1) Para quem não conhece ainda, fale-nos um pouco sobre o Zé Gatão.
ES -
Vivendo num universo antropomorfo (animais humanizados), o personagem título é
um gato mestiço de lince que luta para sobreviver num mundo implacável e
caótico. Ele é soturno e com problemas de adaptação, não venceu na vida,
tem o utópico desejo de ter um emprego fixo, uma companheira e viver longe da
pressão cotidiana. É basicamente isto.
2) Seu trabalho como Zé Gatão é bastante visceral e polêmico. A violência e o sexo chegam a ser explícitos, chegando a incomodar os mais puritanos ou sensíveis. O que o leva a inserir elementos tão “pesados” em suas histórias? Você os julga realmente necessários?
Es -
Minha proposta quando iniciei esta série era retratar o mundo conforme eu o via
(e sentia) sem maquiagens, não poupando o leitor, se ele estivesse afim de algo
"suave e engraçadinho" que fosse ler as histórias do
Bidu. Preciso sublinhar que nunca fiz hqs para agradar ao público, e sim
usar a narrativa gráfica como uma catarse, um meio onde eu pudesse berrar a
plenos pulmões cada vez que algo na minha própria vida me incomodava, uma forma
de extravasar minhas frustrações, na minha cabeça é algo que se aproxima da
teoria do "Grito Primal" do Arthur Janov. Já reparou que na maioria
dos crimes violentos tem sexo envolvido? Daí o porque d´eu raramente separar
uma coisa de outra.
Se julgo
necessário? Não, necessário não é, mas eu me identifico mais com os filmes do
Quentin Tarantino que os do Frank Capra.
3) Por outro lado, Zé Gatão também vai fundo na discussão filosófica da
procura do eu e na denúncia de problemas sociais como pobreza, truculência
policial, corrupção e, até mesmo, falta de educação nas grandes cidades. Por
que tocar nesses assuntos em uma história onde a ação é o principal chamariz?
ES - Como
já disse, uso os quadrinhos (embora pareça presunção da minha
parte) como uma forma de terapia. Inserir os temas que você citou em
minhas aventuras seria algo natural, pois são coisas que me estarrecem. Quanto
"a procura do eu" é algo que acrescento de forma meio instintiva.
Embora eu faça minhas hqs para mim mesmo, há sempre alguém que se identifica,
que grita de volta, a presença de alguma filosofia (ainda que barata) existente
em Zé Gatão é uma forma de me comunicar com aqueles que veem meu trabalho como
um espelho.
4) Quais são seus mestres e quais as suas fontes de inspiração?
ES -
Muitos, vão de Gustave Doré aos ilustradores americanos da "golden
age", mas sempre repito que o trio que serve de base para o meu trabalho,
são Richard Corben, Bernie Wrightson e Tanino Liberatore.
5) Quais os trabalhos que você está envolvido no momento?
5) Quais os trabalhos que você está envolvido no momento?
ES - O
que tem colocado comida na mesa (desde sempre) são as ilustrações para livros;
a mais de três anos tenho criado imagens para os clássicos da literatura
brasileira para uma editora de Recife, paralelo a isto, crio álbuns e manuais
de desenho para editoras de São Paulo. Nos quadrinhos estou trabalhando numa
biografia do poeta americano Edgar Alan Poe roteirizado por Rubens Lucchetti,
mas infelizmente tive que interrompe-la momentaneamente por falta de tempo,
devo recomeça-la assim que minha vida serenar um pouco.
6) Como você avalia o cenário Nacional atual? E quais são os nomes que merecem destaque?
ES - Não
há resposta fácil, os quadrinhos aqui se parecem muito com o próprio Brasil,
está crescendo, muitas mudanças pra melhor, a maioria dos gringos já sabem que
existimos (e não só por causa do Pelé e do café como era antigamente), tudo
muito bonito e tals, mas para o cidadão comum, que acorda cedo, pega ônibus,
trabalha duro por seu salário (que nunca acompanha o aumento das coisas) o
cenário parece sempre ser o mesmo. Ano passado tivemos recordes de publicações,
inclusive eu, com dois álbuns de Zé Gatão. O problema pra mim é que a maioria
foi de independentes. Romanticamente falando é muito bonito, mas ainda não
temos um mercado.
O
material independente, com raríssimas exceções, é algo que atinge poucas
pessoas, geralmente da sua própria tribo, e isto não permite ao autor viver
deste ofício. Estamos avançando, diriam os mais otimistas! Sim, de fato, mas
avançando pra onde? Há anos estamos nesta luta, e se 2011 foi profícuo para as
hqs nacionais, o mesmo não pode se dizer de 2012, se não estou enganado. Não
parece haver uma evolução no quadro, mas uma parada para recuperar o fôlego, e
sabemos o que acontece quando o atleta para pra respirar, ele perde o pique. O
que sobra no final são sempre os mesmos no pódio, aqueles bem aventurados com
recursos para emplacar seus trabalhos aonde o mercado ainda sobrevive, como nos
EUA, por exemplo. Estes mesmos já tem destaque demais para que eu cite seus
nomes, prefiro falar daqueles que batalham a muitos anos sem o mesmo
reconhecimento. Sou um fã do pessoal da velha guarda, como Júlio Shimamoto, Sebastião
Seabra e Artthur Garcia, mas pra mim, atualmente, disparado, o maior autor
brasileiro é o Nestablo Ramos Neto.
7) E o Nordestino (e mais especificamente, o Pernambucano)?
ES - Pelo
Facebook tive contato com um rapaz muito bom chamado Alan Goldman, arte
sensacional, o cara é muito bom! Aqui em Pernambuco gosto dos traços do
Wamberto Nicomedes e Rael Lira, mas meu destaque vai para o Luciano Félix, é
raro um desenhista com talento pro humor ter uma narrativa gráfica e design de
página tão brilhante como ele expressa em seu trabalho. Como roteirista, algo
ainda pouco destacado no meio, eu gosto do Léo Santana.
8) Muita gente já deve ter lhe perguntado se o Zé Gatão era um alter-ego
seu. O que você diria para essas pessoas?
ES - Acho que todo autor coloca muito de si em seus personagens, mas no
meu caso e de Zé Gatão isto é escancarado, as coisas que disse acima sobre o
personagem parecem muito com minhas próprias características, principalmente
quando era solteiro e andava mais perdido. Porém, o que posso dizer é que eu o
uso para coisas que nunca tive coragem de falar ou fazer.
9) Quais os artistas ou grupos que você destacaria no cenário Nordestino
como de relevante importância para os Quadrinhos Nacionais (Sejam produzindo ou
incentivando os quadrinhos e artistas nacionais) ?
ES - A PADA tem realizado um trabalho hercúleo no sentido de promover e
publicar as hqs aqui em Pernambuco, aliás, não conheço outro grupo que faça
algo semelhante em qualquer outro lugar do Brasil.
10) Quais os projetos para esse segundo semestre de 2012 e para o próximo ano?
ES - A
Devir promete para este ano ainda a continuação de Zé Gatão-Memento Mori, há
também um outro álbum totalmente fora do universo Zé Gatão, pronto já, desde
2004, esperando um momento apropriado para oferecer ás editoras (não sei se
será bem aceito, pois é muito truculento e recheado de cenas de sexo), além da
já citada bio do Poe. Se tudo isto dará as caras o ano que vem, só Deus sabe.
11) Como você definiria o Eduardo Schloesser e seu trabalho?
ES -
Sinceramente? Como um animal em extinção, tanto na forma como vejo o mundo,
como na forma de executar meu trabalho.
12) Você tem algum sonho ou objetivo que ainda espera alcançar?
ES -
Desde que comecei neste meio, em 1986, em Brasília, e principalmente no início
dos anos 90, quando retornei a São paulo, eu tinha grandes expectativas em
relação as artes. A maioria foi frustrada. Tive algumas realizações, poucas me
trouxeram o retorno financeiro tão sonhado. Hoje, chegando aos 50 anos, não me
dou ao luxo de esperar nada além do que o que tenho conquistado.
Não posso
reclamar, penso que meu trabalho é pouco comercial e mal divulgado, ainda assim
publiquei quatro álbuns de Zé Gatão, várias histórias eróticas, diversas
revistas de passo a passo de desenho e quatro álbuns de anatomia, dois deles
esgotados.
Há quem
diga que meu antropomorfo teria boa aceitação no mercado gringo, ainda não
queimei este cartucho e nem sei bem como faze-lo, mas está na pauta, assim que
tiver mais tempo livre.
Ainda
espero poder escrever e desenhar uma última saga de Zé Gatão para por um ponto
final na carreira do personagem, e também criar um álbum com algumas histórias do
cotidiano que a anos pedem pra sair da minha cabeça. Veremos.
13) Espaço Livre: Fique agora a vontade para dizer o que quiser para os leitores dessa sua entrevista:
13) Espaço Livre: Fique agora a vontade para dizer o que quiser para os leitores dessa sua entrevista:
ES - Aos que não me conhecem, procurem pelo que já produzi, pode ser que
vocês gostem e entabulemos uma amizade, ainda que através da
magia autor, trabalho, leitor, ou mesmo face a face, quem sabe?
Aos que que já leram as bobagens que escrevo e desenho, por seu
prestígio e paciência, a minha
gratidão.
Muito legal a entrevista, Schloesser! Acabei de comprar o "Memento Mori" pelo site da Devir. Antes procurei nos comerciantes da região, que estavam com preguicite de encomendar, e na Estante Virtual, onde encontrei um exemplar por R$ 100,00 (talvez seja autografado). A loja virtual da Devir funciona que é uma beleza e nem me cobrou frete. Agora é esperar chegar pra ver o que mudou do primeiro pra esse. Abraço!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, Carla.
ResponderExcluirTomara que você goste do Memento Mori. Ainda estou esperando a Devir lançar a conclusão da aventura. Vamos ver se em 2014 sai.
Quê?!? 100 reais por esta edição na Estante Virtual?!?! Esses caras ficaram loucos? Se era autografado não foi por mim, até hoje a editora não me mandou as unidades a que tenho direito. Pelo visto terei mesmo que ir a São Paulo busca-las.
Um abração.