqueiro agarrou o delinquente pelo braço e atirou-o para fora do veículo com violência, o menino tomado de fúria novamente jogou a mochila no chão e chamou o antagonista pra porrada, o outro não se fez de rogado, saiu do trem e deu um chute no pequeno, não pude ver onde pegou (ou se pegou), antes que a porta se fechasse o adulto entrou, os meninos botaram as mãos nos genitais naquele movimento típico masculino de afronta.
Fiquei perplexo com a coisa, embora eu saiba que isto é bastante comum, aquele guri com aquele tipo de atitude, não chegará aos 15 anos, mas se chegar, não duvido nada que em breve servirá de avião para o traficante da sua área, tomará o lugar dele e vai barbarizar até parar nas mãos da polícia, isto na melhor das hipóteses.
Desci em Prazeres e peguei um micro-ônibus para casa. Ao entrar, me espantei com o cobrador, era um garoto de uns 15 anos (se tanto). Tinha brincos alargadores nas orelhas, cabelo estilo moicano e uma tatuagem tribal no braço esquerdo. Pelo seu timbre de voz, fico na dúvida se ele era veadinho ou se estava naquela faze em que os garotos ainda não tem uma tonalidade viril no falar. De qualquer forma, naquela tarde me senti um estranho no mundo, um tipo em extinção. Ainda me espanta constatar que existem crianças desafiando adultos, que trabalham como cobradores de ônibus e usam tatuagens. Sei que num passado remoto infantes para se tornarem guerreiros combatiam veteranos experimentados, mas hoje!?! As leis criadas não são aplicadas, são burladas, voltamos ao estado de barbárie.



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 Desenhando todos os dias, mas como um louco, como fiz no passado, não mais. Não que não queira, é que não consigo; hoje, mais que nunca eu ...