segunda-feira, 15 de abril de 2013
PARA MUITA GENTE, DESENHISTAS NÃO PASSAM DE BOSTA DE CACHORRO COLADOS NAS SOLAS DE SEUS SAPATOS.
Conheço muitos desenhistas, artistas, designers, ilustradores, quadrinistas e sei lá mais o quê. Alguns chegavam a ter todos os títulos citados. Grandes astros de uma constelação de meia dúzia. Noventa por cento deles são uns tipinhos que se julgam muito maiores do que na verdade são. Claro, temos caras fantásticos, pessoas que me ajudaram, inclusive. Mas são excessões, não regra. Junte a isso, os editores ou diretores de arte, os críticos e jornalistas especializados na área e, pronto, você tem um ambiente composto de muitos caciques e poucos índios.
Se isto tivesse pelo menos criado um mercado que valorizasse quem trabalha a sério ainda vá lá, mas não é isto o que acontece. Desenhista, este eterno coitado, ainda é aquele cara que faz algo do qual podemos passar sem, ou sempre tem um que faz melhor e mais barato.
Depois de mais de 30 anos trabalhando profissionalmente em estúdios de produção, em agências de publicidade, produzindo campanhas, quadrinhos, ilustrações e o que mais você possa imaginar dentro da área, hoje ainda tenho que aguentar pessoas me pedindo desenho de graça. Quando a arte já está pronta, eu até cedo, não porque eu queira fazer o gênero gente boa, não é isso não, é que não me custa, uma vez que não vou precisar suar a camisa, o produto já está criado e eu sei que nem todo mundo tem grana pra bancar, e uma divulgada pro meu nome sempre cai bem.
Não faz muito tempo, um pessoal de teatro me pediu umas artes para promover um espetáculo. Não posso, disse eu, estes desenhos são de propriedade de tal editora, falem com eles, se liberarem, por mim tudo bem. A tal editora não liberou.
-Puxa, será que o senhor não faria outros pra gente?
-Posso sim. Custa $$$ cada arte.
-Nossa, tudo isso!?!
-Na boa, não tá caro não, costumo cobrar bem abaixo das tabelas do mercado.
-É que nosso orçamento tá muito reduzido, mas vou falar com o patrocinador e te retornamos.
-OK.
E nunca mais dão notícias. É incrível, mas isto acontece com uma frequência que vocês não imaginam.
-Quanto você cobra pra pintar meu retrato? Eu queria um desenho assim e assim, quanto é? É só eu dizer o preço e a pessoa nunca mais toca no assunto. Acho que elas gostariam que eu respondesse que é uma honra fazer a arte de graça, afinal isto não é trabalho, é diversão. Como se trata de traços e cores num papel não é para ser levado a sério.
Faz muito anos em São Paulo, meu irmão era residente em medicina e trabalhava com um renomado cirurgião que me encomendou umas ilustrações para um livro que ele estava escrevendo. O prazo era apertado, pois ele queria levar as artes para um congresso que haveria na Grécia dali a pouco tempo. Acertamos o preço e lá estava eu varando noites, desenhando e aquarelando tripas. Na data de entrega do trabalho o tal professor não pode aparecer no local, mas deixou instruções com meu irmão para que eu pegasse um táxi e fosse até onde ele morava para levar os trabalhos e fazer possíveis correções. Dei o endereço ao taxista e lá fomos, ficava num local longe pra burro, um condomínio fechado de mansões. Passava das 21 horas e o cara do táxi errou o local duas vezes. Por fim chegamos. O professor conversou com o motorista e pediu que esperasse. O taxímetro ficou ligado. Entramos. Levei material para fazer os reparos necessários. Quando terminamos passava da meia noite. Ele fez o cheque e me pagou. Acertou o valor com o taxista - que não sei quanto foi - o que incluía me deixar em casa.
No dia seguinte, meu irmão me disse que o professor me achou muito careiro. Dá pra acreditar? O cara deve ter pago uma grana preta ao motorista de táxi por toda aquela operação e achou alto o valor pelas artes que ele publicou em seu livro, que aliás, foram bastante elogiadas, segundo soube depois.
Trabalho anda difícil, pelo menos por aqui.
Soube por um outro desenhista que tal fulano está agora desenhando Red Sonja para uma editora americana. Vi umas páginas (boas pra caramba).
-Esse cara deve estar ganhando uma grana legal!
-Ah, sim, 40 dólares por cada página finalizada.
-Quê?!? Só 40 dólares!?! Tá de brincadeira?
-É que ele tá começando agora.
-Mesmo assim. Já vi preços melhores aqui no Brasil!
Editores me ligam chorando as pitangas. Me pedem paciência para efetuar meu pagamento. A coisa anda ruim e tal. Tá ruim mesmo. Imagino que esteja complicado pra todo mundo. O que sei é que sem desenhista não existe um produto para eles colocarem no mercado. Sem desenhista o público não terá o que ler, seja uma hq ou um manual de como aprender o ofício.
Reparo que existe uma porção de gente querendo aprender a desenhar, hoje existem muitas oficinas, palestras e o que mais você imaginar, além é claro da internet que oferece scans de obras como as do lendário Andrew Loomis por exemplo e tutoriais disso e daquilo. Num tempo não muito distante teremos um monte de gente desenhando mas ninguém para ler o que eles ilustram. Parece até argumento de um episódio de "Além Da Imaginação".
Os desenhadores legais que conheci e que tantas dicas dividiram comigo se tornaram competentes aprendendo na dura lida diária, lendo gibis, indo a museus, tentando na solidão de seus quartinhos criar algo parecido com o que faz seu ídolo, seja ele Kirby, Frazetta ou Rembrandt. Estudou por conta própria num período onde escolas formadoras deste tipo de profissão não existiam ou eram muito caras; um tempo em que não tínhamos tantos títulos disputando espaço nas bancas. Isso tudo para ter que passar por certas situações vexatórias.
É a vida.
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Muito boa essa postagem, o Brasil é assim mesmo.
ResponderExcluirAlguns até exaltam os desenhistas, mas não sabem o quanto vale um desenho. Não é porque se usa o talento que não é algo digno, até porque quando se trata de encomendas, não são coisas espontâneas.
Boa sorte
É. Uma postagem singela para o DIA DO DESENHISTA.
ResponderExcluirO pior, Matheus, é que esta situação não se restringe apenas a paises atrasados como o Brasil, sei de artistas fantásicos, que não tiveram quem desse aquele "empurrãozinho", por isto soam sangue no dia a dia, seja na Europa ou EUA. It´s a hard life.
Obrigado.
Quando comecei a desenhar, lá nos anos 90, logo me deparei com a desvalorização do profissional.
ResponderExcluirTinha casos onde alguns amigos meus nem recebiam pelo trabalho que enviavam, e quando recebiam, lhes mandavam junto o argumento de que "Você é novato, já estamos ajudando em divulgar seu trabalho".
É desistimulante, mas é para que todos entendam mesmo que desenho, assim como todas as outras profissões, é mais paixão que dinheiro... Ou deveria ser.
Vou linkar este fabuloso texto no meu blog. Acho que todos deveriam ler algo assim, para a fixa cair antes que se iluda demais... Ah, hoje me encomendaram duas ilustrações, que não farei, claro! Por que? Porque não desenho mais de "graça" e se me desvalorizo, desvalorizo toda a minha classe, e outra, desenho por camaradagem, só pros parceiros zineiros...
Abraços querido, estou sempre ligado aqui. Adoro seus blogs, desabafos e artes belíssimas que sempre posta aqui!
Takamura do blog: Tatsu Estúdio
Brigadão, Takamura.
ExcluirOlha, paixão é o que motiva o artista, nunca a grana, mas sabemos que artistas tem famílis e também pagam contas. Nem todos passam por isto mas a grande maioria infelizmente precisa se submeter. Será que viverei para ver isto mudar um dia?
Saudações, amigo! Parabéns pelos trabalhos! Conheci seu trabalho recentemente e fiquei muito fã do personagem Zé Gatão! Comprei a edição da Devir e gostei muito! corri atrás e consegui a edição da via lettera e acabou de chegar pra mim a edição de capa branca, a qual aguardei 15 dias para chegar e estou empolgado para ler. Gostaria de saber como faço para conseguir a graphic pada #01, que é a única que me falta! Vc poderia me dizer como conseguir? Teria alguma pra me vender? Se sim, po favor, me diga como adqurir! (quem sabe até com um autógrafo!) Obrigado e aguardo resposta!
ResponderExcluirMuito obrigado por seu prestígio, Marcos. Fique ligado que a conclusão de Memento Mori sairá brevemente pela Devir.
ExcluirQuanto aquela edição da PADA, foi uma tiragem limitada que rapidamente se esgotou. Infelizmente, comigo só existe um único exemplar que é do meu acervo pessoal.
Mas tente deixar uma mensagem com alguns dos envolvidos para saber deles se haverá reimpressão nesse link: https://www.facebook.com/sandromarcelo.farias
Mas me deixe o seu e-mail, se num evento desses aparecer algum exemplar eu seguro um pra ti.
Abração.
Texto foda!!!Sou zineiro desenho por paixão.Tendo melhorar pra deixar meus zines melhores.Só não desisto pq gosto dos zines e algumas pessoas também.Essa é a realidade.
ResponderExcluirAbraço.
CFS.
Também desenho por paixão, Cristiano, senão já timha pulado fora do barco. Fica firme aí, quem sabe isso não muda um dia e eu escreva um texto diferente.
ExcluirAbração e sucesso com teus zines.
Muito bomo texto, Eduardo. Eu postei umas fotos de estúdios em meu blog e um texto curto sobre esse dia do desenhista, mas, se tivesse visto o seu antes de postar, postaria o seu texto, com certeza. Como sabe, sou um cara esforçado, que atua mais com área gráfica que propriamente desenho, mas o pouco de experiências que tive gritam para mim que é assim mesmo como você escreveu. As pessoas pensam que um belo traço nasce magicamente e sem esforço e raramente valorizam como deveriam. Adoro o que faço e o que busco, mas de vez em quando comento com amigos que essa nossa inclinação artística é osso duro e que seria mais fácil termos inclinação artística nenhuma e pendermos nossa vida profissional para coisas mais práticas e rentáveis; trabalhar, ganhar dinheiro, comer, beber, amar e dormir.
ResponderExcluirDe qualquer forma, parabéns para nós e que a semana traga boas novas.
Grande abraço,
Seria muito legal se houvesse meios de produzir arte sem necessitar dela para sobreviver, não é? Mas neste caso, quão profunda ela sairia de nossas entranhas? Essa é que é a questão. Existiria Zé Gatão no nível em que o conhecemos se eu não tivesse tido as experiências que me induziram a criar este universo? Por outro lado, se não houvesse tanta bajulação em cima de artistas que tem pouco, ou nada, a dizer, e editores se sentindo maiores que os artistas que publicam já seria um bom começo.
ExcluirAbração, Gilberto, e obrigado.
Eduardo, sem hipocrisia, me fez muito bem ler e receber de ti um pouco da sua experiência. Parabéns pelo texto e que o futuro nos reserve outras experiências com o ofício artístico, de preferencia, mais generosas com nosso talento!
ResponderExcluirBianquinha, é muito bom saber que o texto encontrou eco, retornos como o seu fazem a coisa valer a pena. Este desabafo serve para que outros artistas se valorizem e não troquem o seu talento por um tapinha nas costas ou um muito obrigado...ah, agora se diz "valeu", não é? Bem, valorizemos nosso talento, soube que existem mais neurocirugiões do que desenhistas. Então, cobremos o preço justo por uma arte bem feita e entregue no prazo. Quem não quiser pagar nosso preço que vá pedir desenho para aquele primo que rabisca nos cadernos na escola, certo?
ExcluirBeijão e obrigado.
Olá, Eduardo!
ResponderExcluirTenho 19 anos e sou totalmente apaixonado por desenho. Desenho desde muito novo e atualmente estou fazendo um curso com um artista da região. Gostaria de dizer que é estimulante acessar o seu blog e acompanhar suas postagens e sua rotina de trabalho. É gratificante ver um artista como você que se esforça para ultrapassar os limites de mercado e sim, é triste ver como algumas pessoas ainda percebem a prática do desenho como algo sem valor. Também recebo inúmeros pedidos para serem feitos de graça! Porque a pessoa só quer se for de graça. De vez em quando, também aceito por conta da divulgação! Mas é complicado quando você pensa em seguir carreira como desenhista.
Gostaria de saber, se você poderia me dar alguma dica de como avançar nesse mercado tão complicado. Se possível, gostaria que você visse o meu trabalho! Obrigado!
Obrigado por sua admiração e palavras gentis, Marciano. Isto dá um gás extra nesta dura e longa jornada de desenhista.
ResponderExcluirUma dica? Vejamos, se você tem algum parente que seja dono de alguma grande editora ou agência de publicidade renomada, ou um amigão do peito do quilate de um Jô Soares, que é uma pessoa bem relacionada, com inúmeros contatos, prove a eles que você tem talento e tem garra pra mostrar a que veio. Seguramente terá seu espaço garantido. Falo sem ironia. É assim que é.
Agora, se não conhece ninguém, nem tem parentes que o auxiliem, a dica é esta: trabalhe com afinco para superar seus limites, sempre estabelecendo metas, não se atenha a uma técnica apenas; tenha amor pelo que faz, valorize suas habilidades, lute para que sua personalidade transpareça em seus traços; fuja dos malas e dos picaretas; mantenha a mente alerta e um coração puro, e acima de tudo não deixe de se lavantar e seguir adiante apesar das quedas inevitáveis. Nunca desista. Nunca.
Quanto aos seus trabalhos, terei imenso prazer em velos. Deixe um endereço.
Abração e volte sempre.