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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

MEA CULPA

Eu tinha 17 anos quando sai de casa. Eram meados do ano de 1979. A expressão mais correta, embora me cause desconforto admitir, era fuga. Sim, eu fugi de casa. Porquê? Durante muitos anos eu enganei a mim mesmo que foi por causa da primeira mulher que eu amei. Ela era capixaba, mas criada no Rio de Janeiro. Era mais velha que eu oito anos. Eu estava completamente apaixonado e sei que ela me amava também.
Dois anos antes eu tinha ido à chamada Cidade Maravilhosa visitar uns amigos, foi quando a conheci. Romântica, imatura, sonhadora e muito inteligente, alegre, espirituosa. Tendencia a engordar, cabelos negros lustrosos e fartos, sempre perfumada e com lábios doces como o mel. Eu, como alguns indivíduos nesta faixa de idade, sonhava com um amor perene. Foi uma cilada na minha vida. Ficamos amigos a princípio. Passeios na Quinta da Boa Vista, cinema, nada de praia. Falávamos dos nossos anseios e o que nos frustrava. Ela, traída por um noivo do sul, eu, da primeira menina que despertara meu interesse na escola, na quinta série.
Numa noite fria no ponto de ônibus, ela ofereceu os lábios, eu, tímido, fingi que não percebi. Podia ser que eu estivesse enganado.
O primeiro beijo de fato aconteceu um bom tempo depois, quando ela veio me visitar em Brasília durante a Semana Santa. Foi um fim de semana apenas, mas parece que durou uma vida. Nos beijávamos tanto que fiquei com os lábios sensíveis e doloridos. Nos correspondíamos semanalmente. Enumerávamos as cartas. Eram missivas de quinze, vinte páginas, uma que ela mandou continha trinta páginas, descrevendo sua rotina e muitas, muitas promessas de amor. Certa vez ela me ligou. Era pra ser rápido. Durou mais de quarenta minutos num tempo em que tarifas telefônicas eram caríssimas. Ouvir aquela voz cristalina quase me fez desfalecer. Foi nesta ocasião que a família dela soube que ela tinha um romance com o rapaz da Capital Federal oito anos mais novo. Começaram as pressões.

Minha relação com meu pai sempre foi muito delicada. Havia muita tensão. Naqueles idos de 70, eu já não conseguia mais viver dentro de mim. Me sentia terrivelmente solitário após a morte da minha avó. Num certo dia, apoiado pela amada, comprei uma passagem de ônibus, arrumei umas peças de roupa e me evadi de casa, sem nenhum tostão no bolso. Deixei uma carta para meus pais dentro do cofre. Eu ia ligar  assim que chegasse ao meu destino. É curioso, naquela época eu ouvia muito Beatles em fitas cassete num velho gravador (não tinha dinheiro para comprar os álbuns) e um dos principais era o "Sargent Peppers", em particular a faixa She´s Leaving Home. A melodia me entristecia muito.
Se minha ligação com meu velho era difícil, o mesmo não se podia dizer da minha mãe, embora não fôssemos tão próximos naquela época como somos hoje. Mas o que me destroçou de verdade naquela fuga foi me separar dos meus irmãos. Eles eram tão novinhos e pareciam me admirar tanto. Eu fiz todo o trajeto entre Brasília e o Rio com os olhos banhados de lágrimas. Embora eu saiba que Deus, em Jesus Cristo, nos perdoa todas as faltas, eu não consigo me perdoar por ter me afastado deles aqueles anos, num momento em que minha presença era muito importante,  principalmente ao ligar da Rodoviária Novo Rio para minha mãe e avisar que me encontrava em outro estado, informar que estava bem, havia uma carta explicando minhas motivações e que não voltaria da mesma forma que saí. Eu não conseguia parar de chorar, mas estava determinado a dar um rumo na minha vida, pegar as rédeas do meu destino e muda-lo na marra.
Vou poupa-los da situação difícil que se seguiu até que aceitassem o fato que eu naquele instante estava fora.
Fiquei na casa de um amigo, seria por pouco tempo até que eu me acertasse. Meus planos consistiam em arrumar um emprego, continuar meus estudos e nunca me separar da namorada.

Fui vela apenas na segunda de manhã bem cedinho quando ela se dirigia ao ponto de ônibus para trabalhar. Eram umas seis da manhã, com os olhos inchados de sono, ela ficou chocada de me ver ali. Acho que não pensou que eu tivesse coragem de fazer o que eu dizia nas cartas. Fiquei desapontado, esperava que ela se atirasse nos meus braços e mitigasse a minha sede dos seus beijos. Não foi assim, mal deu pra conversar, seu ônibus se aproximava, ela se foi com a promessa de ir em casa à noite. Assim o fez, mas algo havia mudado. Ela me propôs que ali próximo de onde morávamos, nos comportássemos como amigos apenas, longe, seríamos nós mesmos, viveríamos o nosso idílio. Concordei a contragosto. Certa vez na faculdade em que ela estudava, ela me apresentou aos amigos como um amigo de Brasília.
Era o começo do fim, mas não deste relato. Brevemente voltaremos a ele, se Deus quiser.

4 comentários:

  1. Fala, Eduardo! Quando olhamos para trás, quanta coisa, boa e/ou má, não? Quanto de descoberta e desafios muitos de nós enfrentam e quantos de nós saem ilesos de todos esses acontecimentos? Acho que a vida de jovens de outrora e tb os de agora poderia ser mais fácil, mas se não fosse assim, cheia de reveses, o que seria do cinema, da literatura e até dos quadrinhos? O que seria da psicologia, psiquiatria, sociologia, etc...?
    Ainda não li seu conto abaixo, mas vou ler. Estou meio enrolado por aqui.
    Espero que tenha um bom feriado.
    Abração,

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  2. Sabe Gilberto, tive um amigo que certa vez me veio com a seguinte teoria, para ele todo homem deveria viver enclausurado até perto dos trinta anos, é que até esta idade o sexo masculino é capaz das maiores sandices em nome do tal amor, é ciumento em demasia, embarriga as moçoilas, mata ou morre por besteira. Pensando hoje com frieza, existe uma certa lógica neste raciocínio, não acha?
    Minha vida no Rio ainda renderá mais umas duas postagens pelo menos.
    Grato e bom feriado pra você também.
    Abraço grande.

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  3. Eduardo Schloesser, quando lhe digo que minha admiração por você cresce a cada dia, não é da boca pra fora. Fico meses, anos tentando escrever as coisas que passei dessa forma, como se abrisse um velho livro da estante. Não consigo. O livro parece ter um cadeado imenso e grosso. Falar sobre elas é fácil. Não escrever. É estranho também como as coisas que relata me parecem familiar, trocando alguns personagens e cenários, lógico. No fundo, somos atores de uma mesma emissora, sei lá...
    Abraço e continue abrindo seu livro de memórias.

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  4. Hi, Misterbrazil, obrigado por seu comentário.
    Eu tento ser cristalino ao máximo, claro, omitindo detalhes que envolvam terceiros, é um desabafo no final das contas, e também o registro de alguns episódios da minha vida que talvez possam interessar a alguém. Pelo visto interessou a você, e isto muito me envaidece. Novamente agradeço.
    Abração.

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