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domingo, 29 de julho de 2018

O DIFÍCIL RETORNO AO LAR.


As memórias para os detalhes de como voltei para a casa dos meus pais em Brasília depois de residir - e praticamente parasitar - no Rio de Janeiro por quatro anos são um tanto nubladas, afinal isto aconteceu em 1983, faz uns 35 anos, eu tinha 21. Se a memória não me trai eu saí de Paty do Alferes numa noite qualquer de agosto, fazia muito frio. Minhas coisas, que eram uma televisão, muitos discos e livros já estavam na kombi do Ruço (vou chamá-lo de Ruço porque ele tinha mais cara de Ruço do que de Russo) e ele buzinou no portão da casa por volta das 22 horas. Os momentos finais em companhia da Luci serão omitidos, é um tanto doloroso e íntimo demais para expor.
O cara queria começar a viagem de madrugada para ganhar tempo, dirigir a noite, segundo ele, era melhor, o descanso ficaria para algumas horas do dia. Nos beneficiamos da companhia mútua, ele queria recomeçar sua vida em Brasília depois de se separar de sua esposa e eu esperava colar meus cacos na companhia da família. Eu seria um companheiro para ele não viajar sozinho e em troca ele transportaria meus pobres bens. Era um cara simpático de pouca barba, com cabelos encaracolados e claros; falava muito, falava até pelos cotovelos, acumulando saliva nos cantos da boca e quando falava lançava chuvas de perdigotos no volante e no para-brisa do carro. Os assuntos? Não lembro bem, parte foram as desditas de seu casamento e o fracasso das minhas empreitadas no Rio. Não recordo de nada dos planos para sua vida em Brasília, acho que ele iria usar sua kombi para transporte, eu não tinha ideia do que faria da minha. Como enfrentamos a viagem parece que foi tudo apagado da minha mente, mas lembro que ele errou o trajeto umas duas vezes o que redundou num atraso muito grande trazendo grandes preocupações para nossas famílias. Eu soube posteriormente que pensavam que tivéssemos sido assaltados e mortos na estrada. Deu um branco total na minha mente no que se refere ao tempo de descanso, possivelmente dormimos no banco do veículo em algum posto de gasolina de beira de estrada, tampouco sei dizer quanto tempo passamos em viagem, mas eu calculo que foi quase uns cinco dias, tempo muito longo para uma viagem do Rio a Brasília. O que me lembro bem era do cara - que não era muito mais velho do que eu - me pregando sermão como se eu fosse um adolescente idiota e ele uma espécie de sábio, me ensinando os rudimentos da vida, intuindo que meu fracasso na Cidade Maravilhosa fosse apenas por eu ser um sonhador irresponsável. Talvez ele estivesse certo.
Quando chegamos perto de Cristalina, cidade de Goiás, a perua, que já exalava um cheiro de queimado, deu prego total no meio do caminho. Acho que conseguimos uma carona até um posto em Cristalina e lá ele arrumou um mecânico e o carro foi rebocado até o tal posto. Eu digo acho porque sinceramente não lembro bem. Seria um fato a se recordar para sempre mas, na real, apagou-se de minhas memórias, tudo aquilo me soa como um sonho confuso. O que tenho certeza é de que o concerto do veículo só ficaria pronto numa data distante, talvez uma semana ou dez dias. Ele tinha umas economias na Caixa Econômica e usaria para concertar o carro. Mas como iríamos para Brasília? Eu tinha uns trocados comigo mas não era suficiente para comprar duas passagens de ônibus dali até a capital do Brasil. O jeito era pedir carona. Ficamos conversando com pessoas que paravam por ali para ver se conseguíamos que alguém nos levasse. Eu estava com muita fome e decidi que com estômago cheio tudo era mais fácil de suportar. Com o pouco dinheiro que possuía convidei o Ruço para comer no restaurante do posto. Ele se empanturrou e enquanto arrotava dizia que eu era inconsequente, que o dinheiro tinha que ser guardado para uma emergência qualquer. Eu nada falei, sempre fiquei na minha, guardava as coisas para mim e tava pouco me fodendo para o que pensassem a meu respeito.
Um senhor nos deu carona numa mini perua. Era um desses carros Fiat com uma pequena carroceria. O Ruço foi sentado ao lado do cara e eu fui na caçamba morrendo de frio (o meio do ano na Capital Federal é gelado!), mas não me importei, a cada quilômetro rodado eu estava mais perto de casa. Viajar ali naquela época não tinha problema, as pessoas dirigiam sem cinto de segurança, inclusive. O Ruço me diria depois que aquele senhor tinha ganho na Loto e com o dinheiro do prêmio comprara uma frota daqueles carros e usava para fazer transportes.

Foi na caçamba de um carrinho deste tipo que viajei de Cristalina a Brasília.

O cara nos deixou, em alguma cidade satélite, talvez Taguatinga ou Gama, mas tinha sobrado troco do almoço o suficiente para duas passagens de ônibus até o Plano Piloto.
Descemos na parada do eixo leste entre as quadras 202 e 2003. A noite já estava caindo, meus pés não se continham e davam pressa para chegar em casa. Meu coração batia num ritmo diferente. O vento era gelado e eu tremia de bater os dentes mas não sabia se era de frio ou de emoção. Ao me aproximar do prédio a primeira pessoa que encontrei foi o Cesar, um conhecido dos tempos de adolescência, falamo-nos brevemente, entrei, peguei o elevador, e bati na porta....é tudo o que posso dizer por enquanto.

O bloco H da SQS 202







 

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Rapaz, pode ser que tenha sido um dia a menos ou a mais, realmente foi a tanto tempo que não lembro direito, mas foi osso!

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  2. Rapaz, que aventura! E as coisas que você estava levando? Chegaram também ou se perderam?

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    1. Ah, isso eu lembro bem, Carla, eu fiquei temeroso de que minhas coisas fossem roubadas, mas não havia o que fazer, só torcer para que nada se perdesse. Felizmente os que rebocaram o carro e o consertaram eram pessoas honestas. Chegou tudo direitinho.
      Obrigado pelo comentário!

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